
Yrá Tikuna, professora indígena, atravessa ponte improvisada sobre rio seco para chegar à comunidade Inhãa-Bé (AM) – Foto: Paulo Desana/Dabukuri/ISA
Um estudo conduzido por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) revelou que a estiagem na Amazônia brasileira está se intensificando e que a temperatura média da floresta aumentou 2 °C entre 1985 e 2020. O levantamento, publicado na revista Nature, analisou dados de 35 anos sobre desmatamento, temperatura e regime de chuvas, destacando a influência direta das ações humanas – tanto locais quanto globais – sobre o bioma.
Segundo os pesquisadores, o desmatamento é o principal responsável pela redução das chuvas durante os meses de seca, contribuindo com 74,5% da queda na precipitação. Além disso, é responsável por 16,5% do aumento de temperatura nesse período. Pela primeira vez, foi possível quantificar os impactos da perda de vegetação e das mudanças climáticas globais sobre a região.
A equipe dividiu a floresta em 29 blocos de 300 km por 300 km para captar fenômenos climáticos de larga escala, como grandes sistemas de chuvas. Ao mesmo tempo, utilizaram dados com precisão de até 30 metros, obtidos a partir do sistema MapBiomas, que monitora a supressão da vegetação. Essa metodologia permitiu acompanhar, em detalhe, como a alteração da cobertura vegetal influenciou o clima em diferentes partes da Amazônia ao longo das décadas.
“Vários artigos científicos sobre a Amazônia já vêm mostrando que a temperatura está mais alta, que a chuva tem diminuído e a estação seca aumentou, mas ainda não havia a separação do efeito das mudanças climáticas, causadas principalmente pela poluição de países do hemisfério Norte, e do desmatamento provocado pelo próprio Brasil, explica o Luiz Augusto Machado, que participou da pesquisa. “Por meio desse estudo, conseguimos separar e dar peso para cada um desses componentes, praticamente mostrando uma espécie de ‘conta a pagar’”, destacou.
Os dados sinalizam um alerta importante. Se o ritmo atual de devastação e emissões de gases de efeito estufa for mantido, os pesquisadores projetam um aumento dos extremos climáticos até 2035, aproximando a floresta de um ponto de estresse ambiental, com consequências sérias para o equilíbrio ecológico da região. Atualmente, o bioma perdeu em média 19% de sua cobertura vegetal, com algumas áreas registrando até 80% de desmatamento.
“A Amazônia é um bioma bastante complexo, que recebe umidade do oceano e tem dinâmica bastante equilibrada a respeito do ciclo hidrológico. Ela já está impactada, precisamos começar a reverter este processo e não há margem para mais fatores de estresse do bioma, internos ou não”, alertou o professor Marco Franco, do Instituto de Astronomia da USP e principal autor do estudo.
O grupo científico evita o uso da expressão “ponto de não retorno”, por não haver consenso na comunidade científica sobre o termo. No entanto, é enfático ao afirmar que já não existe margem segura para a exploração da região. Grandes empreendimentos, como usinas e minas, podem agravar ainda mais os impactos ambientais em larga escala.
“Isso já tem sido sentido na produção da safrinha, que é uma condição rara do nosso agronegócio, em relação ao mundo. Em algumas áreas do bioma ela tem tido quedas relevantes. A seca está aumentando, em média, 12 dias a cada 10 anos”, acrescentou Franco.
A pesquisa indica ainda que mesmo taxas relativamente baixas de desmatamento, entre 10% e 40%, já provocam uma queda significativa nas chuvas e aumentam as temperaturas locais. A partir desse patamar, o impacto se estabiliza, mas a capacidade de reflorestamento diminui drasticamente.
Essas constatações tornam ainda mais urgente a cooperação entre países, segundo os autores. “Já sabíamos que as alterações climáticas ocorriam, a partir de outros estudos. Agora conseguimos mensurar isso, o que nos permite sentar e conversar com os responsáveis. “Saber o nosso papel, do Brasil, em relação ao desmatamento, e conversar com o resto do mundo sobre o impacto que as emissões de gases globais de efeito estufa têm sobre a floresta”, destaca o professor Luiz Machado, que também coordenou o estudo.
Os dados revelam uma queda média de 21 milímetros na precipitação anual durante a estação seca, sendo que 15,8 mm são atribuídos diretamente ao desmatamento. O aumento de temperatura máxima de 2 °C também é dividido entre causas locais e globais: 16,5% da elevação está ligada à supressão florestal, enquanto o restante resulta das mudanças climáticas causadas por emissões industriais.
As regiões da Amazônia Oriental, onde a floresta permanece mais preservada, sentem menos os efeitos da seca, com a maior parte do aquecimento local ligado a emissões de países como China e Estados Unidos. Já em áreas como o sudeste do bioma, na região de Santarém (PA), o impacto do desmatamento no aquecimento é mais significativo, além de as secas serem mais severas.
O levantamento também projeta que, sem controle do desmatamento, haverá queda ainda maior na precipitação durante a estação seca e elevação mais intensa das temperaturas. O próximo passo dos pesquisadores é estimar os efeitos dessas mudanças em diferentes cenários até o final do século.
Além de medir os impactos climáticos, o estudo fornece parâmetros que poderão ser utilizados por outras áreas do conhecimento. Biólogos, por exemplo, poderão usar os dados para analisar os efeitos das mudanças em populações de espécies e habitats específicos.
De acordo com o MapBiomas, entre 1985 e 2023, a Amazônia brasileira perdeu 14% de sua vegetação nativa, o que equivale a uma área de 553 mil km, aproximadamente o tamanho da França. A principal causa dessa devastação foi a conversão de floresta em pastagem. Embora o ritmo de desmatamento tenha caído nos últimos dois anos, o avanço da agricultura e as queimadas continuam sendo ameaças persistentes à integridade do bioma.
Fonte: https://horadopovo.com.br/desmatamento-responde-por-745-da-perda-de-chuva-na-amazonia-aponta-estudo-da-usp/