A Fiocruz, o Cebes e a reitoria da UFRJ divulgaram, nesta quarta-feira (29), um manifesto público em repúdio à política de extermínio promovida pelo governo Cláudio Castro, após a operação policial que deixou 130 mortos nos complexos do Alemão e da Penha, segundo o Ministério Público. A ação, considerada o episódio mais letal da história do Rio de Janeiro, foi classificada por organizações sociais como um massacre orquestrado.
O documento, intitulado ‘Manifesto por uma Segurança Pública Cidadã’, é assinado também por dezenas de instituições públicas e civis (lista completa abaixo) e denuncia a “insustentabilidade das políticas estaduais de segurança”. As entidades afirmam que “os impactos da violência armada no Rio de Janeiro não são novidade e vão muito além das estatísticas de criminalidade. Agudizam uma crise de natureza socioeconômica que há muito corrói o cotidiano das pessoas, o refúgio de suas casas e mesmo seus momentos de lazer, subtraindo a integridade física e mental de comunidades inteiras”.
O texto acusa o Estado de promover o “extermínio sem julgamento” e condena “a falácia cruel do confronto permanente como prática de governo”. Segundo o manifesto, “semana após semana, a invisibilidade administrativamente consentida das zonas de exceção e a falácia cruel do confronto permanente como prática de governo produziram como saldo assustador o extermínio sem julgamento, para muitos, e o caos social para todos”.
O documento também critica a condução política da crise: “Ignorá-lo é irresponsabilidade administrativa, tratá-lo via necropolítica é alimentá-lo”. Para os signatários, “política de segurança pública se constrói com etapas planejadas e estruturantes para resultados socialmente justos e duradouros, não pela rotina brutalizante que sobrecarrega comunidades já castigadas pelo crime e pela precarização”.
O manifesto surge no mesmo dia em que governadores de direita, entre eles Tarcísio de Freitas, Romeu Zema e Ratinho Jr., foram ao Rio de Janeiro demonstrar apoio político a Cláudio Castro — uma tentativa de transformar o banho de sangue em palco de prestígio entre conservadores. Castro, com a popularidade em queda, tenta reposicionar-se como símbolo da linha-dura da segurança pública.
Na nota, as entidades perguntam: “Cabe indagar: a quem interessa a manutenção e agravamento da ambiência de insegurança e medo decorrente da violência armada na capital e região metropolitana?”. A resposta, ainda que não explícita, é evidente: a violência sustenta a máquina política do medo, enquanto os verdadeiros beneficiários do tráfico estão longe das favelas — ricos, brancos e protegidos em seus condomínios de luxo.
As organizações alertam que “não se trata de um conflito armado não internacional, mas de um fenômeno multidimensional que há muito adoece nossa cidade, cancela o sonho de estudantes, impede o tratamento de doentes, rouba a tranquilidade das famílias, tira o sustento de quem trabalha”. O texto aponta que “o sofrimento incessante, os adoecimentos e óbitos desembocam em um problema de saúde pública”.
O manifesto também condena o desrespeito à ADPF das Favelas, decisão do Supremo Tribunal Federal que impõe regras contra a letalidade policial: “A lógica da ocupação e extermínio praticadas no Estado do Rio de Janeiro ignora as instituições garantidoras de direito e desrespeita mesmo o STF quando descumpre a ADPF das Favelas”.
O texto exige medidas concretas:
- “Proteção e manutenção da rotina das pessoas”;
- “Planejamento intersetorial e postura preventiva como política pública”;
- “Formação cidadã das forças de segurança”;
- “Inteligência informada por evidências com foco em redes criminosas”;
- “Transparência e controle social para dimensionamento e gestão de riscos”;
- “Preservação da vida e valorização de direitos”;
- “Respeito às instituições de Estado que garantem os direitos constitucionais”;
- “Articulação efetiva com o governo federal”.
As entidades lembram que “a interrupção de atividades das instituições e equipamentos públicos não só prejudica seu funcionamento normal como representa uma violação de acesso a direitos e gera um ambiente de insegurança, medo e instabilidade”. E reforçam que “midiatizar a violência armada não é dar transparência às ações de segurança pública. É espetacularizar a vergonhosa falta de acesso a melhores condições de vida, a prática do extermínio como política – enfim, a privação de direitos que estão expostas nossas gerações de hoje e de amanhã”.
O documento encerra com um alerta simbólico: “Hoje, sob a mais desastrosa e letal operação policial de sua história, o Rio de Janeiro despertou, ainda que tardiamente, para a realidade de que o caos nutrido pela desigualdade e pela violência rotineiras não gera espaços seguros para ninguém, nem civilidade possível, nem futuro em comum”.
Assinam o documento:
Conselho Deliberativo da Fundação Oswaldo Cruz (CD-Fiocruz)
Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes)
Redes da Maré
Instituto Fogo Cruzado
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO)
Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Fiocruz (ASFOC)
Rede de comunidades e movimentos contra violência
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vitimas do Terrorismo do Estado
Organização Mulheres de Atitude
Conselho Gestor Intersetorial de Manguinhos.
Redeccap de Empreendimentos Sociais (Redeccap)
Espaço Casa Viva de Manguinhos
Conselho Comunitário de Segurança pública – AISP 22.
Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME)
Programa Institucional sobre Política de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental – (PDHSM/Fiocruz)
Programa Institucional de Articulação Interserorial Violência e Saúde (PIVS/Fiocruz)
Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli (CLAVES/Ensp)
Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESec)
Conselho Comunitário de Manguinhos
Projeto Marias – como posso ajudar meu filho especial
Grupo de Trabalho Saúde Internacional e Soberania Sanitária do CLACSO -Núcleo Brasil/ Grupo de estudos Feminismos Decoloniais, Racismo e Saúde
Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos Sobre Drogas – ABRAMD
Associação de moradores do conjunto Habitacional Nelson Mandela
Coletivo Manguinhos Solidário
Coletivo Manguinhos contra a Violência
Associação Cultural Movimento Desabafo Urbano (MODU)
Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Rede Reforma)
Conectas Direitos Humanos.
Escola Livre de Redução de Danos
Frente Estadual pelo Desencarceramento do Rio de Janeiro
Movimento Candelária Nunca Mais
Movimento Popular de Favelas (MPF)
Associação Brasileira de Redução de Danos (ABORDA)
Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (REDUC)
Centro de Convivência É de Lei
Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas (PBPD)
Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos (REDUC)
Centro de Convivência É de Lei
Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas (PBPD)
Movimento Mães de Manguinhos
Grupo de Estudos Ciências Humanas e Saúde: Interlocuções Interdisciplinares (PUC-Rio)
Núcleo de Inclusão Social (NIS-UFRJ)
Laboratório de Ética Animal e Ambiental (LEA-UFF)
Nós: Dissidências Feministas – UFRJ
Fonte: https://horadopovo.com.br/fiocruz-e-ufrj-reagem-a-maior-chacina-da-historia-do-rio-massacre-orquestrado/
