As operadoras de cartões de crédito, as plataformas de alimentos, como a iFood, a ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) e até as fintechs – que estão vendo oportunidade de expansão dos negócios – comemoraram o decreto nº 12.712, do governo federal, assinado nesta última terça-feira (11), modificando as regras do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador). Os supermercadistas consideraram o decreto, em nota oficial, um “marco histórico”, e avaliaram dobrar para 2 milhões os estabelecimentos credenciados no programa.
Resta perguntar, numa hora dessas, por que tanta euforia. O motivo é simples: o decreto, sob a alegação de aumentar a concorrência, abre o setor para o sistema financeiro. Existem, nele, algumas medidas que até são positivas. Mas não são essas medidas que provocam o entusiasmo das empresas de cartões de crédito e fintechs.
Não é um setor pequeno nem com poucas “oportunidades” de negócios. Assim como a Previdência, ele concentra, em mãos dos trabalhadores, muito dinheiro.
O PAT hoje movimenta entre 150 bilhões e 200 bilhões de reais, e atende a 24 milhões de trabalhadores com carteira assinada e funcionários públicos. Contempla um milhão de estabelecimentos credenciados a receberem o vale-alimentação. Segundo a ABBT (Associação Brasileira das Empresas de Benefício ao Trabalhador), são 3 bilhões de refeições servidas por ano.
A média do benefício por trabalhador é de R$ 494,83, por mês, ⅓ do salário mínimo (85% dos beneficiados ganham até 5 salários mínimos). O Programa atinge 2.500 municípios. A ABBT associa 22 empresas que operam o programa, sendo a Alelo, a VR, a Ticket e a Sodexo, as principais. Mais de 470 mil empresas fornecem o benefício aos seus trabalhadores, na maioria conquistados em convenção coletiva ou acordo salarial. Os benefícios são descontados no pagamento do imposto de renda.
Criado em 1976, pela lei 6.321, o PAT visa garantir alimentação de qualidade para o trabalhador e sua família. Cabe às operadoras credenciadas no sistema cadastrar e fiscalizar a qualidade dos alimentos consumidos e a utilização dos vales na alimentação. São descredenciados, em média, 3.500 estabelecimentos por ano, por não cumprirem as finalidades do programa. Uma comissão tripartite – governo, operadoras e trabalhadores – tinha a responsabilidade de supervisionar a aplicação do Programa.
O decreto do governo reduz radicalmente as taxas de operação de 7 para, no máximo, 3,6%, e o prazo de pagamento aos fornecedores de 30 para 15 dias. O pagamento do vale-alimentação será liberado para uso em cartões de crédito especiais, nas maquininhas, e terá validade de um ano (sendo útil para poupança, sem juros, é claro).
Em nota oficial, a ABRAS considerou que “a redução das taxas e a interoperabilidade entre bandeiras representam maior previsibilidade e incentivo à expansão da rede de aceitação, beneficiando diretamente consumidores e comerciantes”. O foco deixa de ser a qualidade da alimentação do trabalhador para ser a financeirização do programa.
Em síntese, ganharão os monopólios financeiros internacionais, que operam as bandeiras dos cartões de crédito, que agora entrarão de cabeça no negócio. Ganharão mais (o dobro) as grandes redes de supermercados, que pagarão a metade da taxa de administração e terão a restituição na metade do prazo, sem fiscalização.
Perdem os trabalhadores, já que continuarão recebendo o mesmo quantitativo, mas a finalidade exclusiva e a qualidade na alimentação deixam de ser o sentido do PAT.
Comemoram hoje, com entusiasmo, os que, durante os últimos 50 anos, foram críticos implacáveis do PAT, afirmando que os vales eram desvirtuados e utilizados “em cachaça e cigarro”.
CARLOS PEREIRA
Fonte: https://horadopovo.com.br/governo-faz-decreto-que-abre-o-pat-ao-setor-financeiro/
