
Multinacional alemã é responsabilizada a pagar R$ 165 milhões por exploração de trabalhadores em fazenda no Pará, em decisão que marca a luta por reparação histórica
A Justiça do Trabalho responsabilizou uma das maiores corporações capitalistas do mundo por crimes cometidos durante o período da ditadura empresarial-militar brasileira. A multinacional alemã Volkswagen foi condenada a pagar R$ 165 milhões por danos morais coletivos pela exploração sistemática de trabalho escravo na Fazenda Vale do Rio Cristalino, no sul do Pará, entre 1974 e 1986, onde centenas de trabalhadores terceirizados foram submetidos a condições análogas à escravidão
A fazenda, conhecida como “Fazenda Volkswagen”, operava com financiamento da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), dentro do projeto desenvolvimentista militar que devastou a floresta e precarizou a vida de milhares de trabalhadores rurais. Enquanto lucrava com incentivos públicos, a companhia impunha servidão por dívida, vigilância armada, jornadas exaustivas e condições degradantes, incluindo a ausência de assistência médica durante surtos de malária.
“A empresa Volkswagen do Brasil não apenas investiu na Companhia Vale do Rio Cristalino, como também participou ativamente de sua condução estratégica, beneficiando-se diretamente da exploração ilícita da mão de obra”, afirmou o juiz Otavio Bruno da Silva Ferreira, da Vara do Trabalho de Redenção (PA), na sentença histórica.
Segundo documentos reunidos pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), trabalhadores eram aliciados com promessas falsas e, ao chegarem à fazenda, eram mantidos em regime de escravidão moderna: alojamentos insalubres, alimentação insuficiente, vigilância armada e impossibilidade de deixar o local por dívidas forjadas com os empregadores.
A ação civil pública foi ajuizada pelo MPT em dezembro de 2024, com base em denúncias da Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização vinculada às lutas sociais no campo. O material reunido pelo padre Ricardo Rezende Figueira, pesquisador e militante pelos direitos humanos, deu sustentação documental à denúncia.
A decisão representa um marco na responsabilização de empresas transnacionais por crimes cometidos no Brasil profundo, especialmente durante o regime militar, quando corporações estrangeiras atuaram com respaldo institucional para perseguir trabalhadores, invadir territórios e eliminar direitos sociais.
Além do valor da indenização, que será repassado ao Fundo Estadual de Promoção do Trabalho Digno (Funtrad/PA), a Volkswagen será obrigada a:
- Reconhecer publicamente sua responsabilidade histórica;
- Pedir desculpas públicas aos trabalhadores escravizados e à sociedade brasileira;
- Implementar uma Política de Direitos Humanos e Trabalho Decente;
- Incluir cláusulas antiescravidão em todos os contratos com fornecedores;
- Permitir auditorias independentes em suas cadeias de produção e fornecimento.
Esta não é a primeira vez que a Volkswagen é chamada a prestar contas por sua conduta criminosa. Em 2020, a empresa assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MPT, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de São Paulo. Na ocasião, reconheceu sua participação em ações de repressão contra trabalhadores durante o período da ditadura militar, em sua planta de São Bernardo do Campo (SP), incluindo casos de perseguição e tortura. Como parte do acordo, a Volkswagen concordou em pagar R$ 36 milhões em reparações.
Antes de ingressar com a ação judicial em dezembro de 2024, o MPT realizou cinco rodadas de negociações com a Vokswagen na tentativa de firmar um acordo extrajudicial. No entanto, a montadora se retirou das tratativas em 2023, alegando que não possuía responsabilidade sobre os episódios denunciados.
A nova condenação amplia o histórico de violações e reafirma o papel do capital estrangeiro no projeto autoritário e predatório implementado na Amazônia, através da associação entre o poder empresarial e a repressão estatal.
A multinacional, instalada no Brasil desde os anos 1950, se beneficiou do modelo econômico baseado na superexploração da força de trabalho e na destruição ambiental, típico do projeto capitalista imposto durante a ditadura militar.
Em nota, a Volkswagen do Brasil disse que “seguirá sua defesa em busca de justiça e segurança jurídica nas instâncias superiores”. Alegou que “a empresa defende consistentemente os princípios da dignidade humana” e que “cumpre rigorosamente todas as leis e regulamentos trabalhistas aplicáveis.” O texto diz ainda que a companhia “reafirma seu compromisso inabalável com a responsabilidade social”, estando “intrinsecamente ligada à sua conduta como pessoa jurídica e empregadora”.
Grandes empresas nacionais e multinacionais, a exemplo da Volkswagen, financiaram e apoiaram diretamente o golpe de 1964 e a repressão que se seguiu. Essas organizações se beneficiaram da repressão aos sindicatos pelo regime, da destruição de direitos trabalhistas e da perseguição a lideranças operárias e camponesas. Documentos e estudos mostram que algumas companhias entregavam listas de funcionários “suspeitos” aos militares ou colaboravam com a repressão dentro das fábricas.
Fonte: https://horadopovo.com.br/justica-condena-volkswagen-por-trabalho-escravo-durante-ditadura-militar/