Peritos relataram a Bolsonaro as fraudes no INSS e foram ignorados, denuncia entidade

Associação Nacional dos Médicos Peritos afirma ter relatado suspeitas de desvios bilionários no INSS ao então presidente eleito

Em dezembro de 2018, durante as discussões para a formação do novo governo, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PL) foi informado diretamente por médicos peritos da Previdência Social sobre suspeitas de “desvios, fraudes e irregularidades com o dinheiro público dentro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)”.

Segundo matéria do jornal Folha de S.Paulo, a denúncia é da ANMP (Associação Nacional dos Médicos Peritos), que afirma ter alertado o então presidente eleito para riscos de prejuízos bilionários aos cofres públicos.

Segundo a entidade, a apresentação ocorreu em reuniões realizadas no gabinete de transição, instalado no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), em Brasília.

A mais emblemática ocorreu em 11 de dezembro, quando Bolsonaro recebeu representantes da categoria para ouvir relatos sobre irregularidades no pagamento de benefícios previdenciários.

SENADOR IZALCI LUCAS

A interlocução foi articulada pelo senador Izalci Lucas (PL-DF), recém-eleito à época. Ele disse ter levado os peritos à equipe de Bolsonaro após receber denúncias envolvendo aposentadorias rurais, seguro-defeso e outros auxílios.

“Quando eu ganhei para o Senado e o Bolsonaro foi eleito, eles fizeram uma apresentação para mim dos indícios de irregularidade com relação ao seguro-defeso, às aposentadorias rurais, fizeram toda uma exposição. Diante dessa apresentação, eu agendei [uma visita] na transição para eles falarem sobre esses indícios”, confessou Izalci.

No entanto, afirma não se lembrar da identidade dos denunciantes nem de todos os integrantes do grupo de transição presentes nas reuniões.

ENCONTROS COM A EQUIPE DE BOLSONARO

Os encontros com a equipe de Bolsonaro ocorreram pelo menos três vezes. O primeiro, em 12 de novembro de 2018, contou com a presença de Onyx Lorenzoni, então chefe da transição, quando a ANMP relatou os impactos das fraudes no déficit da Previdência e discutiu a reforma do sistema.

Na sequência, a entidade foi recebida pelo próprio presidente eleito, em dezembro, e, posteriormente, pelo deputado Osmar Terra (PL-RS), que viria a assumir o Ministério da Cidadania.

As agendas foram conduzidas por dirigentes da ANMP: Francisco Cardoso (então presidente e hoje vice), Luiz Argolo (então vice e atual presidente) e Samuel Abranques (diretor sindical).

Sobre o assunto, a associação preferiu não se manifestar.

GOVERNO LULA

No governo Lula (PT), o caso das fraudes em descontos associativos do INSS foi desbaratado após investigações da CGU (Controladoria-Geral da União) e da PF (Polícia Federal), que resultaram na saída do ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT).

O debate na CPMI que apura os desvios gira em torno de em qual governo eles teriam se iniciado. A gestão petista responsabiliza governos anteriores; já a oposição bolsonarista atribui os problemas ao atual governo.

Izalci, em 2 debates na CNN Brasil, admitiu ter sido procurado por peritos, mas não identificou nomes, sendo acusado de prevaricação por adversários. Durante sessão da CPMI do INSS, em 8 de setembro, voltou a ser cobrado pelo assunto e reagiu em defesa de Bolsonaro:

“Se algum presidente fez alguma coisa concreta, chama-se Jair Messias Bolsonaro. Agora, eles pegam uma reportagem como essa, criam narrativa e ficam repetindo isso constantemente”, respondeu Izalci, membro da CPMI. Mas é Izalci quem não consegue explicar por que, sabendo das irregularidades, não expôs publicamente o caso e o abafou.

MP REVOGADA

O senador cita como resposta do governo a Medida Provisória 871, editada em janeiro de 2019, que endureceu as regras contra fraudes e determinou a revalidação anual de autorizações de desconto em aposentadorias e pensões — prazo depois ampliado pelo Congresso.

Em 2022, porém, a exigência foi revogada pela Lei 14.438/22, que criou o Programa de Simplificação do Microcrédito Digital — Sim Digital —, sancionada sem vetos por Bolsonaro.