3 de outubro de 2025
Procon-RJ investiga denúncia de moradores sobre bloqueio ilegal de esgoto
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Privatização do saneamento resulta em risco sanitário, cobranças abusivas e retorno de dejetos para dentro das casas, expondo o colapso de um serviço essencial

A Secretaria de Estado de Defesa do Consumidor (SEDCON) e o Procon-RJ realizaram, na quinta-feira (2) uma operação de fiscalização em prédios comerciais do centro do Rio de Janeiro, após denúncias de que a concessionária Águas do Rio estaria adotando uma prática considerada abusiva: o bloqueio das saídas de esgoto de imóveis inadimplentes.

Segundo denúncia do portal “Diário do Rio”, o entupimento forçado da rede provocaria o retorno de dejetos para dentro dos imóveis, afetando não só os moradores, mas também o entorno, com risco direto à saúde pública.

O dispositivo utilizado pela concessionária ficou conhecido entre moradores e trabalhadores como “Rolha de Bosta”. O nome reflete o impacto prático da medida: o bloqueio das tubulações de esgoto tem provocado o retorno de dejetos pelos ralos e vasos sanitários, colocando prédios inteiros sob risco constante de alagamentos com esgoto bruto. A situação ocorre em plena área central do Rio de Janeiro, uma das regiões mais movimentadas da cidade.

De acordo com relatos de administradores, funcionários da concessionária teriam ameaçado instalar dispositivos que obstruem os canos de escoamento. 

Segundo a Rádio CBN do Rio de Janeiro, durante a operação desta quinta, a Secretaria de Defesa do Consumidor encontrou esgotos com obstruções.

Foto: Procon/RJ

“Com o bloqueio do esgoto, o que se vê é um cenário caótico: ralos entupidos, dejetos retornando pelos vasos sanitários e risco de contaminação nas áreas comuns dos prédios”, disse o gerente predial da administradora Sergio Castro Imóveis, Adriano Nascimento. E resume: “É bosta pra todo lado. “Tudo isso nas barbas da Agenersa, a agência reguladora responsável por concordar, digo, controlar a Águas do Rio”, brinca.

Como resposta às denúncias de bloqueio de esgoto em imóveis com faturas em aberto, o deputado estadual Cláudio Caiado (PSD) encaminhou um ofício à Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa). No documento, o parlamentar aponta falhas graves na operação do sistema de esgotamento sanitário sob responsabilidade da Águas do Rio e cobra explicações sobre a instalação deliberada de dispositivos que impedem o escoamento dos dejetos em casas e prédios inadimplentes.

“Mais uma vez, estamos cobrando a concessionária Águas do Rio que continua desrespeitando a população. Dessa vez a denúncia vem de moradores que sinalizaram que a empresa está tampando a rede de esgoto de clientes inadimplentes, provocando riscos à saúde e ao meio ambiente”, afirmou o parlamentar em suas redes sociais.

“Oficiei a AGENERSA onde cobrei fiscalização imediata e punição contra essa prática abusiva. Nosso compromisso é garantir que o cidadão tenha seus direitos respeitados e que as concessionárias cumpram o papel de servir, e não de penalizar ainda mais! Isso é o mínimo de dignidade e respeito!”, destacou.

A medida, aplicada sem qualquer decisão judicial, tem impacto direto na saúde e segurança de moradores e trabalhadores, ao impedir o escoamento adequado dos dejetos. O deputado cobra que a agência reguladora tome providências imediatas e esclareça os critérios utilizados pela concessionária para justificar esse tipo de ação, considerada abusiva e ilegal por especialistas.

Segundo o advogado especialista em condomínios Matheus Miranda de Sá Campelo, a medida é “despótica, arbitrária e sem amparo jurídico e afronta pedidos constitucionais e legais”, além de violar “de forma direta os direitos mais básicos do ser humano”.

O esgotamento sanitário é um serviço público essencial, reconhecido pela legislação e pelo Marco Legal do Saneamento e “é indispensável à vida digna e à saúde pública”, aponta o advogado. A lei 11.445/2007 é bem clara, conforme o especialista, quando diz, em seu artigo 2o., que deve ser universal o acesso a cada um dos serviços de saneamento básico.  Isso propicia “à população o acesso na conformidade das suas necessidades e maximizando a eficácia das ações”, justifica Campelo. Ele também cita a Lei nº 8.987/1995, que estabelece o princípio da” ininterruptibilidade”, determinando que serviços públicos essenciais, como o saneamento, não podem ser interrompidos, mesmo em casos de inadimplência.

O advogado ressalta que, se considerar que há valores em aberto, a Águas do Rio deve recorrer aos meios judiciais para cobrar a dívida. No entanto, afirma que a concessionária não pode, em nenhuma circunstância, bloquear o esgoto e expor moradores e comerciantes da região a conviver com dejetos acumulados nas áreas comuns e vias públicas.

Grande parte da inadimplência tem origem em uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que autorizou a cobrança de uma tarifa mínima, mesmo sem consumo. Como resposta, muitos prédios passaram a recorrer a carros-pipa, mais caros, mas ainda assim mais viáveis que os valores cobrados pela Águas do Rio. Isso ocorre porque a tarifa é calculada por unidade, não pelo uso real, gerando cobranças mensais de dezenas de milhares de reais, mesmo em edifícios quase vazios. “ 

Além de cobrar a chamada tarifa mínima de água – mesmo sem fornecer uma gota – a Águas do Rio vem aplicando uma prática considerada irregular por especialistas: a cobrança espelhada de esgoto. Na fatura, o valor mínimo de água é simplesmente duplicado e lançado também como esgotamento sanitário, sem que haja previsão legal para isso. “Eles cortam a água e continuam mandando a conta”, denuncia um síndico de um prédio da Rua Assembleia, na cidade do Rio, atingido pela decisão. 

A legislação não autoriza a cobrança de tarifa mínima para esgoto, e tampouco há decisão judicial que permita essa prática. Ainda assim, consumidores relatam que o valor aparece automaticamente nas contas, como se qualquer débito de água justificasse cobrança equivalente de esgoto, mesmo sem serviço efetivamente prestado.

“O tamponamento do esgoto gera uma situação incontrolável, pois, ao contrário da água, as pessoas não têm torneira”, explica o administrador de imóveis Wilton Alves. “Isso gera”, continua ele, “um acúmulo e com isso o retorno do esgoto, que vai escorrer portarias afora, e afetar as calçadas e o passeio público, transformando a cidade num grande lixão”. “Imagine um prédio que tenha o esgoto tamponado ao lado de um restaurante. Como sobreviverá o restaurante com as pessoas pisando nas fezes pelo chão e entrando restaurante adentro?

AGÊNCIA E CONCESSIONÁRIA NEGAM

A agência fiscalizadora AGENERSA e a concessionária privatizada Águas do Rio negaram as ocorrências registradas pelo Procon. A agência afirma que visitou os locais citados pela reportagem, onde estaria ocorrendo o bloqueio, mas que os fatos não foram constados. 

“No endereço exibido na reportagem, especificamente nas ruas Dom Gerardo e Visconde de Inhaúma, após vistoriar diversos prédios e conversar com moradores e comerciantes, não foi constatada pelos fiscais da agência a suspensão dos serviços de esgoto, conforme relatado na notícia. Contudo, a concessionária foi intimada a prestar informações”, diz trecho da nota. 

“A Agenersa esclarece que o Regulamento dos Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário veda a suspensão do serviço de esgoto se for gerar danos ambientais. E informa que a conduta neste sentido implica em penalidade de multa”, diz outro trecho da nota. 

A concessionária Águas do Rio nega que tenha ocorrido tamponamento do esgoto. “A Águas do Rio informa que hoje não há imóvel algum com o serviço de esgoto cortado. No caso do exemplo da matéria, tratava-se de uma questão pontual de um cliente cortado, que declarou não estar mais consumindo água da rede de abastecimento. Portanto, não estaria gerando esgoto a menos que estivesse utilizando água de forma irregular”.

Fonte: https://horadopovo.com.br/procon-rj-investiga-denuncia-de-moradores-sobre-bloqueio-ilegal-de-esgoto-pela-aguas-do-rio/