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Especialista aponta que modelo de bonificação por redução de consumo, usado na crise de 2015, foi abandonado porque reduziria a receita da empresa privada e sua lucratividade para acionistas
A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) anunciou que vai começar a diminuir a pressão da água em toda a região metropolitana de São Paulo, a partir desta quarta-feira (27). Segundo a companhia e o governo paulista, a redução, que afeta a capital e os 39 municípios da região metropolitana, “é temporária”, mas não foi informado à população por quanto tempo a medida vai vigorar.
Com isso, muitas casas podem ficar sem água durante a noite, especialmente nos bairros mais altos e afastados do centro, como já aconteceu em 2021, durante a crise hídrica. A decisão atende a uma determinação da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo), devido à queda no nível dos reservatórios que abastecem a capital e a Grande SP, que atualmente está em 38,2% de sua capacidade.
A medida foi anunciada nesta terça-feira (26), apenas uma semana após o gerente de abastecimento da Sabesp, José Carlos Leitão, afirmar publicamente que o racionamento estava fora dos planos da companhia, salvo em caso de uma anormalidade climática grave no verão. “Não está nos planos da Sabesp adotar o racionamento. A menos que, por acaso, aconteça alguma anormalidade climática (não chova) no período do verão.”
A mesma posição havia sido reforçada pela Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), que também negava qualquer risco de racionamento. Apesar do cenário preocupante, a Sabesp alegou que as obras de infraestrutura realizadas após a última crise garantiriam a segurança hídrica para atravessar o período de estiagem.
Para o engenheiro Amauri Pollachi, coordenador do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), a decisão impõe sacrifícios desiguais, penalizando principalmente as populações mais vulneráveis, que já enfrentam dificuldades no acesso regular à água. “Eu diria que essa medida é um Robin Hood às avessas (personagem clássico da literatura inglesa que tirava dos ricos para dar aos pobres), em que você privilegia as áreas mais abastadas em detrimento de um atendimento regular para a população mais pobre da região metropolitana de São Paulo”, disse, em entrevista ao Brasil de Fato.
Ele ressalta que a diminuição da pressão da água impacta de forma mais intensa os moradores das áreas periféricas. Segundo ele, aqueles que dispõem de grandes caixas d’água — geralmente a parcela mais abastada da população — praticamente não sentem os efeitos dessa medida, ao contrário das pessoas que vivem na periferia, que muitas vezes ficam sem acesso à água justamente quando mais precisam.
O especialista destaca que a situação se torna ainda mais crítica em regiões mais elevadas, onde muitas casas dependem da pressão da rede de rua para receber água. “As pessoas que moram em locais mais altos e que estão nas periferias hoje já sofrem com um certo desabastecimento. Já existe isso”, afirma. “O que vai acontecer com a aplicação dessa medida? Vai agravar a situação do desabastecimento”, alerta.
Em 2021, órgãos de imprensa divulgaram que o fornecimento de água estava sendo interrompido mais cedo do que o habitual, a partir de relatos de moradores de diversas regiões da cidade. Posteriormente, a Sabesp reconheceu que havia feito a redução da pressão no sistema.
A situação em agosto deste ano é a mais preocupante desde 2015, quando o estado enfrentou uma crise hídrica e o nível dos sistemas chegou a 9,5%. Nesse mesmo mês, no ano passado, por exemplo, o volume armazenado nos reservatórios que atendem à região metropolitana de São Paulo estava em 56,7%.
Os sistemas que abastecem a Grande São Paulo estão em nível de atenção. Se o volume cair para entre 30% e 20%, a situação passa a ser considerada crítica, e abaixo de 20%, é decretado estado de emergência. De acordo com a SP Águas, ligada à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística (Semil), a região enfrenta seguidos anos de chuvas abaixo da média.
A meta é economizar 4 mil litros por segundo. A companhia estima que a redução temporária poderá gerar uma economia significativa no sistema hídrico. “Pela previsão da Sabesp, [a medida] garantiria uma economia de 4 m³ [4 mil litros] por segundo”, informa o governo estadual. Ainda segundo a nota, a ação emergencial permanecerá em vigor até que os níveis dos reservatórios que abastecem a Grande SP voltem à normalidade.
REDUÇÃO GARANTE LUCRO DA EMPRESA
Na avaliação de Amauri, a privatização da Sabesp em 2024, durante o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), influencia diretamente as atuais decisões sobre o abastecimento. Segundo ele, medidas como bonificações por redução de consumo não são adotadas porque “isso irá reduzir a receita da empresa privada que administra o saneamento […] O que se deseja é que essa empresa fature cada vez mais, tenha lucratividade maior para distribuir mais dividendos para os acionistas daqui e do exterior”.
Ele destaca que, antes da privatização, durante a crise hídrica de 2014 e 2015, o governo priorizou campanhas de conscientização e incentivos. “Quem reduzia em 10% o seu consumo nos meses anteriores ganhava um bônus de 20% de redução na conta”, relembra. Penalidades só vieram depois.
Agosto costuma ser o mês mais seco do ano em São Paulo – e, em 2025, isso se confirmou. De acordo com o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Prefeitura, até a última semana do mês, choveu apenas 8% do volume previsto para o período, o que pode justificar a medida.
A Companhia de Saneamento Básico de São Paulo, que é a maior do setor na América Latina e atende a cerca de 21 milhões de pessoas na capital e Grande SP, foi privatizada pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas em um processo pouco transparente, marcado por suspeitas e irregularidades. A começar, pelo fato de a empresa responsável pelo estudo de viabilidade técnica, o International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial, ser credora da Sabesp.
O período de estiagem seria o “batismo de fogo”, na avaliação de Paulo Massato, ex-diretor metropolitano da Sabesp, responsável pela condução da estratégia durante a crise hídrica dos anos de 2013, 2014 e 2015. “Acho que é um bom batismo. Se não voltar a chover, será um bom desafio para a nova diretoria”, disse à Folha de SP em 2023.
Se acontecer (a estiagem), é preciso ter pessoal capacitado tecnicamente para construir uma solução”, defendeu Massato. “Esse é o ponto forte da Sabesp, e acho que eles tentarão preservar (o corpo técnico) de todas as formas, mesmo essa nova direção indicada pela Equatorial.”
O “batismo” está se confirmando; já a manutenção do quadro de especialistas, é outra questão. “A perda de conhecimento técnico foi brutal. E a proibição de horas extras inviabiliza qualquer operação emergencial séria”, apontou o conselheiro do Ondas em entrevista recente ao HP sobre o despejo de esgoto não tratado nos rios Tietê e Pinheiros pela Sabesp privada neste ano.
O Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema) também denuncia o desmonte da empresa sob controle privado. A entidade critica o uso do Plano de Demissão Voluntária (PDV) sem um projeto de reposição. “A política de redução de quadros, somada à privatização, aponta para um modelo de gestão voltado para o lucro e não para o bem-estar da população”, declarou o sindicato.
A empresa demitiu mais de 2 mil funcionários desde a privatização, o equivalente a 10% do quadro de pessoal. Só no primeiro trimestre, mil funcionários foram desligados, segundo balancete da própria Sabesp. Os cortes, além de comprometerem a qualidade dos serviços, também elevam o risco de aumento de acidentes pela diminuição de equipes de manutenção e resposta rápida.
Em assembleia realizada na segunda-feira (25), os trabalhadores da Sabesp aprovaram estado de greve e o início de mobilizações contra demissões e em defesa de direitos. Segundo o Sintaema, a decisão foi motivada pelo aumento de assédio, pressão psicológica, abuso de poder e demissões em massa após a privatização da empresa.
RACIONAMENTO VELADO
Moradores do Guajurá, no litoral sul, já vêm sofrendo há dias os efeitos do racionamento velado praticado pela empresa, como a comunidade da Cachoeirinha, segundo o sindicato. A entidade afirma que esse não é um caso isolado. “Bairros como Santa Rosa, Santa Cruz dos Navegantes e Parque Estuário também enfrentam a mesma realidade: torneiras secas e sentimento de abandono.” “Enquanto isso, a empresa segue emitindo comunicados e prometendo obras futuras, mas não garante o direito imediato e básico da população: acesso à água potável”, aponta.
O problema também atinge a Baixada Santista. “Primeiro foi a Vila dos Pescadores, em Cubatão. Depois, Vila dos Criadores, em Santos”, publicou em julho o jornal eletrônico Diário do Litoral. “Agora, é o bairro de Conceiçãozinha, em Vicente de Carvalho, distrito de Guarujá, que está sofrendo com a falta de água”, continuou o veículo. “Um detalhe: pós-privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)”, completou.
Em Itapecerica da Serra e Embu das Artes, na Grande SP, o rompimento de uma tubulação na divisa entre os dois municípios deixou vários bairros sem água por mais de uma semana, no final de julho e início de agosto.
Fonte: https://horadopovo.com.br/reducao-da-pressao-pela-privatizada-sabesp-privilegia-areas-nobres-e-garante-lucro-da-empresa/