
Ex-delegado, alvo do PCC, foi assassinado na Praia Grande – Foto: Reprodução
O ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, assassinado em uma emboscada no dia 15 de setembro em Praia Grande, litoral paulista, já figurava como alvo do Primeiro Comando da Capital (PCC), conforme documentos oficiais.
O ex-chefe da corporação, que desde 2023 atuava como secretário de Administração da cidade, construiu sua trajetória enfrentando o crime organizado, em especial a facção. Em 2006, indiciou toda a cúpula do PCC, incluindo o líder Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, antes da transferência do grupo para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau.
Um documento de 2024, batizado de “Bate Bola”, detalhava planos de atentados contra autoridades. O texto foi obtido durante investigações e mostrava que Fontes e o promotor de Justiça Lincoln Gakiya estavam na lista de perseguição da facção.
Segundo Gakiya, as ordens não eram transmitidas por escrito, mas de dentro dos presídios:
“O que eu quero deixar bem claro que não saíram bilhetes ou cartas da Penitenciária Federal. O que saíram de lá foram ordens verbais codificadas através de advogados, através de familiares, não só de presos da cúpula, mas de outros presos que conviviam com a cúpula na mesma unidade prisional”, disse.
O promotor relatou ainda um diálogo com Fontes, que mostrava a vulnerabilidade do ex-delegado:
“Ele me disse: ‘Doutor Lincoln, o senhor está mais tranquilo porque está muito bem protegido pela sua escolta. Eu, como aposentado, não tenho esse direito’”.
EXECUÇÃO MONITORADA
Imagens de câmeras da cidade — são mais de 3 mil equipamentos — mostraram que Fontes vinha sendo seguido há mais de um mês. Um Logan branco circulava rotineiramente em Praia Grande nos mesmos dias em que ele trabalhava na prefeitura. Esse carro foi usado como apoio à fuga dos criminosos.
Na tarde do crime, uma caminhonete preta foi vista próxima ao Paço Municipal, enquanto o Logan se posicionava a dois quilômetros dali. Às 18h13, Fontes deixou o prédio após passar pela catraca de reconhecimento facial. Um minuto depois, entrou no carro e foi seguido. Ao reduzir a velocidade em uma esquina, foi surpreendido por disparos de fuzil disparados de uma SUV preta.
Um secretário municipal explicou a rotina de acesso: “Temos uma área de estacionamento no fundo do Paço Municipal. O servidor passa por duas cancelas com reconhecimento facial, estaciona o carro e acessa sua sala por dentro do prédio”. Outro detalhou a preparação dos criminosos: “O veículo dá a volta no quarteirão e se posiciona na esquina, porque a rua é contramão e se posiciona naquela esquina ali”.
Após os tiros iniciais, Fontes tentou escapar, mas colidiu com um ônibus e capotou. Três homens desceram de um dos veículos: dois atiraram novamente contra ele, enquanto o terceiro fazia a cobertura. Toda a execução durou menos de 40 segundos.
Na sequência, a caminhonete usada foi incendiada. O Logan branco foi registrado às 18h21 em um dos acessos à rodovia. As câmeras também mostraram que os criminosos tentaram acessar outro carro previamente posicionado, mas não conseguiram abrir as portas e fugiram em veículos diferentes. A polícia localizou impressões digitais no carro abandonado e em uma casa que teria servido como base da quadrilha.
O prefeito de Praia Grande, Alberto Mourão (MDB), confirmou que o carro já estava sendo monitorado: “Um dos veículos, ele já estava andando desde o dia 18 do mês passado. Ele estava, mapeando, talvez, o caminho do Ruy para poder agir”. E reforçou: “Tudo que a gente registra, que fica aqui andando, as imagens, a passagem de veículos, fica armazenado por meses”.
PRISÕES
Até agora, quatro pessoas foram presas:
- Dahesly Oliveira Pires, que confessou ter transportado o fuzil usado no crime;
- Luiz Henrique Santos Batista, o Fofão, suspeito de auxiliar na fuga;
- Rafael Dias Simões, que se entregou e é apontado como um dos executores;
- Willian Marques, dono da casa usada como base, também se apresentou.
Três seguem foragidos: Flávio Henrique Ferreira de Souza, Felipe Avelino da Silva (Masquerano) e Luiz Antônio Rodrigues Miranda, acusado de ordenar a busca pela arma.
As defesas têm versões distintas. O advogado de Rafael Dias Simões negou a participação do cliente. A defesa de Willian Marques afirmou ter sido surpreendida pela prisão, mas garantiu colaboração com as investigações. A reportagem não conseguiu contato com os advogados de Pires e Batista.
Pouco antes de morrer, Fontes já havia expressado em entrevista a sensação de abandono. “Eu tenho proteção de quem? Eu moro sozinho aqui, eu vivo sozinho na Praia Grande, que é o meio deles. Hoje, eu não tenho estrutura nenhuma”, disse em podcast da CBN e do jornal O Globo.
Fonte: https://horadopovo.com.br/relatorio-oficial-de-2024-ja-mostrava-ameaca-do-pcc-ao-ex-delegado-ruy-fontes/