
A Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) registrou um lucro líquido de R$ 2,13 bilhões no segundo trimestre de 2025, um crescimento expressivo de 76,6% em relação ao mesmo período de 2024. No acumulado do primeiro semestre, o lucro chegou a R$ 3,6 bilhões, resultado comemorado pelo mercado financeiro como “acima do esperado”.
Já para os trabalhadores e a população, os números revelam o outro lado dessa conta cada vez mais pesada: demissões em massa, tarifas explosivas, retrocessos ambientais graves, aumento de acidentes e deterioração na qualidade dos serviços. “Anteriormente, a tarifa da Sabesp era revista a cada quatro anos. A empresa apresentava à agência reguladora um plano de investimentos detalhado, que passava por análise e validação técnica”, explicou o engenheiro Amauri Pollachi, em entrevista recente ao HP.
“Esse plano previa a aplicação de um volume específico de recursos em um conjunto de obras e ações para expansão e melhoria dos serviços. Ou seja, havia um compromisso formal entre a Sabesp, e o órgão regulador, continua o engenheiro, que trabalhou na empresa durante 30 anos. “Aí, sim, era fixado um valor de tarifa que permitiria a aplicação daquele plano de investimentos projetados. Agora, não”, diz.
Antes da privatização, o reajuste da tarifa era calculado com base nos investimentos feitos no ano anterior. Quanto maior o volume de obras e melhorias realizadas, maior o reajuste permitido, já que a tarifa precisava cobrir esses custos. Essa lógica garantia um vínculo direto entre o valor cobrado da população e o compromisso da empresa com a ampliação e a qualidade dos serviços, sob fiscalização da agência reguladora.
A diretoria da empresa alega que o resultado é reflexo de melhorias operacionais, eficiência de custos e aumento no consumo. As metas de universalização são usadas como justificativa para investimentos bilionários, mas a realidade nas áreas de atuação da Sabesp revela outra história: precarização, insegurança e desigualdade no acesso à água e ao saneamento.
Segundo comunicado da própria Sabesp, o salto no lucro está diretamente relacionado à “força de trabalho mais enxuta”, repasses tarifários recentes e à eliminação de descontos para grandes clientes. Em outras palavras, a empresa aumentou suas margens ao reduzir despesas com pessoal e ao repassar mais custos ao consumidor.
O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) atingiu R$ 3,89 bilhões no trimestre – alta de 34% em relação ao mesmo período de 2024. O valor superou com folga as projeções de analistas, que esperavam cerca de R$ 3,08 bilhões.
PRIVATIZAÇÃO
A desestatização da Sabesp, maior empresa de saneamento da América Latina, foi concluída em julho de 2024, após processo iniciado em fevereiro de 2023 com um estudo de viabilidade coordenado pelo International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial e credor da então estatal. O governo de São Paulo arrecadou R$ 14,77 bilhões com a venda de suas ações, a um valor cerca de 20% abaixo da cotação da época. Em uma operação sem concorrência real, o grupo Equatorial arrematou 15% da empresa, consolidando-se como investidor estratégico.
O discurso do governador paulista Tarcísio de Freitas e outros privatistas, falava em eficiência, modernização e antecipação da universalização dos serviços de água e esgoto de 2033 para 2029. Contudo, um ano depois, os problemas se acumulam, e a promessa de melhoria perde força frente aos dados da realidade.
No último dia 23 de julho, uma adutora da Sabesp se rompeu em Embu das Artes, deixando sem água 160 mil moradores do próprio município e de Itapecerica da Serra, ambos na Grande SP. O incidente escancarou os efeitos do novo modelo de gestão: redução de equipes técnicas, terceirização, falta de fiscalização e manutenção negligenciada.
A tubulação estava localizada ao lado de um aterro com mais de 212 mil m², em uma área de intensa degradação ambiental. A proximidade com o Rio Embu-Mirim, importante afluente da Represa Guarapiranga, levanta preocupações sobre o risco de contaminação por chorume carregado de metais pesados, como chumbo e mercúrio, armazenado sem impermeabilização. “A entrega da Sabesp ao setor privado e o desmonte do quadro de trabalhadores e trabalhadoras colocam toda a população em perigo”, denuncia o Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo).
As críticas do sindicato também encontram eco nas declarações de Pollachi. “A perda de conhecimento técnico foi brutal. E a proibição de horas extras inviabiliza qualquer operação emergencial séria”, aponta o engenheiro.
É ESGOTO PURO
Além do aumento nas tarifas e da precarização dos serviços, os impactos da privatização da Sabesp também se estendem ao meio ambiente. Em menos de dois meses – entre 23 de junho e 4 de agosto – foram registradas duas ocorrências de despejo de esgoto sem tratamento nos rios Tietê e Pinheiros, dois dos principais cursos d’água da capital paulista.
“É esgoto puro, que está sendo retirado da tubulação que rompeu. E é uma quantidade enorme: algo equivalente a 86 piscinas olímpicas por dia. Dá para ver claramente uma mancha entrando no rio. Isso pode ser caracterizado como crime ambiental”, disse Amauri ao SP1 da TV Globo, por ocasião do derramamento de dejetos no Tietê.
Segundo denúncias do Sintaema e de movimentos socioambientais, as falhas na coleta e no tratamento de esgoto aumentaram com a redução das equipes técnicas e o avanço das terceirizações na Sabesp. A empresa foi multada em R$ 22,7 milhões pelo vazamento de esgoto no Rio Pinheiros, R$ 900 mil por poluição no Rio Paraíba do Sul, e R$ 23 milhões por despejo em um ribeirão em Bragança Paulista. Além disso, a Justiça determinou que a companhia pare de despejar esgoto em Aracoiaba da Serra, sob pena de multa diária.
Em Itapecerica, os vereadores aprovaram, no dia 5 de agosto, uma lei que prevê a aplicação de multas a concessionárias de água e energia elétrica em caso de falhas injustificadas na prestação dos serviços.
De acordo com o sindicato, a companhia já demitiu mais de 2 mil trabalhadores desde a privatização – metade apenas no primeiro trimestre de 2025. A redução do quadro funcional tem ocorrido de forma acelerada, via Programas de Demissão Voluntária (PDVs) e pressão direta sobre os funcionários.
“As equipes estão esvaziadas. Com menos trabalhadores e mais terceirizações, os serviços ficaram mais lentos, inseguros e caros. A população sente isso na pele”, afirma José Faggian, presidente da entidade.
Desde a privatização, multiplicam-se as denúncias de aumentos abusivos nas contas de água. Em alguns casos, moradores relataram saltos de R$ 70 para R$ 500 em apenas alguns meses. A pressão popular levou vereadores do Partido dos Trabalhadores a proporem uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Sabesp na Câmara Municipal de São Paulo, mas a proposta foi barrada.
Na cidade de Carapicuíba (Grande SP), uma comissão municipal já apura o aumento de tarifas, a piora no atendimento e os impactos da nova política tarifária da empresa. As promessas de ampliação da tarifa social até o momento não se concretizaram para a maioria das comunidades periféricas.
“Hoje, vemos a Sabesp gastar milhões em publicidade para tentar maquiar a realidade. Mas os moradores das periferias sabem o que estão enfrentando: contas caras, falta d’água e serviços precários”, denuncia Faggian.
Enquanto demite, terceiriza e encarece a vida da população, a Sabesp prepara-se para elevar a distribuição de dividendos para acionistas. A política que antes previa a destinação de 25% do lucro líquido aos acionistas pode chegar a 100% até 2030.
O caixa da empresa saltou de R$ 1,18 bilhão no fim de 2024 para R$ 1,95 bilhão no fim do segundo trimestre de 2025. O ritmo de investimentos – de R$ 3,6 bilhões no trimestre – é apresentado como evidência de compromisso com a universalização, mas não há garantias de que os recursos cheguem às áreas mais vulneráveis, que mais precisam dos serviços.
“É uma lógica perversa: lucros para poucos, prejuízo para muitos. O saneamento, que deveria ser um direito fundamental, virou mercadoria nas mãos do capital privado”, critica o presidente do Sintaema.
“Resultado da lógica privatista: sucessivos vazamentos, perda de mais de 30% de toda a água tratada e aumento da vulnerabilidade de nossos mananciais. A entrega da Sabesp ao setor privado e o desmonte do quadro de trabalhadores e trabalhadoras colocam toda a população em perigo”, conclui o Sintaema.
Fonte: https://horadopovo.com.br/sabesp-comemora-lucro-recorde-enquanto-demite-em-massa-aumenta-tarifas-e-despeja-esgoto/