
O vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, em videoconferência com Howard Lutnick, secretário de Comércio dos EUA (foto: Cadu Gomes/VPR)
NÉSIO FERNANDES (*)
Durante os últimos 18 anos, a balança Brasil‑EUA foi um rio que correu na mesma direção: o lado norte acumula superávit de US$ 90 bi, enquanto o lado brasileiro carrega o fardo do déficit. Ainda assim, o Brasil aprendeu a ter fôlego: em 2001 os EUA compravam quase um quarto das exportações; em 2024 essa fatia caiu para pouco mais de 12%. Uma “gripe” em Washington já não provoca extensa pneumonia por aqui.
Esse aprendizado e essa imunidade não caíram do céu. Vem de escolhas pactuadas em governos sucessivos, mas foi sob Lula que ganhou musculatura. Lula, o político‑operário, prefere a conciliação à ruptura, é “jeitoso” em fazer política pragmática e construir pontes. Em 2003 chamou George W. Bush de “companheiro” sem corar a face. Em suas convicções há, sim, um apreço nacional‑desenvolvimentista que oscila entre média e baixa intensidade; sectário ou radical, jamais.
Na arena dos Brics, o Brasil endossa a reforma da ordem mundial, mas é um peso para outros saltos pretendidos por russos e chineses. É o freio em marcha lenta para maiores aspirações.
Do outro flanco, à espreita do abismo, surge o extremismo de direita. A aventura autoritária que incendiou Brasília em 8 de janeiro de 2023 não morreu; refugiou‑se no exterior, buscando patrocínio num trumpismo revanchista que, em uma única semana, anunciou tarifas para mais de 60 países nas redes sociais.
Os estertores podres dessa conspiração já se apresentam ao Brasil: tarifaço de 50%, vistos cassados de ministros do STF, ameaças aos presidentes da Câmara e do Senado, bravatas de canhões imaginários apontados ao Planalto. É a extrema‑direita clamando por ventos de intervenção estrangeira contra seu próprio país.
No Espírito Santo sentem‑se as rajadas desse vendaval. E, infelizmente, há quem sopre essas velas por aqui e em solo norte‑americano também. Dada a proporção das exportações capixabas ao mercado norte‑americano, talvez sejamos um lóbulo do pulmão brasileiro de menor imunidade. O Estado exporta cafés, rochas ornamentais e celulose que embarcam pelos portos de Vitória e Barra do Riacho rumo aos EUA. Bastaria a tarifa atravessar o Atlântico para tolher empregos em Aracruz, Cachoeiro e Linhares. No comércio capixaba, do pescado à quase metade da celulose têm destino norte‑americano; um golpe alfandegário sem resposta diplomática e econômica viraria desemprego imediato na costa. Apesar de sua capital, o Espírito Santo não é uma ilha.
O vírus que pretendeu enfermar a democracia no Brasil, a partir do dia 1º de agosto de 2025, poderá provocar séria doença respiratória a diversos setores da economia capixaba.
No entanto, no último século de história os capixabas aprenderam que andar com o Palácio que governa o Brasil é menos custoso que remar contra ele; hoje não é diferente. Não é retórica, é colocar os interesses do Estado na frente.
Em meio a constrangimentos, é importante lembrar que, desde 1982, todos os governos eleitos no Espírito Santo foram eleitos com apoio da esquerda e de amplos setores políticos e sociais. Destaco que o único governador eleito sem esse apoio (1998), embora democrata, realizou um mandato impopular, teve prisão decretada, isolou‑se na política e nunca mais voltou a cargos eletivos.
A pneumonia ainda é evitável. O Brasil possui reservas cambiais robustas, indústria diversificada e acordos com Europa, África e Ásia. Até o presente momento, diversos gestos por uma mesa de negociação foram promovidos pelo governo brasileiro, especialmente liderados pelo vice‑presidente Geraldo Alckmin.
Sem resposta de Washington, o presidente Lula já se declarou pronto para se reunir com a parte norte‑americana a qualquer tempo. Porém, sem coesão interna nenhum desses ativos gera prosperidade. É urgente isolar o “vírus”, a minoria que sabota a própria pátria, e recolocar o Estado brasileiro, junto com os entes subnacionais, na defesa dos interesses soberanos.
Por isso, a hora é de união de todos. Melhor cerrar fileiras com um presidente eleito, ainda que moderado para uns e radical para outros, do que dar as mãos a quem aponta para o abismo. Um presidente sem apoio regional fragiliza a defesa dos interesses capixabas; um Brasil coeso, com instituições respeitadas, tem força para negociar de cabeça erguida e barrar o prejuízo de aventuras tarifárias.
Os sabores da política são voláteis, mas a receita para não queimar o prato é conhecida: democracia firme, diplomacia altiva e um pacto político amplo e generoso. Quando o Brasil se une, ganha o povo, ganha a economia, ganha a soberania. Que a conta do abismo fique para quem com ele flerta, não para a nação; e muito menos para um Estado que ainda insiste em construir pontes.
(*) Médico sanitarista. Foi secretário de Saúde do ES e secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde. Também presidiu o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Estado da Saúde).
Publicado originalmente no jornal A Gazeta, de Vitória, Espírito Santo.
Fonte: https://horadopovo.com.br/sobre-o-tarifaco-de-trump-os-riscos-e-a-conta-do-abismo-sem-limites/