11 de dezembro de 2025
STF retoma julgamento do marco temporal em meio a impasse
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Na véspera do julgamento no Supremo, Congresso aprova mudança constitucional sobre demarcações, desafiando decisão da Corte e intensificando crise institucional

O Supremo Tribunal Federal inicia nesta quarta-feira (10) o julgamento das ações que contestam a lei do marco temporal em meio a um clima de confronto aberto com o Senado. Na véspera da sessão, os senadores aprovaram a PEC 48/2023, numa manobra explícita para inserir o marco temporal na Constituição e tentar impor sua vontade política ao próprio Supremo, que já havia derrubado a tese em 2023 por considerá-la inconstitucional. O movimento é visto por lideranças indígenas, juristas e parlamentares como uma tentativa de o Legislativo se sobrepor ao Supremo e fixar unilateralmente limites aos direitos territoriais dos povos originários.

A ofensiva legislativa reacende um embate que começou em outubro de 2023, quando o Congresso aprovou a lei que restringe a demarcação às terras ocupadas em 5 de outubro de 1988. À época, o Supremo já havia rejeitado esse entendimento, mas o Parlamento restaurou o texto; Lula vetou, e o Congresso derrubou o veto. Ao avançar agora com uma emenda constitucional, o Senado busca reforçar um dispositivo que já foi declarado incompatível com a Constituição.

A PEC aprovada nesta terça-feira (9) recebeu 52 votos favoráveis nos dois turnos, realizados na mesma sessão, após aprovação de um calendário acelerado. O texto prevê indenização para ocupantes que comprovarem “posse de boa-fé” e impede a ampliação de terras indígenas “além dos limites já demarcados”. Enquanto PT e governo pediram voto contrário, PL, União Brasil, PP, Republicanos, Podemos, PSDB e Novo orientaram a favor.

Nos bastidores, a investida foi lida também como reação à decisão do ministro Gilmar Mendes que, na semana anterior, alterou o rito de impeachment de ministros do Supremo, irritando setores do Congresso. Hoje, o artigo 231 da Constituição assegura aos povos indígenas os “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, sem estabelecer marco temporal. A PEC tenta transformar em regra constitucional a vinculação à data de 5 de outubro de 1988. A proposta segue agora para a Câmara.

Enquanto o Senado acelerava a mudança constitucional, o Supremo se preparava para ouvir os autores das cinco ações apresentadas em dezembro de 2023 — partidos, organizações ambientais, entidades indígenas e representantes do agronegócio. Antes desta retomada, houve tentativas de conciliação entre 2024 e 2025, com mais de vinte audiências, mas nenhum acordo.

A sessão desta quarta-feira reúne cerca de 200 lideranças indígenas dentro e fora do Supremo, com mobilizações em vários estados. Durante as sustentações orais, a jurista Deborah Duprat afirmou:
“O que faz a Lei 14.701? Ela retrocede naquilo em que o Supremo Tribunal Federal já havia avançado. Um dos pontos é o marco temporal. O segundo é que a lei desconsidera completamente — ao contrário do que fez esta Corte — a posse indígena. Talvez a maior maldade da lei seja a proibição de revisão de terras. A lei vai em sentido contrário e homologa um único modo de vida, um único modo de relação com a terra: a apropriação privada e econômica”.

As reações ao avanço da PEC foram imediatas. A APIB publicou nota contundente: “A Apib manifesta total repúdio às violências do Congresso Nacional, às ações anti-indígenas, contra a democracia, contra os representantes do povo. Bem como repudia a agressão contra os jornalistas que foram empurrados e impedidos de fazer seu trabalho pela polícia legislativa.”

“A PEC 48, do Senador Hiran Gonçalves (PP-RR), aprovada ontem no Senado por 52 votos a favor, sem apreciação da CCJ e em desacordo com decisões já firmadas pelo STF, propõe tornar o Marco Temporal constitucional. O texto substitutivo apresentado pelo Senador Esperidião Amin (PP-SC) promove uma reestruturação profunda do regime constitucional das terras indígenas, institucionalizando a negação de direitos indígenas.”

“2026 é ano eleitoral, dessa vez não vamos deixar que a população brasileira esqueça quem são os congressistas da morte. Vamos nos lembrar de todos que agem contra os direitos fundamentais e a democracia.”

“Nós, povos indígenas, declaramos mais uma vez nossa confiança no Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição, que já reconheceu os direitos indígenas como cláusulas pétreas.”

“Reafirmamos: os direitos originários dos povos indígenas são anteriores ao Estado brasileiro e não podem ser reduzidos por manobras legislativas. Seguiremos mobilizados e em LUTA PERMANENTE na defesa da Constituição e da vida.”

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou posicionamento semelhante. Em seu texto, afirmou:
“Senado aprova a PEC 48/2023 do marco temporal.”

“O Senado Federal, na véspera do início do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), das ações que questionam a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 – norma que desrespeitou decisão anterior da própria Suprema Corte, contrária à tese do marco temporal, ao reintroduzi-la na administração pública – voltou a afrontar o STF ao aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48/23. A medida pretende instituir a tese do marco temporal para a demarcação das terras indígenas não mais por meio de lei ordinária, mas agora como emenda constitucional.”

“A tese estabelece que os povos indígenas só terão direito às áreas ocupadas ou sob disputa na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.”

“Antes da votação, os senadores aprovaram um requerimento para estabelecer um calendário especial para análise da proposta, sem a necessidade de intervalo entre os dois turnos de votação. Com isso, o texto foi aprovado por 52 votos favoráveis e 14 contrários, em primeiro turno, e por 52 favoráveis e 15 contrários no segundo. O projeto passará agora por análise da Câmara dos Deputados.”

“O texto da PEC define que são terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição, eram, simultaneamente, por eles habitadas em caráter permanente, utilizadas para suas atividades produtivas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, sendo vedada a ampliação além dos limites já demarcados.”

O Supremo ainda ouvirá as sustentações orais antes da etapa de votação, em sessão futura. A tendência é que o tribunal reafirme seu entendimento de 2023 — o de que o marco temporal é inconstitucional — agora diante de um Congresso que elevou o confronto ao nível constitucional e tencionou a relação entre os poderes.

Fonte: https://horadopovo.com.br/stf-retoma-julgamento-do-marco-temporal-em-meio-a-impasse-com-o-senado/