2 de novembro de 2025
“Tarcísio retira acesso à educação de quem mais precisa”, denuncia
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Com exigência de emprego formal, governo exclui 44% dos jovens que trabalham na informalidade das escolas estaduais

A decisão do governo Tarcísio de Freitas e do secretário estadual da Educação, Renato Feder, de fechar turmas do ensino noturno e transferir compulsoriamente estudantes da rede estadual tem provocado forte reação entre professores, estudantes e entidades sindicais. A Subsede Lapa da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) divulgou nota pública denunciando o que chama de política excludente e autoritária e convocando mobilizações em defesa do direito à educação.

Segundo a entidade, alunos do ensino regular e da Educação de Jovens e Adultos (EJA) estão sendo transferidos sem autorização para outras escolas ou turnos. Em muitos casos, as matrículas já aparecem alteradas no sistema da Secretaria Escolar Digital (SED), sem consulta aos estudantes ou seus responsáveis.

A coordenadora da Subsede Lapa, professora Flavia Bischain, critica a forma como o governo vem conduzindo o processo. “O que estamos vendo é uma reorganização da rede feita pelo governo Tarcísio sem nenhuma transparência, nem diálogo com a comunidade escolar”, afirma.

De acordo com a nota da Subsede Lapa, a política da Secretaria da Educação repete práticas de governos anteriores, como a reorganização escolar de 2015, que foi derrotada após uma onda de ocupações estudantis. “A diferença é que, desta vez, o plano é ainda mais grave, pois não apenas fecha escolas ou salas, mas retira o direito de acesso à educação de quem mais precisa dela”, destaca o documento.

“Trata-se de uma manobra para eliminar a demanda e justificar o fechamento do noturno”, denuncia a Apeoesp. “Ao centralizar o ensino noturno em poucas escolas, longe dos alunos, o governo dificulta o acesso e empurra milhares de trabalhadores para fora da escola.”

O plano prevê o fechamento da maioria das turmas noturnas, mantendo apenas algumas escolas polo, às quais os estudantes só poderão ter acesso se comprovarem vínculo formal de trabalho. A exigência, afirmam os professores, exclui justamente os mais pobres, já que cerca de 44% dos jovens de 14 a 24 anos trabalham na informalidade, segundo dados do Ministério do Trabalho.

A professora Flavia destaca que os estudantes trabalhadores são os mais prejudicados, e que as mulheres são as principais vítimas dessa exclusão. “Os estudantes que trabalham são os mais prejudicados, pois muitos ficarão sem estudar. Os que estão em trabalhos informais, as mulheres que cuidam dos filhos ou parentes, ou quem está procurando emprego, não consegue comprovar a necessidade de estudar à noite e vai ficar sem vaga pelo fechamento do ensino noturno em várias escolas na região.”

A nota da Subsede reforça esse ponto, lembrando que as mulheres — especialmente mães e responsáveis por tarefas domésticas e de cuidado — são as mais atingidas pela nova política. Muitas delas não conseguem comprovar vínculo formal de trabalho, e por isso perdem o direito à matrícula no turno noturno. “Essa medida reproduz a desigualdade de gênero e aprofunda o processo de exclusão das mulheres da escola e do mercado de trabalho”, alerta o sindicato.

“Muitos estudantes trabalham por conta própria, fazem bicos ou cuidam dos irmãos e dos filhos durante o dia. Ao exigir comprovante de emprego formal, o governo condena essas pessoas a abandonarem os estudos”, reforça a Subsede Lapa.

Além do impacto sobre os alunos, a medida também golpeia os profissionais da educação. O fechamento das turmas noturnas implica redução na atribuição de aulas e ameaça direta aos contratos temporários e terceirizados. “Com menos turmas, haverá desemprego e precarização ainda maior para os profissionais da educação”, afirma o sindicato.

Flavia Bischain também denuncia o caráter autoritário e ilegal das transferências, realizadas sem autorização das famílias. “O mais grave é que as matrículas estão sendo transferidas para o matutino ou mesmo para outras escolas sem a autorização dos pais e dos alunos. Por isso estamos denunciando e mobilizando a comunidade contra esse absurdo.”

A Apeoesp lembra ainda que a Secretaria da Educação pretende implantar um projeto piloto de EJA à distância, com salas que poderiam reunir mais de 500 alunos, algo que já está sendo questionado na Justiça. Para a entidade, a medida faz parte de um processo de desmonte e plataformização da escola pública, com vistas à privatização.

O governo estadual se ampara na nova Política Nacional do Ensino Médio, sancionada em 2024 pelo governo federal, que permite manter apenas uma escola com ensino noturno em cada município “quando houver demanda manifesta e comprovada”. Para os professores, essa redação legal abre brecha para o fechamento generalizado das turmas noturnas e facilita a exclusão dos alunos trabalhadores.

A Subsede Lapa da Apeoesp afirma que está notificando as Diretorias Regionais de Ensino das regiões Centro, Centro-Oeste e Norte 1, e que já organiza abaixo-assinados e assembleias nas escolas. O objetivo é ampliar a mobilização em defesa da manutenção do ensino noturno regular e da EJA em todas as unidades da rede.

“Há exatos dez anos, em 2015, as ocupações estudantis derrotaram a reorganização escolar de Alckmin. Hoje, precisamos novamente unir forças para barrar esse novo ataque à escola pública”, conclama o sindicato.

Movimentos em defesa da educação, apontam que essa política faz parte de um projeto privatista mais amplo, voltado a transformar a educação pública em um mercado lucrativo para grupos empresariais e fundações privadas. Em vez de garantir o direito à educação de qualidade, o governo estadual aposta em cortes, terceirizações e ensino à distância, favorecendo contratos milionários com empresas de tecnologia e gestão educacional.

Essa lógica de educação como negócio impõe o lucro em prejuízo da qualidade do ensino, da valorização dos profissionais e do acesso universal à escola pública. “Quando o mercado toma conta das políticas públicas, os resultados são trágicos: encarecimento de serviços, perda de qualidade, rotatividade de profissionais, precarização, ruptura dos vínculos comunitários e desmonte da participação e acompanhamento social”, denuncia o “Manifesto da Frente Popular em Defesa da Escola Pública”, formado por entidades, movimentos, associações populares, representantes sindicais e professores universitários. 

Para fortalecer essa luta, a Apeoesp lança o chamado: “Noturno Fica! Tarcísio e Feder saem!”, convocando todos os envolvidos com a educação pública e de qualidade a unirem forças em defesa do direito à educação e contra o desmonte da escola pública.

JOSI SOUSA

Fonte: https://horadopovo.com.br/tarcisio-retira-acesso-a-educacao-de-quem-mais-precisa-denuncia-professora/