3 de agosto de 2025
vazamentos, poluição, tarifas em alta e lucros recordes
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À esquerda, Tarcísio comemora a privatização da estatal; à direita, esgoto jogado pela Sabesp privatizada no Rio Tietê – Foto: Reprodução

“A população não tem muito o que comemorar. Houve uma degradação da qualidade dos serviços”, avalia o engenheiro Amauri Pollachi

Ao completar um ano da privatização da Sabesp, a população já sente os reflexos da entrega de um serviço essencial — o saneamento básico — à iniciativa privada. Vazamentos, falta de água, aumento das tarifas e demora na solução dos problemas têm sido parte da realidade enfrentada pela população, que agora depende de uma empresa privada para ter acesso a um direito básico.

Em entrevista à Hora do Povo, o engenheiro Amauri Pollachi, que trabalhou na empresa por 30 anos e hoje é conselheiro do ONDAS (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), fez duras críticas à gestão atual, alertando para o que chamou de “colapso da qualidade dos serviços, perda de conhecimento técnico e desrespeito à população”.

Segundo ele, os únicos que têm motivos para comemorar são “os acionistas que compraram ações da Sabesp há um ano atrás”. “A Equatorial assumiu o controle da empresa com apenas 15% das ações. Outros três mil investidores, entre pessoas físicas e fundos como o BTG Pactual, compraram ações a R$ 67,00, enquanto no dia da negociação a ação já estava em R$ 87,00. Hoje, está em R$ 110,00. Um ganho imediato de R$ 20 por ação”, explicou.

Entretanto, fora da lógica do mercado financeiro, a realidade enfrentada pelos consumidores é bastante diferente. “A população não tem muito o que comemorar. Houve uma degradação da qualidade dos serviços”, apontou Amauri, citando “problemas sérios de abastecimento, água suja e atendimento precário”, especialmente em regiões como o litoral paulista, a Baixada Santista e cidades como Itapecerica da Serra.

Ele também critica a retirada de benefícios tarifários. “Retiraram a tarifa social de cerca de 400 mil famílias, além de subsídios a grandes consumidores, como hotéis e indústrias, que viram suas contas aumentarem até 200%. Só voltaram atrás por causa da grita geral”, relatou.

Engenheiro aposentado da Sabesp Amauri Pollachi – Foto: Câmara dos Vereadores de São Paulo

Amauri destaca ainda que os números de investimento anunciados pela gestão atual precisam ser analisados com cautela. “Falam em R$ 10,6 bilhões em 2024, quase o dobro dos R$ 5,6 bilhões aplicados em 2022, último ano antes do início da privatização. No entanto, o número de novas ligações de água e esgoto é praticamente o mesmo. Então, para onde foi esse dinheiro?”, questiona.

“Um ano após a privatização da Sabesp, a nova gestão tenta reescrever a história da empresa com comparações enganosas. Em campanha publicitária recente, a direção afirma que investirá mais em cinco anos do que a estatal investiu em cinquenta”, cita em nota o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema). “Mas os números não sustentam esse discurso”, ressalta o sindicato.

Dados levantados pela Folha de S. Paulo, de acordo com o Sintaema, desmentem a propaganda: entre 1995 e 2024, a Sabesp investiu mais de R$74 bilhões — valor que, corrigido pela inflação, ultrapassa R$135 bilhões. A promessa da atual gestão, portanto, representa uma distorção dos fatos e tenta desvalorizar décadas de investimentos públicos no saneamento básico paulista.

Sobre esse ponto, Amauri Pollachi acredita que o novo modelo de regulação adotado após a privatização da Sabesp criou uma lógica distorcida: “Hoje, quanto mais a empresa diz que investe, maior pode ser o reajuste da tarifa. Isso cria um incentivo perverso para inflar artificialmente os investimentos”, apontou.

SANEAMENTO NÃO É PADARIA

A privatização comprometeu a estrutura e a eficiência do serviço prestado pela Sabesp, observa Amauri. Um dos pontos mais preocupantes, segundo ele, é a redução drástica do quadro de funcionários da empresa, que caiu de cerca de 12.500 para menos de 8.000 em apenas dois anos. “Saneamento não é padaria. Você perde conhecimento técnico acumulado, perde capacidade de resposta. Antes um vazamento era consertado em dois dias, agora leva cinco, seis”, critica.

A política de gestão implantada após a privatização segue uma “lógica de maximização de dividendos com corte brutal de despesas”, diz o conselheiro do ONDAS. De acordo com Amauri, profissionais qualificados e experientes, com salários mais elevados, foram alvo de dois Planos de Demissão Voluntária (PDVs). Atualmente, os que permaneceram vêm sendo pressionados a aceitar rebaixamentos salariais que, em alguns casos, ultrapassam 60% — sob a ameaça de demissão caso não aceitem.

Isso, além de desestimular os funcionários, também resulta na perda de quadros técnicos essenciais para a empresa. “É uma receita parecida com a aplicada pelo Lemann (Jorge Paulo Lemann, bilionário ligado à fraude fiscal da Americanas em 2023) que foca só em dividendos e valor de mercado, mas destrói a qualidade dos serviços”, compara.

A consequência desse processo é o atendimento “caótico” ao cidadão, denuncia o especialista. “As pessoas fazem fila nos quarteirões das agências para contestar contas de água que chegam a R$ 7 mil. Reclamações sobre água suja são tratadas com demora. A central de atendimento informa que há fila de 30 pessoas e o consumidor espera mais de uma hora no telefone.”

Amauri conclui dizendo que o sentimento dentro da empresa mudou. “Antes havia amor à camisa. Os funcionários se esforçavam ao máximo em momentos de crise. Hoje, com a desvalorização, com a perda de autonomia e o medo constante de demissão, esse comprometimento está estilhaçado.”

FALTA DE ÁGUA

Em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, a população está sem água há mais de uma semana após o rompimento de uma tubulação no limite com a cidade de Embu das Artes, também afetada. Mesmo com os transtornos, que levaram moradores a protestarem e bloquearem a Rodovia Régis Bittencourt, a empresa afirmou que não concederá descontos nas contas.

No litoral sul, os moradores vêm enfrentando problemas no abastecimento desde a privatização da companhia, concluída em julho de 2024. “Primeiro foi a Vila dos Pescadores, em Cubatão. Depois, Vila dos Criadores, em Santos”, publicou o jornal eletrônico Diário do Litoral na última segunda-feira. “Agora, é o bairro de Conceiçãozinha, em Vicente de Carvalho, distrito de Guarujá, que está sofrendo com a falta de água”, continuou o veículo. “Um detalhe: pós privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp)”, denunciou o veículo.

Outro “marco” da Sabesp, um ano após sua privatização, foi o escandaloso despejo de esgoto não tratado no rio Tietê, revelado no final de junho de 2025. O incidente ocorreu após o rompimento de uma tubulação em uma obra da empresa na zona norte de São Paulo, responsável por transportar esgoto à Estação de Tratamento de Barueri. Como medida emergencial, a companhia desviou os dejetos para o Córrego Mandaqui, que deságua diretamente no Tietê, resultando no lançamento diário de cerca de 216 milhões de litros de esgoto — o equivalente a 86 piscinas olímpicas. O episódio gerou forte repercussão e reacendeu críticas à gestão da empresa e aos impactos da privatização sobre os serviços de saneamento básico.

Devido à recusa da Sabesp em conceder entrevista à imprensa sobre o episódio, quem se pronunciou foi o governador Tarcísio de Freitas, assumindo, na prática, o papel de porta-voz da companhia agora privatizada. “É um efeito colateral horrível, mas que está se procurando resolver”, limitou-se a dizer o governador bolsonarista.

A privatização da empresa de saneamento foi conduzida por Tarcísio e concluída em julho do ano passado, apesar da forte resistência de sindicatos, movimentos sociais e especialistas do setor. Durante o processo, a Equatorial Energia — empresa frequentemente criticada pela má qualidade dos serviços prestados em outros estados — tornou-se investidora de referência ao adquirir 15% das ações da companhia, o que gerou preocupação adicional quanto ao futuro da gestão e à garantia dos serviços de saneamento sob controle privado.

JOSI SOUSA

Fonte: https://horadopovo.com.br/um-ano-apos-a-privatizacao-da-sabesp-vazamentos-poluicao-tarifas-em-alta-e-lucros-recordes/