Ator criticou projeto de regulamentação do streaming em discussão no Congresso e defende mais investimento na produção brasileira.
O ator Wagner Moura, estrela do indicado ao Oscar “O Agente Secreto”, divulgou vídeo em que faz uma dura crítica ao Projeto de Lei 8889/2017 que visa regulamentar os serviços de streamings no país. O ator destaca a importância de uma taxação adequada das plataformas e a garantia do investimento desse recurso na produção audiovisual brasileira.
“Tanto o projeto que passou pela Câmara, quanto o que passou pelo Senado são muito ruins, não só para o setor audiovisual brasileiro, da cultura, que gera emprego, renda, um setor econômico importante, como de um modo geral é ruim para o Brasil, para a autoestima, para a autonomia do país”, afirmou o ator.
O ator destacou que a taxação proposta é de 4% muito baixa para o Brasil, considerando que somos o 2º maior mercado de streamings no mundo, onde as plataformas “fazem mais dinheiro no mundo, depois apenas dos Estados Unidos”. “Para um mercado desse tamanho é uma taxação muito pequena”, disse Wagner.
“O segundo ponto mais bizarro é o fato dessas empresas poderem usar parte do dinheiro da taxação para investir em seu próprio conteúdo. Quase não entendo o que isso significa. Esse é um dinheiro que deveria estar indo para o Fundo Setorial do Audiovisual, para fomentar a produção independente brasileira”, completou.
O ator pediu que o Ministério da Cultura “entre nesse jogo defendendo a autonomia do país nessa questão e que o presidente Lula fique atento. Esse é um momento importante, não só para o setor audiovisual brasileiro, mas para a autoestima do país. Para a soberania do país”, conclui Wagner Moura..
Após a divulgação do vídeo, um manifesto com quase 500 assinaturas destacou que o processo de articulação e diálogo foi mal conduzido e que não aceita a solução do “menos pior”. A carta traz o subtítulo “Somos todos Wagner Moura”, em referêencia ao vídeo citado.
A Câmara aprovou em novembro o texto-base do PL 8.889 de 2017, que regulamenta os serviços de streaming no país. O parecer define que a regulação e a fiscalização caberá à Agência Nacional do Cinema (Ancine), exigindo credenciamento prévio das plataformas.
O projeto cria uma nova modalidade da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), cobrada de forma progressiva sobre a receita bruta anual das empresas — começando em 0% para receitas a partir de R$ 3,6 milhões e chegando ao teto de 4% acima de R$ 70 milhões.
A proposta determina, ainda, que os serviços mantenham ao menos 10% de conteúdos brasileiros no catálogo, de forma contínua, calculados sobre o total de obras audiovisuais disponíveis.
PROJETO RUIM PARA O BRASIL
Cineastas, atores, atrizes, roteiristas, produtores, distribuidores, animadores e outros profissionais do audiovisual brasileiro divulgaram um manifesto de apoio ao ator Wagner Moura. “Concordamos que estes projetos como estão, não são bons para o Brasil”, afirmam.
“Apesar dos alertas de toda a cadeia produtiva e criativa, o processo foi conduzido sem a escuta efetiva e cuidadosa dos segmentos historicamente responsáveis pela construção do cinema e da televisão no Brasil. Em conjunto, diversos ministérios envolvidos infelizmente não deram a devida prioridade ao tema. Diversas contribuições técnicas foram ignoradas, e decisões estratégicas foram tomadas sem transparência e sem a participação adequada da totalidade do setor independente — justamente o setor que sustenta a diversidade cultural, a renovação estética e a geração de empregos qualificados em todo país”, alertam as entidades que assinam o manifesto.
LEIA O MANIFESTO DA CLASSE AUDIOVISUAL A FAVOR DE WAGNER MOURA:
Os profissionais do audiovisual e entidades signatárias deste documento, que incluem roteiristas, diretores, produtoras independentes, distribuidores, animadores e diversos profissionais da cadeia do audiovisual brasileiro, vêm a público manifestar profunda preocupação com a condução e os desdobramentos do processo de formulação dos Projetos de Lei de regulamentação do streaming no Brasil, atualmente terminativo no Senado. Estamos alinhados com manifestações recentes – como as do ator Wagner Moura, da atriz Júlia Lemmertz e dos atores Paulo Betti e Antonio Pitanga. Concordamos que estes projetos como estão, não são bons para o Brasil.
Apoiamos igualmente a posição de senadores como Rogério Carvalho (PT-SE) e Humberto Costa (PT-SE), que têm denunciado na tribuna do Senado os Projetos de Lei em tramitação e a forma como fragilizam a indústria audiovisual brasileira.
Lamentamos a circulação de áudios de representantes do governo no Congresso e que vêm repercutindo amplamente nas redes que sugerem que o setor deveria aceitar passivamente qualquer forma de regulação, ainda que insuficiente, sob a justificativa de dificuldades na composição política atual do Congresso. Entretanto, em outras pautas, quando o governo do Presidente Lula se empenhou em bloco por uma causa, demonstrou capacidade de articulação e de obtenção de vitórias legislativas — inclusive neste mesmo Congresso, como no caso da ampliação da faixa de isenção para trabalhadores que recebem até cinco mil reais. Essas conquistas se deram, em grande medida, com mobilização social. Da mesma forma, o setor audiovisual não deixou de oferecer apoio para que o processo de regulamentação do streaming fosse conduzido com transparência, consistência e alinhamento aos interesses públicos, da indústria brasileira e de uma regulação justa e soberana.
É falsa a afirmação de que não há alternativas. O Senado dispõe de instrumentos regimentais, como a apresentação de destaques durante a votação, que permitem suprimir trechos problemáticos do projeto.
O Presidente Lula, por sua vez, pode exercer o direito ao veto sobre os artigos considerados inaceitáveis. Além disso, caso haja vontade política, o governo pode ainda encaminhar uma Medida Provisória que restaure dignamente uma regulação soberana.
Um processo mal conduzido pelos órgãos responsáveis.
Apesar dos alertas de toda a cadeia produtiva e criativa, o processo foi conduzido sem a escuta efetiva e cuidadosa dos segmentos historicamente responsáveis pela construção do cinema e da televisão no Brasil. Em conjunto, diversos ministérios envolvidos infelizmente não deram a devida prioridade ao tema. Diversas contribuições técnicas foram ignoradas, e decisões estratégicas foram tomadas sem transparência e sem a participação adequada da totalidade do setor independente — justamente o setor
que sustenta a diversidade cultural, a renovação estética e a geração de empregos qualificados em todo país.
O resultado é um retrocesso estrutural
Independentemente do arranjo final que venha a ser aprovado ao fim das negociações em curso, o resultado já representa um grave retrocesso em pontos cruciais. Ao permitir que 60% dos recursos públicos destinados ao audiovisual brasileiro sejam decididos por empresas estrangeiras, o país abdica de sua capacidade soberana de orientar políticas culturais de interesse nacional.
É inaceitável que empresas estrangeiras que repatriam bilhões de reais por ano para fora do Brasil passem a definir a destinação dos recursos advindos da regulação ao invés destes serem destinados ao Fundo Setorial do Audiovisual responsável por fortalecer a nossa produção, os nossos criadores e a nossa cultura.
Não podemos e não iremos celebrar o “menos pior”.
Não se pode comemorar a lógica do “menor dano possível” como se fosse uma vitória. O audiovisual brasileiro, cuja força foi historicamente construída por políticas públicas consistentes e pela inteligência criativa de milhares de profissionais, não pode aceitar que a agenda de autorregulação corporativa substitua o compromisso com o desenvolvimento cultural, social e econômico do país. Não podemos entregar a curadoria e o poder de contar as nossas histórias a um escritório estrangeiro que aprova ou reprova qual história será contada.
O papel insubstituível da produção independente
O Brasil só terá diversidade de narrativas, formação de público, inovação estética e democratização do acesso se a produção independente nacional for o eixo estruturante da política audiovisual. Qualquer desenho que esvazie o FSA e a Ancine, que fragilize a decisão pública ou concentre o poder nas plataformas estrangeiras ameaça diretamente a soberania cultural, a pluralidade artística e o futuro do ecossistema audiovisual da criação à exibição. Além de promover desigualdade, concentração de recursos em poucos atores e desestruturação dos mecanismos que já existem e são fruto de lutas históricas do setor.
Nosso compromisso
Os profissionais do audiovisual e entidades signatárias deste documento, reafirmam seu compromisso com uma regulamentação moderna, equilibrada e alinhada às melhores práticas internacionais — incluindo cotas robustas de investimento, obrigações claras de promoção de conteúdo brasileiro, governança pública e transparente do FSA.
Reiteramos: não aceitaremos um modelo que entregue a definição do audiovisual brasileiro a interesses privados estrangeiros, em detrimento do interesse público, da autonomia criativa e do desenvolvimento do país. O audiovisual brasileiro merece mais. O Brasil merece mais.
Somos Todos Wagner Moura!
Assinam as entidades:
- ABRA – Associação Brasileira de Autores Roteiristas STIV
- ABRANIMA – Associação Brasileira de Animação
- ABRACI – Associação Brasileira de Cineastas
- AEXIB – Associação dos Exibidores Brasileiros de Cinemas de Pequeno e Médio Porte
- APACI – Associação Paulista de Cineastas
- API – Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual Brasileiro
- AVIBA – Articulação Audiovisual do Interior da Bahia
- Associação do Setor Audiovisual do Sudoeste Baiano (SASB)
- SINDAV-MG – Sindicato da Indústria do Audiovisual de Minas Gerais
- Sindcine: Sindicato dos trabalhadores cinematográficos e do audiovisual de SP, RS, GO, MT, MTS, TO e DF.
- PAVIC – Pesquisadores de Audiovisual, Iconografia e Conteúdo
Fonte: https://horadopovo.com.br/wagner-moura-critica-pl-do-streaming-ruim-para-o-audiovisual-e-para-a-cultura-brasileira/
