
Na cena inicial do filme “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro” (1969), do cineasta Glauber Rocha, vemos o professor ensinando às crianças de um pequeno vilarejo, distante da cidade e perto do sertão, sobre as datas mais importantes da história nacional.
Uma delas é 1500…
Nas escolas do nosso país, todos aprendemos nas séries iniciais que, no dia 22 de abril daquele ano, Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil, com bravura e coragem para enfrentar tão longa viagem e atravessar o oceano tempestuoso, a fim de chegar em nossas terras e descobri-las. Essa ideia, que por muito tempo rondou o imaginário coletivo, é “cada vez mais questionada nos meios acadêmicos, entre povos indígenas e movimentos sociais. Ao usarmos o termo ‘descobrimento’, desconsideramos a existência de milhões de pessoas e centenas de povos que já habitavam o território brasileiro – muitos anos antes da presença portuguesa –, com suas próprias culturas, línguas e organizações sociais complexas”.
O trecho acima é parte da entrevista realizada com o historiador e docente das redes municipal, estadual e de cursinhos pré-vestibular, Sylvânio Aguiar Mendes. Segundo ele, mais adequado seria falar em chegada dos portugueses, ou início da colonização, pois o que houve foi o encontro (ou choque) entre dois mundos – o europeu e os povos originários – e esse encontro foi marcado por violência, dominação e exploração.
“A popularização da palavra ‘descobrimento’ tem muito a ver com a narrativa construída durante séculos para justificar a colonização como algo civilizatório, ou positivo, apagando as vozes e histórias dos povos indígenas. Hoje, muitos defendem que o 22 de abril também deve ser um momento de reflexão crítica”, explica.
A colonização no Maranhão: O que isso nos diz sobre quem somos?
Na perspectiva histórica apresentada por Sylvânio Mendes, percebemos que, embora a colonização portuguesa do Brasil tenha começado oficialmente em 1500, o Maranhão só foi efetivamente ocupado pelos portugueses a partir de 1615, mais de cem anos depois. Antes disso, outras potências europeias, como franceses e holandeses, demonstraram interesse pela região, especialmente por suas riquezas naturais e posição estratégica.
O acontecimento que motivou os portugueses a intensificarem sua presença no estado foi a tentativa francesa de fundar a França Equinocial – nome relacionado à proximidade do território com a linha do Equador. Para expulsá-los, a Coroa portuguesa organizou expedições militares e religiosas, muitas destas acompanhadas por missionários jesuítas, que tiveram papel decisivo no contato com os povos originários.
“Muito antes da chegada dos europeus, o território maranhense já era habitado por diversos povos indígenas, como os Tupinambás, Guajajaras, Canela (Ramkokamekrá e Apãniekrá), Krikati, Gavião, entre outros. Cada um desses grupos possuía formas próprias de organização social, espiritualidade, relação com a natureza e com o território. Esses povos foram diretamente impactados pela chegada dos portugueses e pelo processo de colonização que se seguiu: perda de terras, catequese forçada, violência e escravização.”, explicou Sylvânio.
As palavras contam histórias do passado que continua em tudo o que falamos
Na literatura brasileira do século XX, existe um poema icônico que demonstra as nuances e sutilezas que rondaram o primeiro contato entre portugueses e indígenas, tornando evidente como, mais do que o choque de culturas resultado da imposição colonial, aspectos históricos, sociais e linguísticos também estariam em jogo, a partir de 22 de abril de 1500. Falo do “Erro de Português” (1925), de Oswald de Andrade:
“Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.”
Para o professor, escritor e membro da Academia Maranhense de Letras, José Neres, o poema de Oswald de Andrade faz parte daquilo que esse poeta modernista chamava de poema-piada, que são poemas curtos, porém carregados de significados. Nesse poema, Oswald ironiza a colonização do Brasil pelos portugueses. Ele usa o elemento natural “chuva”, modificado pelo adjetivo intensificador “bruta”, para demonstrar que o momento não era propício para esse encontro de pessoas com concepções tão distintas sobre o modo de viver. A expressão “que pena!” marca muito bem o olhar ideológico do autor, que considera que seria melhor para o Brasil se não tivesse esse movimento de aculturação dos povos originários, mas sim uma adaptação do estrangeiro aos costumes de quem já estava aqui. É um poema que leva à reflexão e traz questionamentos sobre o processo de colonização e sobre nossas raízes.
“Somos herdeiros de muitas tradições, tanto dos nossos ancestrais originários quanto dos colonizadores europeus. De certa forma, as heranças linguísticas que recebemos são frutos de um projeto de dominação que acabou eliminando grande parte das línguas originais desta terra. Porém, as línguas são fortes e costumam resistir às invasões que lhes são impostas. Elas sobrevivem a partir de palavras que acabam se imiscuindo no vocabulário do colonizador e continuam sendo utilizadas sem que sejam percebidas e acabam enriquecendo a língua, como e o caso de ‘jacaré’, ‘carioca’, ‘paçoca’, ‘capivara’ e ‘guaraná’, por exemplo”, conta José Neres.
Em recado para os leitores, o escritor comenta a necessidade de “dar atenção a nossa literatura, aos nossos autores e a própria história de nosso povo”, como forma de “questionar nossas origens e fazer com que as novas gerações compreendam que somos uma mescla de etnias e que todos têm sua importância na construção de nossa história.”
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Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/04/22-de-abril-quem-descobriu-o-brasil/