8 de setembro de 2025
413 anos de São Luís: A cidade que construiu sua
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Há 413 anos, atracava em uma ilha na região nordeste do Brasil o explorador francês Daniel de La Touche, o Senhor de La Ravardière. Em companhia de homens armados e frades capuchinhos, da ordem Franciscana, logo se deparou com uma terra propícia para viabilizar a ocupação francesa da América Portuguesa, em um período marcado pelo desejo das coroas europeias de prospectarem metais preciosos e especiarias, sob o pretexto de missão civilizatória e religiosa.

O clima na América do Sul no século XVI e XVII era de tensão. Enquanto Portugal deixava para trás o sistema de feitorias e desenvolvia as capitanias hereditárias – meio para ocupar um grande espaço com o mínimo de recursos, com projeções geracionais –, a fim de contornar os danos causados pelo declínio da rota de especiarias do Oriente, França e Holanda também se interessavam pela terra “recém-descoberta” de proporções continentais e que poderia gerar imensurável riqueza para os cofres reais.

Foi nessa conjuntura política marcada pelo expansionismo e mercantilismo que La Touche buscou fundar, na ilha que atracara, a França Equinocial, uma colônia francesa na América, que leva esse nome pela sua proximidade com a linha do Equador.

E foi dessa vontade que, na missa fundacional, surgiu a cidade batizada como São Luís, em homenagem ao rei Luís IX, que foi canonizado (por isso o uso do “são”). Porém, outras interpretações mencionam o jovem rei Luís XIII como o monarca homenageado, visto que era ele quem chefiava a França à época.

A incerteza, contudo, não fica somente nesse campo, já que estudos mais recentes se dedicaram a questionar a real versão sobre a legitimidade de sua fundação. Para alguns, a ideia de que São Luís foi fundada por franceses parte de um movimento relativamente recente, que buscar exaltar a capital maranhense como uma cidade que, diferente do restante do País, possuiria origens “mais nobres” por sua ligação com o país europeu. Nessa leitura dos acontecimentos, a missa “fundacional” ganha caráter de mito, ou seja, de leitura encantada e romântica da realidade, buscando propor nova interpretação dos fatos.

Na obra “A fundação francesa de São Luís e seus mitos”, de Maria de Lourdes Lauande Lacroix, essa questão é aprofundada. Segundo ela, a narração sobre a fundação de São Luís buscou afastar as contribuições portuguesas para destacar a tentativa de colonização francesa, exaltando aqueles que antes eram invasores e agora eram compreendidos como fundadores.

Nesse sentido, a capital luta contra suas origens e busca moldar à força sua própria identidade e singularidade, com associações que mais desvirtuam do que compõem a imagem de uma cidade brasileira, tais como “São Luís, a única cidade fundada pelos franceses no Brasil” e “Atenas brasileira”, associações essas as quais chamamos de epítetos. De acordo com a autora, esses movimentos refletem um esforço das elites decadentes em renovarem a fatia acabada da terra por meio de aproximações com a Grécia, França e outros países.

(Foto: Reprodução)

São Luís, a cidade de mil nomes

Após o período de firmamento da coroa portuguesa no Maranhão, é possível observar um grande desenvolvimento de sua capital, principalmente no que se refere ao campo das artes, que tinha considerável ânimo e efervescência no século XIX, com o surgimento de personagens renomados que se alinharam com o desejo da sociedade de elevar a cultura maranhense ao campo nacional e internacional. Dessa ideia surgem os epítetos mencionados anteriormente.

O historiador, jornalista e doutor em sociologia política, Elthon Aragão, desenvolveu sua monografia sobre o tema e explica que esses nomes atribuídos não surgem naturalmente, mas compõem o imaginário da cidade, como resposta à necessidade de criar imagens que a diferenciassem do restante do Brasil. “Isso é o sentimento de singularidade do Ludovicense”, conta, também relembrando o título de “Atenas Brasileira”.

“Em São Luís, essas representações revelam uma forma de valorizar o espaço da cidade, que no século XIX era marcado pela influência dos filhos de empresários, pertencentes a famílias ricas, que foram estudar fora do Brasil, em Portugal principalmente. Quando eles retornaram, buscaram manter essa aura de intelectualidade manifestada nas artes, a partir de inúmeras produções literárias, que fizeram com que o Brasil enxergasse o Maranhão como berço de muitos dos melhores escritores que se tinha àquela época”, diz.

Atenas Brasileira

O professor e membro da Academia Maranhense de Letras (AML), José Neres, reforça que o título de Atenas Brasileira aparece quando se destaca “um grupo muito grande de escritores, de intelectuais, que é o chamado grupo romântico maranhense ou apenas grupo maranhense. E pela quantidade grande de autores que aparecem nesse momento, falando um português que era dito como o melhor português do Brasil”.

À época, nomes como Sotero dos Reis, Gonçalves Dias, Trajano Galvão e tantos outros estavam em evidência como referências da literatura nacional e, devido a essa contribuição, a cidade acabou recebendo essa nomeação, que faz referência à capital grega amplamente homenageada como berço de diversos pensadores.

Ao ser instigado, Neres ainda vai além do simples reconhecimento do título, ao discutir as influências positivas e negativas do epíteto.

“De um lado, para quem tem uma visão teoricamente mais tradicionalista, [o título] ajuda muito porque acaba elevando a nossa cidade a um patamar de intelectualidade que hoje talvez não seja mais tão forte e evidente, mas que deixou seus rastros. Então, neste caso, quando nós vamos verificar essa ideia da Atenas brasileira, seria positivo. Porém, também nós não podemos negar que essa visão trouxe também um certo estigma, porque durante muito tempo as pessoas ficaram tão ligadas à ideia de sermos a Atenas brasileira que isso acabou influenciando nessa falta de inovação literária que nós vivemos durante um grande período”, reflete.

Reconhecimento pela Unesco

Define-se como patrimônio cultural o conjunto de bens que expressam a identidade e memória de um grupo ou sociedade, fazendo referência às coisas que constituem um povo e que agreguem valor para a comunidade.

“Como uma herança, ele é transmitido de geração em geração, carregando consigo os conhecimentos e as tradições dos que vieram antes de nós […]”, conforme explica o Manual do Centro Histórico (2024).

Em 1997, São Luís foi oficialmente reconhecida como Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO, por reunir diversos elementos tradicionais e culturais de uma cidadela francesa marcada pela arquitetura portuguesa e pelo traçado urbano espanhol, em espaço demarcado principalmente dentro do bairro Praia Grande, por sua grande concentração de elementos históricos.

Ainda segundo o Manual, a conquista põe a região no mesmo pário que locais como Machu Picchu, Veneza, Grand Canyon e a Grande Muralha da China.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a define como uma “cidade histórica viva, pela sua própria natureza de capital, preservando a malha urbana do século XVII e seu conjunto arquitetônico original. Em toda a cidade, são cerca de quatro mil imóveis tombados: solares, sobrados, casas térreas e edificações com até quatro pavimentos”.

O Centro Histórico, por outro lado, foi tombado pelo Iphan em 1974 e inclui um total de 1.357 edificações, com imóveis de grande valor histórico que se destacam por suas fachadas, portas e janelas, azulejos e beirais dos telhados. Seus conjuntos são principalmente do século XVIII e XIX, momento em que o Maranhão participava ativamente da economia nacional e representava a quarta cidade mais próspera do País.

Dentre seus principais monumentos e espaços públicos tombados estão: Palácio dos Leões, Igreja de Nossa Senhora da Vitória (Catedral da Sé), Convento das Mercês, Igreja e Convento do Carmo, Teatro Artur Azevedo, Casa das Minas, Sambaqui do Pindai, Sítio do Físico, Fábrica Santa Amélia, Forte Santo Antônio da Barra, Praça João Francisco Lisboa, Retábulo da Igreja Nossa Senhora da Vitória, Capela das Laranjeiras, casas na Avenida Pedro II, Fonte das Pedras, Fonte do Ribeirão, Largo do Desterro, Palacete Gentil Braga, Praça Benedito Leite, Praça Gonçalves Dias, e muitos outros espaços.

Lena Carolina, superintendente estadual do Iphan, explica que o título conquistado em 1997 colocou a cidade em um patamar de visibilidade internacional, o que “amplia sua responsabilidade, mas também seu potencial de projeção cultural e turística”.

Segundo ela, o processo de reconhecimento ocorre a partir da elaboração de um dossiê técnico feito pelo Estado brasileiro, junto ao Iphan e gestores locais, para que haja a candidatura.

“São avaliados critérios que podem variar da relevância arquitetônica e urbanística à representatividade cultural, autenticidade, integridade do bem e sua capacidade de gestão e preservação. No caso de São Luís, pesou a excepcionalidade do traçado urbano e a preservação do conjunto arquitetônico de origem colonial, mas também a vitalidade cultural da cidade”, enfatiza.

Lena ainda reforça que a arquitetura luso-brasileira adaptada ao clima equatorial e o traçado urbano organizado em quadras foram essenciais para a aprovação, mas existem outros elementos igualmente importantes.

“O Centro Histórico de São Luís foi reconhecido também pela forma como expressa uma síntese de influências culturais – povos tradicionais, africanos, portugueses – que se materializam não apenas nos prédios, mas na vida cultural da cidade. O modo como a população ocupa e ressignifica esses espaços, por meio de manifestações como o Bumba meu boi, o Tambor de Crioula e tantas outras expressões, é igualmente parte do valor universal da cidade”, finaliza a superintendente.

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/09/413-anos-de-sao-luis-a-cidade-que-construiu-sua-imagem-perante-o-mundo/