O Maranhão pulsa em um ritmo ancestral e contemporâneo. Em cada canto da ilha de São Luís e pelo interior do estado, a cultura afro-maranhense se manifesta com uma força inegável, tecendo a identidade popular através de manifestações como o Bumba meu Boi e o Tambor de Crioula, e agora, ressoando na moda urbana e na economia da periferia.
Mais do que simples apresentações artísticas, esses traços culturais são ferramentas de resistência, pertencimento e memória viva de um povo que moldou a história e a arte do estado.
Bumba-meu-Boi: tradição e protagonismo comunitário
O Bumba-meu-Boi, Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, é o símbolo maior da efervescência cultural maranhense. O ciclo junino se transforma em um palco de fé, arte e devoção, onde a herança africana se mistura com as narrativas indígenas e europeias para contar a lenda do boi ressuscitado.
A força dessa tradição está na base comunitária e na capacidade de envolver gerações. Paulinho, diretor do Boi Estrela da Cohab, um grupo que nasceu de uma brincadeira de quintal e hoje é um agente de transformação social, destaca a importância da representatividade. “Representar a cultura negra é resistir ao apagamento histórico e reafirmar o valor e a força do povo negro na formação cultural do Estado e do Brasil”, afirma Paulinho.
Representar a cultura negra é resistir ao apagamento histórico e reafirmar o valor e a força do povo negro na formação cultural do Estado e do Brasil
Para o Boi Estrela da Cohab, a manifestação é um símbolo de união e pertencimento, funcionando como uma escola de identidade que ensina às novas gerações o poder da coletividade e o orgulho das raízes. A transmissão de saberes ocorre nos ensaios, onde os mais velhos compartilham histórias e o significado espiritual dos gestos, garantindo que a sabedoria ancestral se mantenha viva.
Apesar da modernização, o desafio, segundo Paulinho, é manter o equilíbrio. A pressão do mercado não pode descaracterizar a alma do Bumba-meu-Boi, que reside no toque dos tambores, nos cânticos tradicionais e nos rituais de matriz africana.
Tambor de Crioula: o patrimônio atemporal
Se o Boi tem seu ápice no São João, o Tambor de Crioula é a manifestação da perenidade da cultura negra maranhense. Como define Neto de Azile, Diretor da Casa do Tambor de Crioula: “o tambor de crioula é atemporal, acontece durante o ano todo, não tem data fixa”.
O tambor de crioula é atemporal, acontece durante o ano todo, não tem data fixa
A Casa do Tambor de Crioula surge como um desejo dos próprios mestres, sendo hoje um espaço de acolhimento, resistência e promoção, enfrentando a “invisibilidade outrora clara” desses grupos e fortalecendo o sentido de pertencimento. Reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil em 2007, a prática, que tem sua raiz na dança dos escravizados, é um ato de resistência que desafia o tempo. No entanto, o reconhecimento institucional não veio sem mudanças. A necessidade de “agradar o mercado” e compor a grade de apresentações turísticas impôs a padronização das indumentárias e a uniformização.
Outra adaptação necessária foi na confecção dos instrumentos, que, por serem tradicionalmente feitos de madeira morta retirada das matas, tiveram que ser ajustados devido à legislação ambiental e à necessidade de deslocamento para apresentações. “Ela resiste a essas mudanças”, destaca Neto de Azile, referindo-se à sua capacidade de manter a essência apesar das transformações.

Cultura na estética urbana
A potência da cultura afro-maranhense não se restringe aos espaços formais de folguedo. Ela se expande para a cena urbana, onde empreendedores negros usam a arte e a moda como novas formas de resistência e afirmação de identidade.
Erick Freitas, criador da marca Quebrada, traduz essa força para a estética do vestuário, transformando a moda em um ato político de pertencimento para a população periférica. “Eu vim sim para trazer exatamente isso, um pertencimento, uma coisa nossa. O objetivo é fazer com que as pessoas sintam-se representadas”, explica Erick.

Eu vim sim para trazer exatamente isso, um pertencimento, uma coisa nossa. O objetivo é fazer com que as pessoas sintam-se representadas
Para o empresário, a marca é uma ferramenta para dar voz a um público frequentemente esquecido pelas grandes corporações, e o ato de vestir a Quebrada é uma reafirmação de origem e identidade.
“A quebrada é mais que uma marca, ela é um ato político, é um ato de resistência”, pontua Erick Freitas, que vê no seu trabalho um meio de quebrar paradigmas e preconceitos enraizados, inclusive dentro das próprias comunidades.
A quebrada é mais que uma marca, ela é um ato político, é um ato de resistência
Além da moda, a iniciativa de Erick atua como um movimento social e cultural, promovendo eventos remunerados para artistas locais que não têm visibilidade, e patrocinando equipes esportivas da periferia, fortalecendo a comunidade de forma transversal.
Uma herança viva e plural
As manifestações tradicionais, como o Bumba-meu-Boi e o Tambor de Crioula, e as expressões contemporâneas, como o movimento da moda periférica, demonstram que a cultura afro-maranhense é um pilar vivo, dinâmico e essencial para a identidade do estado.
As falas dos entrevistados convergem ao apontar que o Maranhão já avançou no reconhecimento desse acervo, mas que ainda há um longo caminho a percorrer em termos de investimento e valorização plena de toda a sua herança, seja nas tradicionais batidas de tambor ou na moda das ruas.
O desafio atual é garantir que as políticas públicas sejam suficientes para valorizar o saber ancestral e a nova produção cultural sem que a pressão comercial descaracterize a essência das manifestações, assegurando que o povo negro continue sendo o protagonista e o guardião dessa inestimável riqueza cultural.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/11/a-potencia-da-cultura-afro-maranhense/
