25 de agosto de 2025
Agronegócio avança em florestas de babaçu
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As vésperas da COP30, encontro climático que terá o Brasil como anfitrião em 2025, o país enfrenta uma contradição que ameaça sua credibilidade internacional: enquanto busca protagonismo nas discussões globais sobre meio ambiente, segue permitindo — e até incentivando — a expansão do agronegócio financiado por capital estrangeiro em territórios que pertencem historicamente a povos e comunidades tradicionais. Essa engrenagem, segundo relatório recém-divulgado pela ActionAid Brasil, tem devastado biomas como o Cerrado e colocado em risco modos de vida centenários, como o das quebradeiras de coco babaçu.

O estudo, intitulado “Desmatamento financiado: Quebradeiras de Coco na Mira do Agronegócio Global”, mostra como multinacionais especializadas na compra, venda e exportação de commodities agrícolas — as chamadas tradings — têm se expandido com apoio de bancos internacionais e causado impactos profundos em regiões como o MATOPIBA, território que engloba Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. O relatório dá destaque às ameaças sofridas pelas quebradeiras de coco, que vão desde intimidações territoriais até ataques químicos sistemáticos ao solo nos últimos três anos.

Um dos exemplos citados é a relação entre o HSBC e a Cargill, maior empresa de capital fechado do mundo, que, de acordo com a ActionAid, desempenha papel central na consolidação do modelo agroexportador no Brasil. A conexão entre o financiamento estrangeiro e a degradação ambiental é direta, alerta a organização.

“O Estado brasileiro tem incentivado fortemente a expansão do agronegócio no MATOPIBA, numa lógica de ocupação que escancara nossas portas para a financeirização da terra e entrega nossos territórios ao capital estrangeiro. Mas esse sistema não distribui riqueza, não alimenta, não combate a fome. Pelo contrário: o que vemos é a substituição de áreas nativas por monoculturas, o avanço do desmatamento e a violação do direito à sobrevivência das comunidades locais. Trata-se de uma engrenagem que concentra lucros nas mãos de poucos e amplia desigualdades”, afirma Junior Aleixo, coordenador de Políticas e Programas da ActionAid Brasil.

Cerrado maranhense e brasileiro em risco

Segundo dados do MapBiomas, só em 2023 o Cerrado foi responsável por 61% de todo o desmatamento registrado no Brasil — grande parte provocado pela expansão agrícola. O uso de agrotóxicos, denuncia a ActionAid, tem sido utilizado como arma de expulsão contra comunidades tradicionais. Em Timbiras, no Maranhão, agricultores familiares relataram perda de até 70% da produção em 2024, além da contaminação de árvores frutíferas, babaçuais e igarapés, comprometendo a segurança alimentar e o acesso à água de pelo menos 120 famílias.

Créditos: Amanda Moncou/ActionAid

Essas práticas revelam, segundo o relatório, uma estratégia progressiva de desmatamento, que ataca não apenas as florestas, mas a própria permanência de populações tradicionais em seus territórios.

O agro e a crise climática

O documento insere esses conflitos em um contexto maior: o do agravamento da crise climática. De acordo com o Observatório do Clima, em 2022 o desmatamento foi responsável por 48% das emissões brutas de gases de efeito estufa no país, enquanto a agropecuária respondeu por 27%. A equação é clara: o agronegócio exportador, que sustenta boa parte da balança comercial brasileira, também alimenta a crise climática.

Por isso, o estudo integra a campanha global Fund our Future, que pressiona bancos e investidores a retirar recursos de setores que ampliam desigualdades e aquecem o planeta.

“A partir do início dos anos 2000, existe um cenário internacional propício para investimentos na expansão do agronegócio na produção de grãos em commodities. Desde então, instituições financeiras integradas às grandes tradings agrícolas internacionais constroem um monopólio de influências, por exemplo, sobre sistemas agroalimentares, sobre políticas públicas relacionadas à mudança do clima e sobre as narrativas do impacto do agronegócio globalizado nos países em que elas atuam”, analisa Aleixo.

Vozes da resistência

Entre as principais atingidas pela expansão agrícola no MATOPIBA estão as quebradeiras de coco babaçu, mulheres que mantêm há gerações o extrativismo como forma de subsistência e proteção da sociobiodiversidade. Para Maria Alaídes, coordenadora geral do Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), a presença de grandes produtores representa uma ameaça direta ao modo de vida dessas comunidades.

“O agronegócio promove o desmatamento desordenado e impacta a natureza, as águas e nossos corpos. Adoecemos ao consumir água poluída. Nossa agricultura é atingida pela pulverização aérea de agrotóxicos. Em Lago do Junco, ele está chegando com força impondo monoculturas de soja, milho e algodão, sem respeito ao nosso modelo de cultivo sem veneno e sem mecanização pesada. Além disso, concentra o capital em poucas mãos, uma riqueza que não é circulada nem distribuída no município onde é implantada”, denuncia a liderança.

O movimento, fundado em 1991, já apresentou mais de dez projetos de lei a diferentes legislativos. Hoje, ao menos 18 leis municipais e duas estaduais garantem algum nível de proteção às quebradeiras, além de outros cinco projetos em tramitação.

Agroecologia como alternativa

A ActionAid defende que os recursos públicos sejam direcionados para práticas sustentáveis, como a agroecologia, que conciliam geração de renda com preservação ambiental.

“Uma Transição Justa de verdade precisa colocar em evidência as práticas agroecológicas. Isso precisa entrar de vez na agenda da COP30 e nas políticas do governo brasileiro. O que a gente propõe é que esses processos que já existem em vários territórios possam ser legitimados e demonstrados não só como alternativas, mas como imperativos”, conclui Aleixo.

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/08/agronegocio-avanca-em-florestas-de-babacu/