
Na capital, o bairro São Francisco está mais parado. Os carros transitam e as pessoas caminham como de costume, mas o movimento certamente não é o mesmo. Da ponte, é possível ver as ondas fazendo a mesma melodia de sempre, em um vaivém ritmado, mas falta algo. Para descobrir o que há de errado, é preciso andar um pouco e chegar à tradicional avenida Ferreira Gullar. Lá, o silêncio tomou conta de tudo, pois não há mais a batucada de bamba, a cadência bonita do Samba da Tamarineira.
Criado por Olival Júnior, Handerson Moura e Marquinhos Carcará, o projeto iniciado em frente à casa de Olival se tornou um dos maiores redutos da boemia para aqueles que apreciam o estilo. Suas primeiras edições foram logo após a pandemia de covid-19, momento propício para agitar a cidade após um longo período de calmaria cultural.
Realizado mensalmente, o Samba que começou pequeno já chegou a reunir cerca de 4 mil pessoas em uma única noite, sempre com respaldo das licenças e autorizações que os músicos insistiam em possuir. Sem elas, não havia show. Contudo, devido a suas grandes proporções de público, a avenida ficava intrafegável durante a realização do evento, o que resultou no veto do Ministério Público do Maranhão (MPMA) que proibiu a emissão de licenças para o grupo.
Em reuniões, os músicos foram orientados a buscarem outro local mais adequado. Sendo assim, encontraram a Praça e Porto da Ponta do São Francisco, que também já foi sede de outras apresentações de mesmo gênero. Entretanto, o evento foi novamente embargado, desta vez pela Delegacia de Costumes.
Para Olival, o Samba da Tamarineira tornou-se um evento que passou a beneficiar centenas de moradores e o comércio local, com mais de 60 vendedores ambulantes cadastrados.
“Nós movimentávamos o bairro inteiro, contratávamos inúmeras pessoas para trabalhar no evento. Muita gente ganhava com isso. Em um bairro que não tem um entretenimento de qualidade, sempre que precisamos, temos que recorrer a outros bairros pra buscar uma diversão legal. E hoje, pra realizar as nossas edições, estamos recorrendo a lugares privados, em outros bairros”, afirma.
Os Filhos da Fonte foram desabrigados
Outro caso similar é o do grupo de samba Filhos da Fonte, que se originou quando os músicos do Laborarte, logo após os ensaios, iam desfrutar do espaço público da Fonte do Ribeirão enquanto tocavam juntos. O que de início era brincadeira e descontração foi crescendo até que ganhasse o coração dos ludovicenses, que se reuniam para apreciar os sucessos do gênero que marcaram época no Brasil e no Maranhão. Os instrumentos que antes faziam um som tímido construíram um verdadeiro movimento cultural nas noites de quinta-feira, no Centro da cidade.
O músico integrante do grupo Hugo Reis revela que o local foi escolhido pois a Fonte à época era um local abandonado, apesar de sua beleza, o que despertou o interesse de, além de realizarem manifestações culturais, também realizarem a limpeza e preservação do espaço.
“O samba se tornou ali um ponto de encontro e, posteriormente, um ponto também de renda. Nós fazíamos de forma despretensiosa, não cobrávamos cachê para ninguém, até porque era uma reunião nossa. O pessoal doava quanto podia doar e a gente usava aquele cachê, muitas vezes, para voltar para casa, para comprar alguma bebida, para pagar moradores de rua para fazerem a limpeza fonte junto com a gente. Às vezes até os próprios ambulantes se juntavam ali”, relembra.
Mas tudo mudou quando, em junho de 2023, ocorreu a instalação da nova sede do Ministério Público, em frente à Fonte do Ribeirão. Em diálogos com o grupo, os músicos afirmaram que foram instruídos a mudarem o local de realização do samba, pela proximidade com o prédio recém-inaugurado e pela grande quantidade de pessoas que os shows reuniam.
Reis explica que encontrou dificuldade em prosseguir com o projeto depois do ocorrido, optando por despedir-se do samba, após mais de uma década de realização.
Na publicação de despedida, veiculada à página do Instagram do grupo, em agosto de 2023, o anúncio causou comoção: “Muito triste isso tudo, um evento incrível que junta todas as classes e ajuda na economia local sendo parado […]. Colecionei momentos únicos ali e onde vcs (sic) forem eu vou! Como diz a música né, não deixa o samba morrer, não deixa o samba acabar!”, disse um internauta.
O uso do espaço público, segundo as autoridades
A Polícia Civil do Maranhão, por meio da Delegacia de Costumes, informa que esses impedimentos ocorrem geralmente por causa de reclamações apresentadas por moradores, o que resulta na mudança de local para a realização do evento previamente anunciado. Porém, ressalta-se que em casos como esses é necessário realizar alguns ajustes na forma de execução da festa, para que o evento possa ser promovido normalmente. A delegacia especializada solicita ainda que organizadores de festas procurem o distrito policial para receberem maiores esclarecimentos e orientações quanto às medidas necessárias.
Já a Lei municipal Nº 7.369 de 2023 informa que shows musicais realizados em espaços abertos podem estender-se até às duas horas da manhã, em dias de semana, e até três horas da manhã em finais de semana e feriados.
Ao mesmo tempo, a Lei municipal Nº 7.031 de 2022 explica que atividades culturais devem respeitar os limites de pressão sonora expostos no Anexo II da lei. Além disso, é informado que, em caso de registro de reclamação, uma série de medições devem ser realizadas para confirmar se, de fato, a intensidade do som está fora do máximo de decibéis permitido.
O Ministério Público do Maranhão, por meio do promotor de justiça Cláudio Guimarães, informa que é imprescindível o licenciamento para a realização de quaisquer tipos de eventos em locais públicos e privados. “Os produtores precisarão de licenças do Corpo de Bombeiros, da Delegacia de Costumes, Blitz Urbana, SMTT, entre outras autoridades”.
Guimarães ainda complementa dizendo que transtornos aos moradores localizados próximos aos pontos de realização de eventos são muito comuns. Para isso, os grupos que realizam shows a céu aberto devem estar atentos à Lei Estadual Nº 8.364, que prevê limite máximo de 55 decibéis durante o dia e 50 decibéis durante a noite, em regiões residenciais.
Apesar dessas explicações, é possível perceber a falta de diálogo entre os órgãos reguladores e os grupos realizadores de manifestações e atrações culturais, havendo bastante dificuldade para realizar eventos na capital maranhense.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/09/artistas-de-sao-luis-relatam-transtornos-para-realizarem-eventos-culturais-na-cidade/