
Enquanto o governo segue adiando o anúncio do pacote para socorrer as empresas exportadoras afetadas pelo tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, as negociações entre os dois países permanecem travadas. Foi o que admitiu, ontem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista à Globonews. Conforme disse, a reunião que teria amanhã com o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, foi cancelada, por conta da atuação da extrema-direita junto ao governo norte-americano.
“De novo, a militância anti-diplomática dessas forças de extrema-direita que atuam junto à Casa Branca tomaram conhecimento da minha fala. Falei em público que ia me reunir com o Bessent, na quarta-feira, e agiram junto a alguns assessores do presidente Trump. A reunião, que seria virtual, na quarta-feira, foi desmarcada e não foi remarcada até agora. Sem nova data”, lamentou Haddad.
O ministro relembrou do último encontro que teve com Bessent, em maio, depois de os EUA aplicarem uma tarifa de 10% ao Brasil e uma série de outros parceiros comerciais. Ele ressaltou que, na ocasião, a reunião com o secretário do tesouro norte-americano tinha sido proveitosa, e que desde o último dia 21 buscava uma nova interlocução com o representante do governo Trump, o que acabou não se concretizando.
Segundo o ministro, a justificativa de Bessent para o cancelamento da reunião foi falta de agenda. No entanto, Haddad acredita que Eduardo Bolsonaro teve atuação direta junto à Casa Branca para interferir no encontro. “Nós recebemos essa informação um ou dois dias depois do anúncio que eu fiz, em que o Eduardo, publicamente, deu uma entrevista na qual disse que iria inibir esse tipo de contato entre os dois governos. Não há como não relacionar uma coisa com a outra. Não há coincidência”, observou. O deputado brasileiro, porém, por meio de nota negou que tivesse agido, dessa vez, para prejudicar a abertura de canais de diálogo entre Brasil e EUA — afirmou que não manda na agenda da Casa Branca.
Haddad também criticou Tarcísio de Freitas, que fez novas críticas à condução do governo das negociações com os EUA. Para o ministro, o governador de São Paulo é “ingênuo” ao sugerir uma conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Trump nesse momento.
“Quando três ministros — Itamaraty, Desenvolvimento e Fazenda — não estão conseguindo sequer sentarem-se à mesa para dialogar, quando você encontra esse tipo de resistência em função da atuação de ‘pseudo-brasileiros’ em Washington, penso que o governador está sendo um pouco ingênuo de imaginar que esse telefonema (de Lula para Trump) é a chave de todas as portas”, alfinetou Haddad.
No Congresso Brasileiro do Agronegócio, Tarcísio voltou a cobrar de Lula que se entenda com Trump, a fim de avançar nas negociações comerciais. “É isso que vai fazer a diferença. Para que a gente mostre e traga os argumentos”, disse. O governador de São Paulo e os de oposição têm evitado criticar a intervenção de Eduardo Bolsonaro contra o Brasil a fim de não se indisporem com o ex-presidente Jair Bolsonaro, de cujos votos dependem para almejarem uma candidatura presidencial com alguma chance contra a eventual reeleição de Lula, em 2026.
Margem reduzida
Alheios às disputas políticas, os exportadores que ficaram de fora da lista de exceção do governo norte-americano seguem aguardando o pacote de socorro do governo, o que mostra a dificuldade da margem de manobra para anunciar medidas fiscais — como incentivos tributários ou subsídios ao crédito — é bastante reduzida. Afinal, em maio, a equipe econômica precisou anunciar um bloqueio de R$ 31 bilhões para conseguir cumprir a meta do arcabouço.
Para o economista Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria, montar esse pacote não é uma tarefa fácil, pois o governo não tem espaço fiscal para as medidas. “Ele (o pacote) é diferente do que foi feito na pandemia da covid-19, que tinha um prazo para acabar e, agora, a tarifa dos EUA é permanente, pelo menos, até o fim do governo de Donald Trump”, destacou.
Na avaliação do ex-ministro, o governo precisará solicitar ao Congresso um crédito extraordinário — que implica a permissão para a emissão de títulos da dívida pública para gerar recursos voltados ao pacote e permitir que esse novo gasto fique fora do cômputo das despesas que entram na conta do arcabouço fiscal. Mas isso não evitará o aumento da dívida pública bruta, que deverá encerrar o ano em torno de 80% do Produto Interno (PIB) pelas projeções de analistas do mercado.
“O que não vai ser evitado com essas isenções é a marca para o desastre de uma dívida pública, que continua firme. Essas medidas, que devem ser aplicadas via crédito extraordinário, tendem a piorar o fiscal e a dívida pública, além de aumentar a velocidade com a qual o país caminha para um colapso fiscal, que tem data marcada para acontecer em 2027. Só que, agora, poderá acontecer antes, no próximo ano”, alertou Nóbrega, em entrevista ao Correio.
As expectativas em relação ao pacote não são muito grandes. Isso porque as contas públicas seguem no vermelho e o Congresso tem atuado contrariamente, ao aprovar medidas que aumentam despesas em vez de diminuí-las. Na avaliação de Maílson, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem um grau de contribuição para a crise tarifária, porque não perde oportunidade de atacar Trump com o discurso da soberania.
“O discurso da soberania não sensibiliza uma pessoa como Trump. É para o público interno, buscando alavancar popularidade, e não tem efeito prático”, explicou. Para ele, os ataques de Lula e de membros do governo ao presidente norte-americano, “só atrapalha e gera má vontade” dos EUA com o Brasil.
Nóbrega, porém, elogiou a atuação do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, tentando dialogar com os EUA. “Acho que poderia até ser pior sem o Alckmin”, afirmou, lembrando que, no caso da Embraer, a inclusão dos aviões e peças de aeronaves na lista de quase 700 isenções foi resultado de negociações da própria empresa.
O economista e consultor André Perfeito não acredita que Trump queira negociar com o Brasil porque há outras prioridades na agenda do presidente norte-americano. “O governo dos EUA precisa diminuir o deficit em transações correntes que, em 2024, foi de US$ 1,2 trilhão, o que representa metade do PIB do Brasil. Por mais que queiramos acreditar que haja certa margem de manobra — e há; temos que negociar terras raras a preço de ouro —, temos que ter em mente que não há hipótese de voltarmos para o antigo equilíbrio externo dos Estados Unidos”, sentenciou.
Fonte: * Correio Braziliense
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/08/canal-de-dialogo-entre-brasil-e-eua-sobre-o-tarifaco-e-interditado/