4 de maio de 2025
Na Netflix: Casa de Areia, o filme que fez a
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A alma de cada pessoa é como o fluxo de um rio, em que mistérios correm de diferentes mudanças. Os mais inofensivos, que indicam segredos que todos ao seu redor já entendem, juntam-se para flutuar na superfície, omitindo os detalhes dignos da curiosidade, da admiração e do escândalo das pessoas, que, naturalmente possuem próprios monstros e tesouros para manter a salvo do apetite alheio.

No fundo de cada um de nós, vive uma criatura criada a nossa imagem e semelhança, que não a conhecemos de maneira certa e contra a qual podemos pouco, desafiando-nos com suas provocações — um pensamento que pulsa em “Casa de Areia”. Andrucha Waddington pinta um quadro à Edvard Munch (1863-1944), mas ressaltando, ao contrário do norueguês, a luz que continua presente na escuridão. Em parceria com os corroteiristas, o também produtor Luiz Carlos Barreto e Elena Soarez, Waddington contam uma trama sofisticada sobre tristezas de campos os mais diversos, que materializam-se num cenário estranho e magnético. 

Os personagens de “Casa de Areia” sentem a solidão por porto seguro. A vontade atávica, instintiva e ancestral do isolamento e da fuga chegam as raias da obsessão, ignorando os sentimentos de dor que continuam a pulsar mesmo após o caos da vida arrefecer, eles são surpreendidos pelo torpor do cansaço e a graça do sono, revivendo um passado que teima em ser presente, sem a promessa da recompensa. Maria e Áurea ocupam esse espaço, que a amplitude dos Lençóis Maranhenses torna mais bucólico e infernal, talvez esperando que as nuvens caiam sobre elas de uma vez por todas.

Waddington volta anos para capturar o momento exato em que Áurea e o marido, o português Vasco de Sá, infiltram-se naquela aldeia fantasma, enquanto outros da caravana morrem ou acham um pretexto para seguir em frente. Essa é uma história de mulheres, e Fernanda Montenegro e Fernanda Torres revezam-se nos papéis de Maria e Áurea, na velha brincadeira metalinguística que vêm fazendo ao longo da carreira. Torres é a Maria de quarenta e poucos anos, ao passo que Montenegro torna-se a Áurea vetusta e já calejada, mas que ainda tem forças para sonhar com uma outra vida.  

As elipses de Waddington surtem o efeito de hipnose, que a fotografia de Ricardo Della Rosa (1968-2015) destaca ao sempre realçar o areal indômito que engole as choupanas, também devoradas pelo sol matador que fustiga as duas protagonistas. O elenco de peso ancorado por Stênio Garcia e Emiliano Queiroz (1936-2024) e participações cheias de afeto como as do músico Luiz Melodia (1951-2017) e a do cineasta Ruy Guerra na pele de Vasco acabam por perder-se num conto sobre a autodestruição de duas almas que só têm uma a outra e que endureceram a tal ponto que não são mais capazes de suportar um terceiro elemento em suas jornadas. Por mais que elas não admitem.

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Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/05/casa-de-areia-a-obra-cinematografica-que-fez-a-critica-redescobrir-fernanda-torres/