30 de abril de 2025
Geminiana e Seus Filhos resgata vozes silenciadas do “Crime da
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“Geminiana e seus filhos: escravidão, maternidade e morte no Brasil do século XIX” revisita o Crime da Baronesa. Nesta obra, escrita pelo professor da UFMA Alexandre Isidio em parceria com a professora da USP Maria Helena Machado, busca-se resgatar personagens centrais no processo judicial e que até então foram negligenciados nos registros históricos.

O Crime da Baronesa de Grajaú, ou Caso Inocêncio, como ficou conhecido na época em que aconteceu, em 1876, envolveu Ana Rosa Viana Ribeiro, acusada de torturar até à morte o menino Inocêncio, de 8 anos, e seu irmão, Jacintho, de 6 anos, ambos escravizados no “Solar do Barão” — hoje o prédio do Museu Histórico e Artístico do Maranhão (MHAM), na Rua do Sol, no Centro Histórico de São Luís. Apesar da comoção pública e do extenso processo criminal, a baronesa de Grajaú passou apenas 13 dias na cadeia e nunca foi condenada.

O grande trunfo de “Geminiana e seus filhos” é focar a narrativa na trajetória de resistência e coragem da mãe e da avó dos meninos, Geminiana e Simplícia, que testemunharam no interrogatório do caso, a partir do qual foi possível a reconstituição.

Vozes antes invisíveis

Vendedora de tabuleiro, Geminiana vendia frutas e quitandas nas ruas de São Luís quando avistou um velório nas imediações do casarão. Em depoimento, ela relatou ter encontrado o caixão do filho Inocêncio trancado por um cadeado e, ao protestar para abri-lo, constatou as marcas da crueldade. Esse testemunho foi crucial para revelar não apenas a violência física, mas também a indignidade imposta a mães negras libertas sob o regime escravocrata, antes da Lei do Ventre Livre. O exame de corpo de delito da vítima constatou graves sinais de tortura, marcas de queimaduras e areia no organismo da criança. Geminiana já havia perdido seu outro filho, Jacintho, para os maus-tratos causados pela então futura baronesa.

Já aos 60 anos, Simplícia — avó de Inocêncio — prestou depoimento tão contundente quanto o de Geminiana. Lavadeira de família há gerações, ela confessou ter ouvido com frequência o som do chicote e os gritos vindos do casarão, o que a levou até o local em busca de notícias dos netos. Sua narrativa ajudou a traçar o percurso de torturas que culminaram na morte do menino Inocêncio, ampliando a compreensão do processo penal contra a Baronesa. Simplícia contou, ainda, que já havia denunciado as ações de Ana Rosa Ribeiro à polícia antes do ocorrido — denúncia que não foi levada a sério.

Por dentro do livro

O livro utiliza uma linha narrativa muito comum na ficção, mas o autor reforça o caráter historiográfico da obra: “Essa é uma história que conta um pouco do passado do Maranhão, um pouco do passado do Brasil, de São Luís, é uma amostra desse passado tão violento e brutal”. A obra baseia-se em processos criminais digitalizados, inventários pós-mortem e periódicos da época, estruturando uma “história social” rigorosa.
Mais do que uma nova visão sobre o crime, Geminiana e seus filhos é “um gesto de justiça histórica”: devolver à memória pública as experiências e resistências de mulheres negras que, apesar da brutalidade escravocrata, lutaram pela dignidade de seus filhos.

Integrado ao Museu Antirracista — projeto que há dois anos ocorre no prédio do MHAM, onde aconteceram as torturas e mortes das crianças — o livro dialoga com a transformação do local em espaço de denúncia. O jardim do “Solar do Barão” foi renomeado “Jardim Inocêncio” em homenagem ao menino. Sobre essa iniciativa, Isidio ressalta: “O museu é uma das maiores arenas da nossa cultura. Quando nós cruzamos esse papel educativo com o engajamento da luta antirracista, isso se torna ainda mais potente.”

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/04/geminiana-e-seus-filhos-resgata-vozes-silenciadas-do-crime-da-baronesa/