
Há homens que, mesmo depois de partirem, permanecem vivos em suas palavras e obras. Josué Montello é um deles. Filho ilustre de São Luís, nascido em 21 de agosto de 1917, desde cedo, descobriu que sua vocação não estaria no balcão da sapataria do pai, na Rua dos Remédios, mas no território mágico dos livros e da literatura.
Conta-se que, certa vez, enquanto lia Dom Quixote, não percebeu o furto de dezesseis pares de sapatos expostos na loja. O episódio é revelador: muito jovem, Montello se tornou um ávido leitor, predestinado a voos mais altos e à realização de seus sonhos de escritor. O menino tímido, criado sob a disciplina evangelizadora dos pais e embalado pela ternura da irmã Elizabeth, transformou-se no escritor que levaria o Maranhão para o mundo.
Aos 15 anos, muito precocemente fundou o periódico “a Mocidade”e integrou a sociedade literária cenáculo Graça Aranha que reunia novos escritores maranhenses. Aos 19 anos, deixou o estado natal em busca de horizontes mais amplos. No Rio de Janeiro, destacou-se com crônicas, romances, literatura infantil, ensaios e seus diários, convivendo com grandes nomes da literatura brasileira, como Jorge Amado, Viriato Corrêa, Raquel de Queiroz, Graciliano Ramos, Peregrino Junior, José Lins do Rêgo e Manuel Bandeira.
Embora tenha vivido apenas os primeiros dezoito anos em sua terra natal, São Luís nunca deixou de habitar as páginas de suas obras. De seus vinte e seis romances, quinze são ambientados no Maranhão, e três deles — Cais da Sagração, Noite sobre Alcântara e Os Tambores de São Luís — atravessaram fronteiras, traduzidos para o francês, o alemão, o inglês e o sueco.
Em todas essas obras, pulsa a memória do povo maranhense, a denúncia das injustiças da escravidão, a celebração da cultura local e o amor às suas origens. Retratou, com rara sensibilidade, a beleza das ruas, dos becos e casarios de São Luís. Como ele mesmo dizia: “O romance maranhense é a forma de regresso à província. Eu escrevo meus romances com saudades do Maranhão. Essa saudade que tem sido a inspiração, a norteadora, a motivação fundamental de minhas obras, essencialmente maranhense. Pertenço à gente maranhense e ao meu chão natal, como se todas as minhas raízes mergulhassem na Ilha de São Luís, em cujas praias ouvi o ruído do mar que sempre me acompanhou” e completava “Saí de São Luís exatamente para sentir saudade”.
Montello foi jornalista, educador, acadêmico e escritor prolífico — autor de mais de 160 títulos. Além da sua profícua produção literária, teve uma trajetória notável como servidor e educador, exercendo relevantes cargos e funções de representatividade nacional e internacional: foi embaixador, diretor da Biblioteca Nacional, fundador do Museu da República, reitor da UFMA, presidente do Conselho Federal de Cultura, criou o Museu Histórico e Artístico do Maranhão, subchefe da Casa Civil do presidente Juscelino Kubitschek, adido cultural em Paris e embaixador do Brasil na UNESCO, onde idealizou o projeto que levou São Luís e Brasília a receberem o título de Patrimônio da Humanidade e Patrimônio Cultural Moderno da Humanidade, respectivamente. Também foi colaborador assíduo da Revista Manchete e articulista semanal do Jornal do Brasil por 38 anos ininterruptos. Por onde passou, deixou marcas de organização, erudição e sensibilidade.
Josué Montello era, definitivamente, um escritor por vocação. Quando olhamos para a extensão de sua produção literária, logo compreendemos por que sua biografia poderia ser resumida , como ele queria , no conto de uma linha de Paul Valéry: “Era uma vez um escritor — que escrevia”.
Eleito para a Academia Maranhense de Letras em 1948, tornou-se, em 1954, aos 37 anos, o mais jovem imortal da Academia Brasileira de Letras, sendo o quarto ocupante da cadeira nº 29, fundada pelo também maranhense Arthur Azevedo.
Lembro-me, ainda jovem estudante do Colégio Marista, de uma conversa com ele junto à Fonte do Ribeirão, na primeira sede da Casa de Cultura Josué Montello. Falava com simplicidade sobre sua paixão pela literatura, revelando-me uma curiosidade: dormia três horas por noite, acordava todos os dias às quatro da madrugada, aproveitando as insônias para escrever suas crônicas, diários e romances.
Josué Montello soube usar as palavras não apenas para contar histórias, mas para aproximar pessoas. Em seu discurso de inauguração da Casa de Cultura que levou o seu nome, disse: “Não estou dando este acervo, estou emprestando. Na verdade, meus livros, minhas condecorações, meus diplomas, meus troféus, eu os conquistei, dia a dia, porfiadamente, não por mim, mas para o Maranhão”.
Esse gesto nobre do escritor maranhense foi uma declaração de amor à sua província, ratificada em uma de suas reminiscências extraída de seus diários: “Quando adolescente, em São Luís, vivíamos a angústia de querer ler e estudar, sem que houvesse os livros indispensáveis em nossa biblioteca pública. Esses livros passam a ser encontrados, agora, na casa de Cultura Josué Montello, para leitura e consulta ali mesmo”. Minha intenção é que esta casa de cultura seja o local de altos debates intelectuais, com a presença de mestres para pequenos grupos, trabalhos de seminários, simpósios, cursos e atos comemorativos”.
No último 14 de outubro, ao assumir a cadeira nº 11 da Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares (AMCLAM), tive a honra de proferir o elogio ao patrono Josué Montello — homem das letras e da cultura. Confesso que senti o peso e a alegria da missão.
Eu, humilde filho do sertão de Loreto, herdei a responsabilidade de manter viva a memória desse gigante das letras. Não para repeti-la, mas para garantir que continue iluminando os caminhos de novos leitores e escritores.
Josué Montello partiu em 15 de março de 2006, aos 88 anos, mas sua presença permanece viva por meio de suas obras que são imortais. Sua literatura é espelho e farol. Como ele mesmo registrou em seus Diários: “Um autor morto revive, com sua sensibilidade e seu pensamento, sempre que tem uma de suas obras publicada. Nesses casos, a leitura é, de fato, uma ressurreição.” Essa é a essência de sua imortalidade: a obra que renasce em cada leitor.
Seu nome permanece, como o som dos tambores que ecoam por São Luís, lembrando-nos que a leitura é o caminho mais belo para a eternidade.
A Josué Montello, nossa eterna gratidão e nossa homenagem mais sincera. Que seu legado continue a iluminar os caminhos da literatura e da cultura, mantendo viva a memória desse ilustre filho do Maranhão.
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Fonte: https://oimparcial.com.br/brasil/2025/10/josue-montello-entre-a-saudade-e-a-eternidade/