Por décadas, o movimento negro no Maranhão tem sido um pilar de resistência, memória e luta por igualdade. Desde os anos 1980, quando as primeiras organizações se fortaleceram no estado, a busca por direitos e representatividade tem ganhado novas dimensões, unindo comunidades quilombolas e povos de terreiro em uma causa comum: a valorização do povo preto maranhense e sua história.
Entre os nomes que testemunham e constroem essa trajetória está Biné Gomes Abinokô, gestor da Cafua das Mercês (Museu do Negro), membro do Conselho Estadual de Igualdade Racial, e ativista do movimento negro. Aos 64 anos, ele relembra o papel central do movimento negro nas últimas década. “Vejo o movimento negro no Maranhão, a partir dos anos 80, como um instrumento de luta para o povo preto, os quilombos e o povo de terreiro. Essa luta ganha força com os blocos afro, o Centro de Cultura Negra e as universidades, que iniciam a batalha por políticas públicas na educação e em outras áreas”, afirma.
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A Cafua das Mercês, localizada no Centro Histórico de São Luís, é um dos espaços mais simbólicos dessa resistência. Erguido onde funcionava o antigo mercado de escravizados, o museu hoje é um lugar de recontar histórias pelas vozes e olhares do próprio povo negro. “O museu tem o objetivo de contar a nossa história através das memórias e da ancestralidade. Nas exposições, fazemos uma viagem que conecta o passado africano às lutas do presente”, explica Bine.
Com mostras como Máscaras Africanas em Papel Machê, o espaço também busca “tirar da invisibilidade a história do povo negro” e mostrar as contribuições de figuras como Negro Cosme, Maria Firmina dos Reis, Mãe Andressa e Pai Jorge Babalaô, nomes fundamentais na construção cultural e espiritual do Maranhão.
Década de 1970: O início
Para Airton Ferreira, membro da coordenação geral do Centro de Cultura Negra (CCN), compreender a história do movimento negro maranhense exige olhar para o final da década de 1970, período de redemocratização do país. Foi nesse contexto que nasceu o CCN, a primeira organização formal do movimento negro no Maranhão.
“O movimento negro no estado inicia no final da década de 70 e início dos anos 80, com o processo de redemocratização. O CCN nasce com a proposta de organizar politicamente e culturalmente o povo negro no Maranhão. Ele foi essencial para denunciar o racismo e mostrar onde estávamos nessa estrutura de sociedade”, explica Ferreira.
A atuação do CCN foi determinante para mudanças profundas na cena política e cultural. A partir dele, novas entidades surgiram em diferentes regiões do estado, como Cururupu, Bacabal e Imperatriz, expandindo o alcance das pautas raciais e reforçando a identidade étnico-cultural do povo maranhense.
“O CCN contribuiu para a organização das comunidades negras rurais, hoje reconhecidas como territórios quilombolas, e inspirou outras organizações a surgirem com o mesmo compromisso. A importância do CCN para a formação étnico-racial do Maranhão é imensurável”, destaca.

O movimento negro maranhense foi protagonista de importantes mobilizações sociais, como a luta pela meia-passagem estudantil, o reconhecimento de territórios quilombolas e o enfrentamento à intolerância religiosa. Também esteve na linha de frente da defesa da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas, uma conquista que, ainda hoje, enfrenta dificuldades para se consolidar.
Ferreira reforça essa preocupação com a educação e denuncia a lentidão na implementação da lei. “Nós estamos muito longe de ter uma educação voltada para a diversidade étnico-racial. As ações são tímidas, e falta um projeto consolidado que passe pela qualificação dos profissionais e pela produção de materiais que contem a verdadeira história da população negra no Maranhão e no Brasil”.
Nós estamos muito longe de ter uma educação voltada para a diversidade étnico-racial. As ações são tímidas
Para ele, o avanço da pauta antirracista nas escolas depende de uma mudança estrutural. “Precisamos sair da lógica de tratar o mês de novembro como o único momento de falar sobre negritude. É necessário um projeto político permanente de educação antirracista”.
Bine Abinokô complementa essa análise ao apontar o racismo estrutural como o maior desafio contemporâneo. “Não temos povo preto nos espaços de decisão, no Senado, na Câmara Federal, nas Assembleias e Câmaras Municipais. Essa resistência não é fácil quando sofremos com o racismo em todos os espaços”, lamenta.
Ferreira também reconhece que a luta por representatividade política e econômica é central para o futuro do movimento. “Um dos grandes desafios é reduzir as desigualdades — social, econômica e política — e garantir a presença da população negra em todos os espaços de poder. Não podemos nos contentar apenas com secretarias específicas. Precisamos estar no Legislativo, no Judiciário, no Executivo”.
Há esperança
Apesar das dificuldades, tanto Abinokô quanto Ferreira compartilham uma visão de esperança ancorada nas novas gerações. A juventude negra, para eles, é herdeira e protagonista dessa longa história de resistência. “O futuro do povo negro está nas mãos da nossa juventude, com formação, consciência e conquista de espaços de direito em todas as esferas”, afirma Abinokô.
Ferreira complementa. “O CCN sempre trabalhou com jovens das periferias, denunciando o extermínio da juventude negra e promovendo formação política e cultural. Hoje, vemos uma nova geração de ativistas, estudantes e militantes que dão continuidade a esse legado”.
Ele também reforça a importância das comunidades tradicionais e dos povos de terreiro como pilares de sustentação. “As comunidades quilombolas e de matriz africana são espaços sagrados de resistência. São elas que mantêm viva nossa ancestralidade, nossa espiritualidade e nossa história frente ao racismo religioso e ambiental”.
No debate sobre reparação histórica, Airton Ferreira defende uma abordagem que vá além do simbólico. “A reparação precisa ser justa e real: na distribuição de renda, nas oportunidades de trabalho, na participação política. O Brasil nos deve por tudo que a escravidão e o racismo nos tiraram. Essa dívida precisa ser enfrentada”.
Entre conquistas e desafios, o movimento negro maranhense segue escrevendo sua história com firmeza, memória e esperança. Nas ruas, nas escolas e nos museus, o eco de uma luta ancestral continua ressoando, lembrando que resistir também é existir.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/11/memoria-luta-e-esperanca-a-trajetoria-do-movimento-negro-no-maranhao/
