Localizadas no Centro de São Luís, ruas como a Grande, a do Sol e a do Passeio são algumas das mais antigas e famosas da capital maranhense – pedaços da história da cidade e recebedoras de relativa atenção pública, em parte, devido a este valor.
Seria exercício de direito básico se toda outra rua, via, trecho ou travessa de São Luís fossem valorizados independente da história — cuidando-se da mobilidade urbana e, consequentemente, dos cidadãos.
Em 412 anos de desenvolvimento e crescimento, lamentavelmente, a mobilidade urbana se tornou um dos aspectos mais problemáticos, negligenciados e carentes de zelo da capital maranhense.
A começar pelo desafio dirigir por ela: fora os problemas incuráveis de infraestrutura, não é preciso, por exemplo, um acidente (como na manhã da última quarta-feira, 4) para que a Avenida Jerônimo de Albuquerque não tenha congestionamentos matutinos intensos.
E mesmo motoristas já tendo reclamações de sobra, eles são justamente a prioridade natural no desenho urbano de São Luís.
É o que constata Paulo Sá Vale, arquiteto, urbanista e Mestrando em Desenvolvimento Urbano Socioespacial e Regional pela UEMA. Ele define a capital maranhense, em sua mobilidade, como carrocêntrica — valorizando o trajeto do automóvel e hostilizando qualquer outra forma de percurso.
“É uma cultura hegemônica desde meados do século XX, com o sucateamento do transporte público — como a desativação dos bondes no centro da capital —, construção viária hostil aos pedestres e outros modais de transporte, como a bicicleta (elevados, grandes avenidas, etc.). As obras mais recentes em execução ou já concluídas em São Luís reproduzem essa cultura, dando pouco ou quase nenhum espaço para pedestres, ciclistas e para o transporte público”.
Como vítimas do carrocentrismo ludovicense, Paulo Sá Vale destaca os ciclistas.
Um deles é Matheus Henrique, que aponta falta de infraestrutura nas próprias avenidas pelas quais se arrisca — e já é acostumado a percorrer, tendo a bicicleta como meio oficial.
“A bike é um veículo frágil e encontramos buracos, asfalto deformado, bueiros sem tampa… Ruas e avenidas são alargadas e nunca há ciclofaixas nesses projetos. Algumas dessas obras removeram faixas de ciclovias”,
complementa Matheus, citando a Avenida São Luís Rei de França — onde uma obra da Prefeitura apagou a ciclofaixa.
Outra ciclista – participante de um grupo de praticantes, Leidany Sampaio Timbó relata as dificuldades no que restou para o pedal:
“Nós usávamos [a Rei de França] para pedalar, mas hoje está destruída, as calçadas estão irregulares e há carros e carrinhos de lanche no percurso”, conta.
Colega de Leidany, Vinícius Brito já teve a oportunidade de pedalar por Fortaleza, São Paulo e Paris, na França — nessas cidades, viveu uma utopia, comparado ao que percorre em São Luís.
“[Há] ciclovias nas pistas e calçadas pela cidade […] e, principalmente, maior incentivo da gestão pública pela prática do ciclismo. Em outras cidades brasileiras [como Niterói e São Paulo], há programas do setor privado em parceria com o poder público para aluguel de bicicletas por valores acessíveis”, observa Vinícius. Ele complementa que esse serviço também é ofertado em Paris.
Os carros importam menos nas cidades europeias, segundo o professor Frederico Burnett — mestre em Desenvolvimento Urbano e Doutor em Políticas Públicas —, porque, diferente daqui, por lá as cidades são mais antigas que o desenvolvimento automobilístico.
As outras urgências envolvem questões como a criação de abrigos adequados (urgência percebida por Burnett na zona rural), redutores de velocidade, calçadas, faixas de travessia de pedestres e o planejamento imediato para o meio de transporte com maior crescimento na capital maranhense, constatado até então: as motocicletas.
Segundo Burnett, nenhuma resposta da Prefeitura de São Luís foi dada até o momento — e o silêncio da gestão pública é ainda mais grave.
“Nada do que foi instituído do Plano de Mobilidade Urbana foi implantado em São Luís, desde 2017”, enfatiza o professor Frederico Burnett, em referência ao documento elaborado naquele ano, com o intuito de sanar mazelas na mobilidade urbana da capital. “O mais grave é [o Plano] começar, justamente, estipulando prioridade ao transporte público coletivo sobre o individual e aos modos de transporte não motorizados sobre os motorizados”, comenta o professor Burnett.
O que torna o trânsito de São Luís caótico?
O professor Burnett aponta o seguinte fator na história da capital maranhense:
“[Durante sua gestão] O prefeito Haroldo Tavares criou uma equipe de fora para o Planejamento Urbano de São Luís, [incluindo trechos como] Anel Viário, a ordenação da Ponta d’Areia, as avenidas. Porém, em 1975, houve mudança na gestão. A partir daí, a área entre a faixa litorânea e o Rio Anil virou alvo de loteamentos de conjuntos residenciais, que não dialogavam entre si. Calçadas estreitas significavam mais espaços para se lotear”, detalha o professor. “Sacrificou-se o espaço público em detrimento do espaço privado.”
Afinal — o que poderia resolver?
Quanto a soluções para o presente, Francisco Soares — Especialista em Gestão e Normatização do Trânsito — garante que a implantação do infame Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT) e Bus Rapid Transit (BRT) aliviaria a barra da mobilidade em São Luís.
“O VLT acabou servindo como sinônimo de oportunismo e charlatanismo político por falta de bom senso da sua equipe técnica”, lamenta Francisco. Ele também recomenda um programa de mobilidade ativa com a construção de calçadas e ciclovias com alcance de 100 km.
Ele também sugere a implantação de hidrovias:
“[Utilizaria-se] embarcações do tipo Hover Craft, que se deslocam sobre leito aquático e arenoso. Elas poderiam atender transporte ao longo do Rio Anil e nas desembocaduras dos rios Mearim e Anil. A ilha de Tauá Mirim [que fica a 20 km do Centro de São Luís] seria uma grande beneficiada com a inclusão de uma linha de transporte hidroviário municipal de Ferry Boats.”
Acessibilidade e inclusão
Outra diretriz do Plano de Mobilidade Urbana de São Luís é criar condições viárias de mobilidade e a acessibilidade para os pedestres, ciclistas e pessoas com necessidades especiais ou com restrição de mobilidade.
Pessoa com deficiência visual, Vilson Higgs sentiu melhorias recentes na pavimentação asfáltica nas ruas no entorno na sede da Associação dos Deficientes Visuais do Maranhão (Asdevima), da qual é membro.
“Mas nós ainda temos dificuldades com as calçadas e somos obrigados a dividir espaço com os carros”.
Ele denuncia ter presenciado, há pouco tempo, uma pessoa em cadeira de rodas da Asdevima se deparar com cerca de sete ônibus sem o elevador funcionando.
“Foi preciso um motorista colocá-la dentro do ônibus. Violação total de direitos humanos”.
O professor Francisco Burnett ressalta que adequações para pessoas com deficiência devem torná-las autossuficientes em sua locomoção. Vilson Higgs diz que São Luís atende esse requisito em parte.
“A cidade tem trechos em que se tem autonomia e em outros, dependência de outras pessoas [para nos conduzir]. É um paradoxo, está intercalada entre acessibilidade e inclusão”, avalia Higgs.
Similar às ciclovias limitadas, Higgs critica trechos muito curtos de acessibilidade em ruas do Centro Histórico de São Luís.
“Próximo à Câmara de Vereadores, locais de piso direcional são ocupados por motos. Na Rua da Estrela, não há um trecho acessível para se chegar à Câmara dos Vereadores”, denuncia. Vilson Higgs cita que a gestão local poderia aprender com as adequações que encontrou no Centro Histórico da Cidade do Rio de Janeiro. “Estamos falando de áreas projetadas nos séculos passados, por uma sociedade que não pensava nas pessoas com deficiência naquele momento. Só devemos passar a pensar nelas no presente. Com estudo, há como ser feito”, conclui Vilson Higgs.
O Imparcial entrou em contato com a Prefeitura de São Luís a respeito das demandas citadas nesta reportagem, sem retorno até a publicação desta matéria.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2024/09/mobilidade-urbana-em-sao-luis-desafios-e-solucoes/