1 de julho de 2025
Multiartista transforma trajetória em empreendimento criativo
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Em um país onde a criatividade é matéria-prima abundante, investir nesse segmento pode ser não só uma boa ideia, mas um caminho concreto para autonomia financeira e transformação social. Esse é o universo da economia criativa — um dos setores que mais crescem no Brasil e que vem se consolidando como uma alternativa rentável e poderosa para quem busca empreender com identidade, propósito e inovação. O mercado não gera apenas bilhões de reais por ano, mas também transforma vidas, realidades e comunidades inteiras.

Neste cenário de possibilidades, destaca-se a trajetória de Pietra D’ Ofá, também conhecida como PP Poeta Marginal. Travesti de São Luís, multiartista e educadora social há oito anos, Pietra encontrou na arte não só um meio de expressão, mas uma plataforma de resistência e geração de renda. Aos 33 anos, ela se afirma como a primeira travesti MC do Maranhão, com passagens por batalhas de poesia e hip hop que ecoam as dores e potências dos corpos invisibilizados socialmente, como o seu.

Pietra D’ Ofá sempre entendeu sua arte como ofício. Desde o início, enxergou no fazer artístico não apenas expressão, mas trabalho e construção de futuro. “A economia criativa abriu para mim o lugar de fazer parceria”, afirma ela, relembrando o processo de lançamento do seu livro “Trans tonou-se”, realizado em colaboração com o selo Lekit. “Foi nesse momento que vi esse processo profissional e construí-lo a partir do nada.”

Com o apoio de amigos, do público e de quem acreditou em seu talento, Pietra foi pavimentando o próprio nome dentro do cenário cultural do Maranhão. “Às vezes eu me apresentava sem ganhar nada. Mas tem um ditado que ‘quem não é visto não é lembrado’. E eu queria ser vista e ser lembrada pelo meu trabalho ao longo do tempo”.  Cada passo foi também uma afirmação: de que corpos dissidentes podem e devem ocupar, criar e prosperar dentro da economia criativa.

Idealizadora da @travaprodu — uma produtora voltada à valorização de artistas trans e travestis do estado — Pietra é também uma das mentes por trás do Slam Maria Firmina, o primeiro slam de poesia do Maranhão. Atuou como arte-educadora na 35ª Bienal de Artes e atualmente integra o Programa Vocacional da Secretaria de Cultura de São Paulo, onde trabalha com literatura. Arte-educadora e ex-profissional do sexo em determinados momentos de sua trajetória, Pietra D’ Ofá vem se tornando uma referência potente para pessoas trans e travestis. Mas sua atuação vai além da representatividade: é ação concreta, transformação cotidiana. Pela sua produtora, ela contrata, remunera e capacita pessoas trans, ressignificando corpos historicamente marginalizados. “É poder dar a elas um novo olhar sobre o corpo tão marginalizado, tão objetificado, tão esquecido”, afirma, consciente do impacto que sua presença provoca nos espaços que ocupa.

Referência para outras existências

Quando a PP, poeta marginal, ou a Pietra D’ Ofá sobe ao palco, conduz uma oficina ou realiza uma produção cultural, não é apenas a artista em cena — é todo um corpo político e simbólico que se inscreve ali, abrindo caminhos para outras existências. “Aquele corpo ali está sendo referência, está sendo um incentivo para diversas e diversos outros corpos estarem ali olhando como incentivo”, destaca.

Ainda assim, Pietra recusa o pedestal. Para ela, ser vista apenas como referência não basta. Seu desejo é que outras pessoas trans também floresçam e avancem. “Não quero que as pessoas me vejam só como referência, mas que me vejam como uma pessoa que inspirou outras minhas irmãs, que estão fazendo oficinas, fazendo projetos e conquistando seus espaços”. E como flecha lançada — Pietra aponta para futuros possíveis. E cada passo que dá se torna impulso para que outras sigam adiante.

Pietra D’ Ofá é múltipla — e faz questão de deixar isso claro. Em sua caminhada, duas figuras coexistem: a produtora cultural e arte-educadora envolvida em projetos sociais e rodas de diálogo, e a artista da palavra que se firma nos palcos da poesia falada. Ela mesma traça a linha que distingue suas personas, com a lucidez de quem entende que habitar diferentes espaços é também um ato de resistência e criação.

“Existe uma grande diferença entre a Pietra D’ Ofá e a PP poeta marginal”, afirma. “A PP poeta marginal nasce ali no slam e nas batalhas de rima, e a Pietra D’ Ofá nasce ali naquele local de arte educação, no lugar de produtora cultural, de arte educadora, dos espaços culturais, dentro de rodas de conversa, mesa de debate, e por aí vai.”

Essa distinção não é uma ruptura, mas uma convivência criativa entre dois lados de uma mesma trajetória. Uma dualidade que, longe de fragmentar, compõe e fortalece sua presença no mundo. “São duas pessoas totalmente distintas. E hoje eu acho que estou sendo 50% de cada uma”, diz ela, com a maturidade de quem aprendeu a honrar todas as suas faces.

Pietra é a voz que organiza e mobiliza, PP é o grito que provoca e transforma. Juntas, habitam um corpo que desafia os limites impostos e amplia as possibilidades de existência para si e para outras. Entre a cena do slam e os bastidores da cultura, entre a poesia marginal e a política do cuidado, ela se move como quem sabe que ser inteira é, muitas vezes, aprender a ser duas.

Pietra escreve e constrói sua performance poética como extensão de sua existência. A relação com a poesia começou cedo, aos 14 anos, quando ela ainda escrevia pequenos versos sobre amor e afeto. “Não que ela não fale mais de amor e afeto”, mas foi aos 17 que a virada aconteceu: conheceu a poesia marginal — e, com ela, novas formas de expressão e pertencimento. Foi nesse universo que encontrou portas abertas para outras possibilidades de existência. “Em um dos meus piores momentos e nos meus melhores momentos, a poesia estava ali do meu lado, sendo uma válvula de escape para muita coisa”, conta.

Orientação, inclusão e transformação social

O sucesso de iniciativas como a de Pietra revela que, mais do que talento, empreender na economia criativa exige orientação estratégica. Para Pietra D´ Ofá, a produção cultural sempre foi mais do que entretenimento: é também sobre acesso, inclusão e transformação social. O início dessa caminhada teve o apoio do Sebrae, que ofereceu espaço e orientação para que ela realizasse seu primeiro evento. “O Sebrae, de certa forma, contribuiu muito com o meu trabalho artístico por meio da solicitação de espaço e orientação para fazer o meu primeiro evento”, afirma.

A inquietação surgiu a partir da ausência de espaços dedicados a corpos trans e travestis em São Luís. “Eu percebi que aqui em São Luís não havia festas com trans free ou uma live com pessoas trans, ou um público com pessoas trans ou travesti para serem oportunizadas. E isso me incomodava.” Foi desse incômodo que nasceu sua produtora, com um propósito claro: ir além do bailão. “Quando eu criei a produtora eu falei: não quero fazer só festa ou bailão. Eu quero oportunidades.” O desejo tomou forma no projeto “Aqué!” — que significa “dinheiro” em iorubá — aprovado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Maranhão (Fapema), com capacitação voltada para pessoas LGBTQIAPN+, em especial trans e travestis. A formação abordou desde a elaboração de portfólios até a escrita de projetos culturais, incentivando o empreendedorismo e a inserção na economia criativa. “Ressaltamos para essas pessoas que elas podem produzir, podem ter a sua empresa e uma forma de se monetizarem nesse local que é a economia criativa. Nós temos um público!”

De acordo com o Mapeamento Sebrae de Economia Criativa do Nordeste realizado em parceria com a Impacta Nordeste entre agosto e outubro de 2020, um total de 515 negócios da economia criativa foram abertos em diversos segmentos. Desde o consumo (Publicidade, Marketing, Arquitetura, Design e  Moda), passando pelo cultura (Expressões culturais, Patrimônio e Artes, Música e Artes Visuais, Artes Cênicas), mídias (Editorial, Games e Audiovisual), até tecnologia (P&D, Biotecnologia e PID).

O levantamento mostra que 43% dos empreendedores são homens, 55% são mulheres e apenas 1% são transgêneros, revelando que a representatividade trans nesse universo escancara a desigualdade estrutural ainda presente no acesso ao empreendedorismo no Brasil. O estudo apontou também, que 47% dos empreendedores criativos investe em consumo, 25% em mídia, 63% em cultura, e 8% em tecnologia. Vale ressaltar que, a economia da cultura e das indústrias criativas (ECIC) movimentou, neste mesmo ano, mais de R$ 230 bilhões no Brasil — o que representa 3,11% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme dados do Observatório Itaú Cultural.

Quem deseja investir no setor da economia criativa no Maranhão, assim como Pietra D’ Ofá, encontra no Sebrae-MA um aliado estratégico. A instituição tem ampliado suas ações voltadas à inclusão no ambiente de negócios, com foco em empreendedores da economia criativa e de grupos historicamente marginalizados, como a população LGBTQIAPN+. A iniciativa faz parte de uma estratégia maior que busca tornar o empreendedorismo mais acessível, diverso e representativo no estado.

Segundo Reijane Goes, coordenadora do Programa Plural do Sebrae no Maranhão, esse compromisso é conduzido por meio de programas como o Plural, voltado especificamente para apoiar esses públicos. “O Sebrae-MA tem trabalhado com o compromisso de tornar o empreendedorismo cada vez mais acessível e representativo. Por meio de programas como o Plural, temos direcionado esforços para apoiar empreendedores LGBTQIAPN+ e outros grupos historicamente marginalizados, reconhecendo seus desafios específicos e promovendo um ambiente de negócios mais inclusivo”, afirmou.

Ela destaca ainda que essas ações não são apenas pautadas por valores éticos, mas por uma visão estratégica. “Acreditamos que fortalecer esses empreendedores é fortalecer a economia como um todo, gerando inovação, diversidade e impacto social positivo. Inclusão não é apenas um valor — é uma estratégia de desenvolvimento sustentável”, ressaltou a gestora, reafirmando o papel do Sebrae-MA como agente de transformação social e econômica, na promoção de oportunidades para quem ao longo do tempo foi deixado à margem dos negócios.

Já Pietra D’ Ofá não hesita em oferecer um conselho direto: “Tente, tente, tente outra vez”, fazendo eco à canção de Raul Seixas. Ela sabe, por experiência própria, que o caminho nem sempre é linear. “Às vezes a gente vai achar que não é capaz. Às vezes vamos achar que não estamos no caminho certo. Mas é bom a gente sempre se escutar. Para que a gente não venha se autossabotar”.

Com sensibilidade, ela reconhece as armadilhas emocionais que costumam acompanhar quem ousa criar e transformar. “O ser humano tem muito disso. E eu acho que eu tenho um trabalho que tem os dois lados da moeda. Um lado se chama culpa e outro perdão. A gente se culpa muito e se perdoa pouco.” Por isso, o recado é claro: “Culpe-se menos. Não se culpe por não ter tentado tanto, por não recomeçar tanto, perdoe-se por isso, por estes sentimentos. O importante é não desistir”.

A história de Pietra D’ Ofá é prova viva de que criatividade e coragem, quando bem direcionadas, podem transformar desafios em potência econômica. Em um país de artistas, inventores, narradores e inovadores, a economia criativa é mais do que um nicho: é um território fértil para quem quer construir um futuro com identidade, impacto e lucro.

Pietra segue, assim, criando espaços onde antes havia silêncio — e oportunidades onde antes havia exclusão.

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Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/06/multiartista-transforma-trajetoria-em-empreendimento-criativo/