
Diversidade, fé, intensidade e cultura: essas foram algumas das palavras que brincantes e não brincantes de boi usaram ao tentarem descrever o São João quando foram questionados. Em cada conversa, é possível perceber a pluralidade de pontos de vista que permeiam o período junino – a forma que uma família celebra essa festança, por exemplo, não é a mesma que a sua; os alimentos, que geralmente são os mesmos, não compartilham da mesma receita ou sabor; a decoração, ainda que seja da mesma natureza, não tem a mesma arrumação; e a festa, apesar de coletiva, é uma experiência individual. Ou, pelo menos, é o que se espera de uma temporada que reúne todas as quatro palavras acima, léxico afora.
O São João do Maranhão é uma festa plural. Com histórias que o permeiam e o enchem de magia, quem nasce no estado maranhense já carrega, nas veias, uma inclinação inata a compartilhar saberes místicos, lendas, cantigas, entre tantos outros patrimônios imateriais que perpetuam a cultura por meio da ancestralidade e hereditariedade. O resultado disso é uma festa tipicamente maranhense, que carrega em suas raízes influências de todos os polos do estado, cada um contando a sua narrativa. Unindo todas, surge o conjunto da festa a qual batizamos de São João.
Considera-se, no entanto, que este não é um quebra-cabeça regular, afinal, cada peça é única e se encaixa nas outras de forma autônoma – não porque foram feitas, necessariamente, umas para as outras, mas sim, porque se completam naturalmente. “Minha mãe me acordava de madrugada para ver um boi passar no bairro. Era tarde da noite, mas ela fazia questão de chamar todos os filhos para assistir.” A lembrança é da jornalista Jeane Pires, criada no bairro Tibiri, em São Luís. Ela carrega, na memória, um São João construído com afeto e respeito à cultura. A batida da matraca e do pandeirão viraram sons que anunciam junho como um marcador de calendário, mas para Jeane, nada mais remete à temporada do que o cheiro e gosto do mingau de milho.
Entre as experiências visuais, musicais, gastronômicas e performáticas, a jornalista construiu o seu próprio ritual: ouvir A música “Boi de Lágrimas”, repetir as toadas antigas do Boi de Axixá, assistir ao batizado do Boi de Maracanã e fazer a descida do Largo de São Pedro seguindo o arrastão do Boi Unidos de Santa Fé. São costumes, por exemplo, diferentes do de Ana Jeíza Gusmão, professora. Quando criança, Jeíza costumava ir à praça prestigiar os grupos de bumba meu boi, brincando e torcendo que pudesse um dia viver isso com eles. O tempo passou, e o que antes era desejo virou corpo em cena – Jeíza agora é, também, brincante de bumba meu boi e faz da dança um culto de memória, fé e pertencimento: “fico emocionada em ver a magia do São João, as pessoas felizes e as crianças encantadas com a nossa dança, com as toadas cheias de letras emocionantes”.

Ela continua “não tem coisa melhor do que poder representar a nossa cultura mundo afora e dar vida a esses personagens. Sem contar a representatividade espiritual, cantar pros santos juninos e oferecer nossa dança como agradecimento.” Jeane e Jeíza compartilham o mesmo chão junino, mas caminham por ele de maneiras distintas. Enquanto uma contempla com o olhar do público, sempre extasiada pela magia que emana do boi, a outra usa a força corporal como potência e meio de agradecimento e representatividade. Dentro da história do Maranhão, também viveram (e vivem) Almerice, Humberto, José de Jesus, Bartolomeu, e tantas outras figuras que, por vocação divina ou dádiva, doaram-se a São João, São Pedro e São Marçal, representados por narrativas que atravessam a cultura e passam a fazer parte do memorialismo maranhense.
Entre os 217 municípios do Maranhão, falar sobre as recordações relacionadas ao São João pode não parecer uma tarefa fácil, ainda assim, acontece de maneira tão espontânea como aprender a andar. Para quem vive a experiência do São João, nativos ou não, o apego sempre fica. Seja pela fé, dança, gastronomia, musicalidade, festejo, pertencimento; da Vila Palmeira ao Largo de Santo Antônio; de Alcântara a Grajaú, as preferências mudam, os sabores não são os mesmos, e as histórias balançam diferentes corações e pandeiros ao longo de todo o estado. Independentemente disso, a vontade de viver e experimentar o período junino é a mesma e, arrisca-se dizer, cresce a cada ano.
Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/06/o-sao-joao-como-festa-coletiva-e-experiencia-individual/