9 de dezembro de 2025
Obra de R$ 1 milhão em Zé Doca vira ruína
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A cinco quilômetros do município de Zé Doca, uma imponente construção entre as árvores parece estar parada no tempo. Nela a vegetação, o limo e a sujeita se misturam em uma só imagem de abandono. Nas paredes brancas, hoje cinzentas, o símbolo do Instituto Federal do Maranhão (IFMA) luta para continuar visível e respeitável, mas é questão de meses até que desapareça por completo, deixando para trás somente um monte de tijolos sem nome e sem reconhecimento.

No entanto, a história desse prédio é muito bem conhecida pelos moradores do povoado do Josias — local onde está situado — que acompanharam todo o processo de construção da obra voltada para estudantes de moda e famílias que sobreviviam do comércio de roupas e bordados na região, mas que sequer chegaram a vê-lo funcionando.

Este é o caso do Centro Vocacional Tecnológico de Josias (CVT), ou apenas Josias, criado pela Resolução nº 006, de 29 de dezembro de 2009, pelo Conselho Superior do IFMA, e assinado pelo primeiro reitor da instituição, José Ferreira Costa, o Zé Costa, nascido no povoado.

A instalação, que serviria como anexo do Campus do município, é composta por três salas de aula, dois banheiros, biblioteca, cantina, almoxarifado, auditório, dois laboratórios de Informática, três salas pedagógicas, além de dois laboratórios voltados para Química, Biologia, Física e Matemática cuja infraestrutura nunca foi usada. Ao total R$ 200.140,00 foram gastos em materiais e equipamentos pedagógicos.

O trabalho de apuração constatou que o projeto completo do CVT representou um gasto total de R$ 1.012.740,00, verba esta que partiu da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), ligada ao então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Porém, este esforço que mobilizou tantas despesas públicas não conseguiu alcançar os resultados propostos. O jornal O Imparcial recebeu a denúncia de que o prédio encontra-se atualmente em estado de abandono.

“Professores, além de um diretor, chegaram a ser contratados para assumirem o recém-construído Josias. Contudo, ele nunca abriu as portas; jamais viu um dia de aula e não pôde contribuir para a formação dos alunos”, revela uma das fontes que preferiu não se identificar.

Na investigação, foi constatado que foi realizado concurso público, permitindo a contratação de professores e técnicos, que passariam por treinamento para atuarem como instrutores de corte e costura, resultando em um gasto avaliado em R$ 22.600.

Dia após dia, as suspeitas no município só aumentam; moradores e estudantes acreditam que o prédio, que deveria servir como um centro para atender à comunidade, foi construído como mais uma vã promessa de progresso, mais uma jogada política e mais uma maneira de desviar dinheiro público. “Acredito que a construção do prédio teve fim eleitoreiro, uma jogada da então gestão do IFMA que propôs sua criação como forma de angariar votos no povoado para ganhar as eleições para a prefeitura de Zé Doca. Inclusive, acredita-se que o local no qual o CVT está situado foi doado por uma única pessoa do povoado, terreno este que fazia parte da sua fazenda”, sugerem as fontes.

O que diz o IFMA

Segundo documentos do Instituto, o terreno que sedia o Josias está localizado na BR-316, entre os terrenos dos proprietários Miguel Galvão e Herbert Pavão, e foi doado em 2009 pela prefeitura de Zé Doca — na gestão do prefeito Raimundo Nonato Sampaio — para o IFMA.
O intuito à época também era de capacitar cerca de 2 mil mulheres, por meio da produção de artesanato, vestuário e acessórios, com orientação para a comercialização. Já com os equipamentos de informática, buscava-se que os moradores do povoado pudessem ter acesso diferentes cursos de extensão, graduação e especialização por meio do ensino à distância.

Em nota, a Direção Geral do Campus Zé Doca informa:

“Ressaltamos que o CVT Josias encontra-se inoperante, tendo em vista que não há servidores lotados no Núcleo. Atualmente, o local conta apenas com contrato de vigilância armada, composto por: 01 posto diurno (12x36h, armado) e 01 posto noturno (12x36h, armado). Quanto aos serviços de manutenção, informamos que há limpeza quinzenal do prédio, realizada por equipe responsável pela higienização das áreas internas e externas. Por fim, destacamos que estão em estudo projetos de ensino que possibilitarão a futura ocupação e utilização do CVT Josias. Também está em andamento a solicitação de códigos de vagas de servidores, imprescindíveis para o funcionamento pleno do Núcleo”, enfatiza.

As reclamações persistem

Inaugurado em 1º de fevereiro de 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Campus de Zé Doca do IFMA contou com investimento de R$ 3,8 milhões e obteve um total de 584 matrículas à época. Criado a partir do diálogo entre o Instituto e a prefeitura, a cidade foi escolhida para auxiliar as famílias carentes que ali viviam, ao mesmo tempo em que poderia atender à demanda pela Educação Profissional e Tecnológica (EPT) dos municípios vizinhos, buscando assim o desenvolvimento da região. Contudo, a fachada pode enganar.

Os moradores da região contam que “o Campus está longe das condições de ensino ideais. O Josias é somente a ponte do iceberg de um emaranhado de problemas que já se arrastam há bastante tempo. A condição atual dos prédios é de sucateamento, falta de cuidados e promessas que nunca se realizaram. Porém, o mais gritante é o silêncio do IFMA, que está a par da situação mas não se mobiliza; pelo contrário, o Instituto silencia aqueles que tentam se manifestar a respeito das condições do Campus”.

Alunos do IFMA de Zé Doca visitam a obra do Josias ainda em andamento, em 16 de abril de 2012 (Foto: Reprodução)

Dentre as principais reclamações dos habitantes estão:

  • Existência de prédios inativos ou mal cuidados, dentre estes o Prédio Central do Campus;
  • Sucateamento do maior auditório da região do Alto Turi, que nunca foi inaugurado;
  • Instrumentos/materiais de laboratório danificados por falta de cuidados no manejo e armazenamento irregular;
  • Não cumprimento dos serviços de assistência médica e odontológica que seriam ofertados pela Coordenadoria de Assuntos Estudantis (CAE);
  • A Fábrica de Inovação, voltada para as atividades acadêmicas de pesquisa, nunca foi inaugurada, mesmo após receber recurso para sua montagem;
  • Falta de estrutura básica de ensino para realização das aulas, devido à interdição do Prédio Central;
  • O uso de parte do prédio destinado ao refeitório como sala de aula improvisada;
  • Alunos nunca tiveram direito à merenda escolar;

Carência de docentes

Esses são apenas alguns elementos de uma extensa lista que precisa ser avaliada para corrigir a atual situação do Campus, para que este não acabe como o Núcleo Avançado do povoado Josias: um elefante branco esquecido que descansa entre as árvores. Mas o povo de Zé Doca não pode, ou melhor… O povo de Zé Doca não quer esquecê-lo.

Professores, além de um diretor, chegaram a ser contratados para assumirem o recém-construído Josias. Contudo, ele nunca abriu as portas; jamais viu um dia de aula e não pôde contribuir para a formação dos alunos

O significado da expressão “elefante branco”

Com origens na atual Tailândia, o sentido da expressão “elefante branco” ganhou seu uso próprio no Brasil, com ironia e personalidade (Foto: Reprodução)

Na Tailândia, conhecida como Sião até 1939, esses animais são considerados sagrados, sendo amplamente adorados pelo povo, de modo que não podem ser usados para transporte ou trabalho, a fim de respeitar seu simbolismo religioso. Algumas histórias dizem que os reis de Sião, como forma de punição ou confronto, presenteavam súditos ou inimizades com um elefante branco, já que pelo seu significado não poderiam desfazer-se dele e eram obrigados a gastar grandes quantias para mantê-lo.

Nas palavras do professor gaúcho Sérgio Nogueira, “é algo grandioso, com aparência magnífica, mas que cria muitos problemas ou provoca grandes prejuízos devido ao trabalho ou despesas que dá”.

No Brasil, a expressão parece ter ganhado vida própria, referindo-se diretamente às grandes obras públicas que não cumpriram o papel ao qual estavam destinadas, como é o caso dos estádios de futebol, construídos para sediar o vasto público nas partidas da Copa do Mundo de 2014, espalhados por Brasília, Cuiabá, Natal e Manaus. No Maranhão, existem muitos casos parecidos.

Campus está longe das condições de ensino ideais. O Josias é somente a ponte do iceberg de um emaranhado de problemas que já se arrastam há bastante tempo. A condição atual dos prédios é de sucateamento, falta de cuidados e promessas que nunca se realizaram

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/12/obra-de-r-1-milhao-em-ze-doca-vira-ruina-e-simbolo-de-abandono/