28 de junho de 2025
Obra inédita de cantos sagrados do povo Awa Guajá será
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A produção de um acervo sonoro que documenta cantos rituais e cotidianos dos Awá Guajá representa um marco na valorização e preservação do patrimônio cultural desse povo de recente contato, que habita as Terras Indígenas Alto Turiaçu, Caru e Awá, além de grupos em isolamento voluntário em Araribóia, todas no Maranhão. Donos de um modo de vida muito particular e de forte ligação com a floresta, eles construíram uma obra inédita – Karawa Janaha: O Canto dos Karawara – que registra e descreve a arte vocal Awa Guajá e traduz cantos entoados na língua de caçadores celestes, os Karawara. 

No dia 13 de junho, a obra será lançada no Armazém do Campo, em São Luís, a partir das 17h, com a apresentação de 12 cantores e cantoras Awa Guajá. Simultaneamente, 99 cantos estarão disponíveis nas plataformas de streaming, como Spotify e YouTube Music.

Um aspecto interessante dos cantos (janaha) é que eles não são cantados na língua cotidiana dos Awa Guajá, mas sim na língua dos Karawara. Cada Karawara tem uma identidade própria (Makaro, Arapioxa’a, Makaratõ, Wawarakawỹ…) expressa por seu canto, sua dança e os animais que caça ou o acompanham. São seres celestes, ancestrais e caçadores perfeitos, que se comunicam com os humanos por meio do canto. 

“Não é muito comum, mas existem outros casos de indígenas da Amazônia, no Brasil, do que a gente chama de uma espécie de linguagem xamânica. Na verdade, a letra do canto não é a mesma letra do Guajá falado, é quase uma linguagem litúrgica, porque as palavras usadas nas canções são diferentes das palavras usadas na língua cotidiana”, explica o antropólogo, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e que conhece e pesquisa os Awa Guajá há quase 20 anos, Uirá Garcia. 

“É uma outra língua que nós tivemos que aprender com os Awá. O canto é uma entonação, mas o vocabulário é diferente. Eles usam técnicas vocais elaboradas e a repetição como se fossem um mantra. Então, nos rituais, a repetição, a frequência, a floresta, muitas vozes… Você pode entrar num transe induzido somente pela música”, reforça a linguista, pesquisadora e professora doutora da Universidade de Brasília, que desde 2001 estuda e descreve a língua dos Awa Guajá, Marina Magalhães. 

Karawa Janaha é fruto de um trabalho coletivo que envolveu a linguista e o antropólogo, como organizadores; os cantores Awa Guajá das Aldeias Awá, Juriti e Tiracambu; e também tradutores e ilustradores indígenas, respectivamente: Amiria, Pinawã, Mimini’ĩa, Itaxĩa, Tatuxa’a, Inajã, Warixa’a; e Arapioa, Irakaxi’ĩa, Kwarahyxa’a, Xiwikwajỹa. A publicação foi impressa em dois volumes. Ambos reúnem textos de Marina Magalhães, Uirá Garcia e do técnico de som e etno-musicólogo, que fez a gravação e masterização dos cantos, Yasuhiro Morinaga. 

Volume I traz um belo acervo fotográfico, assinado por Morinaga; enquanto o Volume II não possui o acervo fotográfico completo, mas vem com a tradução de 104 cantos para o português. Esses cantos primeiro foram traduzidos da língua dos Karawara para a língua Awa Guajá e, somente depois, do Awa Guajá para o português. A versão impressa do Volume II será destinada, principalmente, às escolas das aldeias Awa Guajá, nas Terras Indígenas Caru e Awá. Os dois volumes de Karawa Janaha – O Canto dos Karawara também estão disponíveis em arquivos PDF no site do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

Plataforma de streaming

A partir do dia 13, os cantos estarão disponíveis nas Plataformas de streaming. Será possível encontrar três perfis: Aldeia Awá, Aldeia Juriti e Aldeia Tiracambu, divididos pela origem dos cantores Awa Guajá. Cada perfil faz a sua “interpretação” do Karawa Janaha – O Canto dos Karawara. Basta pesquisar, mas, abaixo, seguem os links para Spotify e YouTube Music.

Karawa Janaha – O Canto dos Karawara 1 – no perfil da Aldeia Awá

Karawa Janaha – O Canto dos Karawara 2 – no perfil da Aldeia Juriti

Karawa Janaha – O Canto dos Karawara 3 – no perfil da Aldeia Tiracambu

Cultura e resistência

Os cantos Awá Guajá não são apenas expressões artísticas, são um modo de comunicação entre humanos, natureza e entidades conhecidas como os Karawara. Durante os rituais da takaja (ou “tocaia”), os cantores Awá transformam-se simbolicamente nesses espíritos, entoando músicas que evocam presenças sobrenaturais e ativam processos de cura, proteção e conexão com o cosmos. Os homens adentram a takaja adornados com cocares e braceletes de penas, iniciando um canto que, segundo a tradição, permite a descida dos Karawara à Terra e a subida dos cantores ao Céu.

O lançamento de Karawa Janaha representa também um ato político e de resistência. Os cantos têm sido levados a diferentes cidades brasileiras — Brasília e São Paulo, além de São Luís — como forma de autoafirmação e luta pelos direitos territoriais. Em protestos, reuniões e audiências públicas, os cantores Awá entoam os janaha para convocar os Karawara a proteger a floresta e fortalecer a voz dos indígenas.

O cantor e presidente da Associação Arari, Ytatxi Guajá, aprendeu a cantar com o pai bem antes dos 12 anos de idade. “Eu canto desde quando eu era menor. O canto é animação para essa pessoa. Nosso canto também é para o espírito, para Deus, Tupan, que tem que olhar por nós. Nossos cantos vêm da gente e toda vez que a gente vai para uma reunião, para uma manifestação, a gente se mostra o que realmente a gente é. Nossos cantos são importantes para nós, por isso que a gente canta. E nas reuniões fica registrado que o povo Awá e seus cantores ainda são resistentes”, afirma

O Canto dos Karawara é fruto de um trabalho de campo colaborativo realizado com as comunidades das aldeias Awá, Tiracambu e Juriti, no âmbito do subprograma de Fortalecimento Cultural do Plano Básico Ambiental Componente Indígena (PBA-CI), ligado ao licenciamento da Expansão da Estrada de Ferro Carajás (EFC), da empresa Vale S.A., com acompanhamento da FUNAI e do IBAMA. A implementação foi conduzida pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).

“Ao registrar e sistematizar esse acervo, os próprios Awa Guajá reafirmam o valor de sua cultura e a necessidade de sua transmissão dentro e fora das aldeias. A obra é dedicada às comunidades, que autorizaram sua circulação como parte de um esforço coletivo de preservação, ensino e diálogo intercultural”, afirma a assessora técnica do ISPN e coordenadora do subprograma de Fortalecimento Cultural do PBA-CI, Suely Cardoso. 

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/06/obra-inedita-registra-cantos-sagrados-do-povo-awa-guaja-sera-lancada-nesta-sexta-13/