25 de agosto de 2025
Salgado Maranhão: a poesia é o lugar do coração que
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Salgado Maranhão nasceu em Caxias (MA) e desde 1973 vive no Rio de Janeiro. Seus primeiros poemas foram editados na antologia Ebulição da Escrivatura (Civilização Brasileira, 1978). É autor, entre outros livros, de Aboio — ou saga do nordestino em busca da terra prometida (1984), O beijo da fera (1996) e Solo de gaveta (2005). Ganhou vários prêmios, entre os quais, o Jabuti (1999, com Mural de ventos) e o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras (2011, com A cor da palavra). Seus poemas foram traduzidos para o inglês, italiano, francês, alemão, sueco, hebraico, japonês e esperanto. Como compositor, tem gravações e parcerias com grandes nomes da MPB, como Alcione, Elba Ramalho, Dominguinhos, Paulinho da Viola, Ivan Lins e Ney Matogrosso.

O Imparcial – O poeta Manoel de Barros escreveu: “Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando”. O que é a poesia para você?

Salgado Maranhão – Para mim, a poesia é o lugar do coração que pensa. A dimensão verbal em que o inconsciente transcende a lógica primária, onde as coisas e as relações se encerram nas certezas do óbvio. A poesia nos arranca dessa letargia, dessa lerdeza da percepção e nos confronta com a alta sofisticação do espírito, onde a existência é feita de cores, detalhes, música de palavras. O poeta é o veículo desse sol misterioso, desse rio da sensibilidade emocionada. Realça, através da linguagem, aquilo que muitos sentem mais não sabem dizer. Ele é o garimpeiro que recolhe o ouro submerso do fundo da mina para a percepção de todos.

O Imparcial – O tradutor americano Alexis Levitin traduziu alguns dos seus livros nos Estados Unidos. Como é a recepção da crítica e das universidades?

Salgado Maranhão – O grande tradutor americano, Alexis Levitin (traduziu para o inglês grandes poetas da nossa língua, entre os quais, Eugênio de Andrade, Herberto Helder, Sophia de Mello Breyner Andresen, Clarice Lispector, Manuel Bandeira, entre tantos outros), publicou nos EUA cinco dos meus livros, além de poemas avulsos em mais de 60 revistas literárias, até mesmo no The New York Times. De 2012 a 2023, palestramos, a convite de mais de 100 universidades americanas, em 35 estados, interagindo com estudantes e professores em torno da minha poesia. Penetramos em espaços nobres onde nunca a poesia brasileira recente esteve, como a Biblioteca do Congresso Americano, onde sou verbete do anuário da Casa. E já temos convites para retornar.

O Imparcial – O poeta tem presença firme no mundo acadêmico americano. Como foram as palestras que você proferiu nas universidades do Texas e da Louisiana?

Salgado Maranhão – O mundo acadêmico americano é uma verdadeira riqueza de organização, beleza plástica e conhecimento. Os campi das universidades são lugares agradabilíssimos, feitos com o devido conforto e condições adequadas ao estudo em todas as áreas do saber. As bibliotecas, então, são o melhor dos mundos. Nesse tipo de universo, também a poesia é respeitosamente contemplada. Nunca fui tão bem tratado em minha vida de escritor. Em algumas universidades o próprio reitor nos recebia. Como em Dallas, na maior universidade do Texas, em que, ao me oferecerem um banquete, ninguém podia tocar na comida antes de mim. Uma etiqueta praticada nos altos padrões de civilidade. Normalmente, quando eu e meu tradutor adentrávamos a sala de conferência, quem não tinha meu livro, tinha algum rascunho da internet para discutir e fazer perguntas. Um tipo de disciplina que diferencia as escolas do “primeiro mundo” das regiões onde o conhecimento não é prioridade.

Importância nacional e internacional

O Imparcial – Alexis Levitin disse para o jornal O Globo: “Salgado Maranhão inventa palavras e não aceita regras gramaticais. Sem o poeta eu não conseguiria traduzir”. Como funciona essa parceria para a tradução?

Salgado Maranhão – Veja, o Alexis Levitin refere-se a uma característica do meu estilo, que é a criação, eventualmente, de neologismos. Sobre isso, disse Olga Savary: “Salgado Maranhão é um grande poeta e um príncipe como pessoa, a mesma elegância como ser humano está presente em sua poesia. E usa seus neologismos como muita propriedade, sem ficarem gratuitos”. Por vezes, eu uso a linguagem para fazer certas transgressões na língua, oxigenando-a, tirando-a da imobilidade do uso vulgar. Mas, tudo com critério, com respeito à norma culta. De outro modo, qualquer um poderia fazer e perder-se-ia o sentido de grandeza.

O Imparcial – Poeta, você ganhou o Prêmio Jabuti duas vezes. Também ganhou o prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Eles são importantes para ampliar o número de leitores?

Salgado Maranhão – Ganhei o Jabuti duas vezes e fiquei quatro vezes na finalíssima. E fiquei uma vez entre os cinco do Prêmio Oceanos. Também ganhei o Prêmio Pen Clube e mais um Prêmio para conclusão de obra da Biblioteca Nacional, além de mais três concedidos pela União Brasileira de Escritores. Entre estes, o Troféu Rio de Janeiro, o mais importante da instituição. Todas essas láureas só têm relevância se me aproximarem do leitor, se me ajudarem a cumprir minha missão principal, que é a de comovê-lo, de tocar o coração de quem me lê.

O Imparcial – Como você observa a poesia contemporânea brasileira? E a poesia produzida no maranhão? Há qualidade?

Salgado Maranhão – A poesia brasileira atual é bastante diversificada. Quando eu comecei a escrever, ainda na década de 1970, os novos poetas estavam emparedados entre a tradição neoparnasiana e a vanguarda concretista que conquistara hegemonia, sobretudo, no mundo acadêmico, dando as cartas do que era “o novo”. Nós, da nova geração, que estávamos chegando, não tínhamos compromissos com nenhum desses parâmetros estanques, por isso, criamos o movimento da Poesia Marginal, libertando a poesia da rigidez doutrinária. Agora, nos recantos mais longínquos do Brasil, com o “auxílio luxuoso” da Internet, o jovem poeta tem acesso às informações de poéticas do mundo inteiro, podendo criar seu próprio conceito do que seja ” o novo “. No caso do Maranhão, que formatou a primeira grande tradição canônica da poesia brasileira, com o nosso Gonçalves Dias, nunca perdeu a importância no debate literário nacional. A nova poesia maranhense do momento, segue viva e reinventando-se como num caleidoscópio de múltiplas cores.

O Imparcial – Poeta Salgado Maranhão, você tem parcerias luxuosas com Paulinho da Viola, Ivan Lins, Zeca Baleiro e outros tantos. O poeta e o letrista se confundem?

Salgado Maranhão – O uso da palavra cantada é anterior à palavra escrita. Vem desde Homero e perdura até hoje nas sociedades autóctones. Vivi até aos 15 anos num quilombo, no Maranhão profundo, onde a língua que falávamos na comunidade não tinha representação gráfica. Porém, havia cantorias, tambor de crioula, festa do divino e bumba meu boi. Essas foram minhas ricas vivências culturais na infância e adolescência. Só ao chegar a Teresina, no final da década de 1960, descobrir uma biblioteca pública e me pus em contato com a poesia canônica. Nessa mesma época, fui alcançado pela melhor poesia da canção que já se fez no Brasil, com os poetas da Tropicália e os parceiros do Milton Nascimento, no Clube da Esquina. Minha aproximação com o Torquato Neto selou a escolha como letrista. De lá para cá, tornei-me parceiro de vários dos maiores compositores brasileiros em dezenas de canções. Como já nos disse Murilo Mendes: “A poesia/como o vento/ sopra onde quer”.

O Imparcial – A música “Caminhos do Sol” é uma das mais belas da nossa MPB. Foi tema da novela A Viagem. Como foi o processo de criação da letra?

Salgado Maranhão – A letra da música “Caminhos de Sol”, foi a mais fácil que eu já compus. Meu parceiro, Herman Torres me chamou à sua casa para letrar uma melodia que ele acabara de compor para sua mulher que havia lhe deixado, levando seus 2 filhos pequenos. Em 15 ou 20 minutos a obra ficou pronta. Na naquela mesma semana, a Zizi Possi inclui-a no seu disco, que que ficou sendo a música de trabalho, com o sucesso que todos já conhecem. Para sorte do meu parceiro, sua mulher retornou e ainda fizeram mais um filho. O filho da canção.

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/08/salgado-maranhao-a-poesia-e-o-lugar-do-coracao-que-pensa/