
A saúde mental de jovens e adolescentes no Brasil atravessa um momento complexo, marcado por pressões sociais intensas, pelo universo digital e, sobretudo, por uma crescente “falta de sentido à vida”. Este é o cenário traçado pela psiquiatra Sofia de Oliveira Cardoso, 39 anos, em entrevista exclusiva ao O Imparcial, na qual ela aponta as tendências, os desafios e os caminhos possíveis para o cuidado dessa faixa etária.
Produtividade e capacidade multidisciplinar
Para a Dra. Sofia, a clínica atual é dominada por uma busca incessante por dar nome ao sofrimento, o que exige produtividade e capacidade multidisciplinar. Por isso, os transtornos de ansiedade e o déficit de atenção se tornam cada vez mais comuns. “O universo das redes sociais traz a sensação de um mundo paralelo, perfeito e muito produtivo, o que, paradoxalmente, causa estagnação por tanta informação”, explica a psiquiatra.
A constante exposição a essa urgência em fazer tudo cria um paradoxo: a informação em excesso, em vez de impulsionar, pode paralisar.
Um dos pontos de mudança em relação às gerações anteriores é a forma como o sofrimento é verbalizado. Enquanto os mais velhos relatam a dificuldade de falar sobre transtornos mentais — o que os tornava invisíveis —, os jovens de hoje falam abertamente e buscam diagnósticos.
“Os mais jovens falam muito de transtornos mentais e acabam buscando mais denominações, mais diagnósticos. Ou seja, o sofrimento fica em evidência, principalmente nas redes sociais”, observa a médica. Isso marca uma mudança cultural em que o cuidado com a saúde mental deixa o tabu, mas também corre o risco de ser excessivamente simplificado ou performado no ambiente digital.
O caminho para o cuidado com essa geração apresenta desafios cruciais para os profissionais de saúde. A doutora destaca a dificuldade de colocar-se empaticamente na escuta clínica, já que o contexto interno do adolescente pode parecer “incompreensível e distante” para o adulto.
No entanto, ela não percebe uma dificuldade maior em engajar os jovens no processo terapêutico, pois a resistência é natural a qualquer um que precise falar de si e de assuntos íntimos.
O estigma é combatido com diálogo contínuo nas famílias sobre diferenças e aspectos da vida, reconhecendo que o possível adoecimento psíquico faz parte de muitas realidades.
A essência do cuidado, para a psiquiatra, está na conexão entre pacientes e profissionais, entendendo a psicologia como um espaço de construção de relações, onde o indivíduo pode se (re)descobrir.
Sede de cuidado
No campo das políticas públicas, a crítica é severa. “As políticas públicas não estão contemplando o público adolescente”, afirma a Dra. Sofia, ressaltando que essa é a faixa etária que mais pede ajuda e que menos tem atendimento adequado. “Ao completar 12 anos de idade, abre-se um fosso no qual ninguém ‘quer’, ninguém se dispõe”, lamenta, ao citar a falta de profissionais e locais específicos de cuidado multiprofissional.
Como caminhos para a promoção da saúde mental, a psiquiatra aponta para o fortalecimento dos vínculos a partir das famílias e o incentivo ao desenvolvimento da autonomia das crianças, com afetividade e assertividade. Ela também inclui a espiritualidade e a consciência social do outro como aspectos importantes.
Para as escolas, a recomendação é respeitar a infância em sua peculiaridade, em vez de focar apenas no desempenho intelectual e na competição. “Importa continuar o trabalho iniciado pelas famílias na construção de pessoas que olham para o próximo e para o mundo com amor e responsabilidade”, argumenta.
Ao analisar o contexto local, a Dra. Sofia de Oliveira Cardoso, que atua no Maranhão, vê um reflexo do cenário nacional: uso excessivo de telas, pouco exercício de diálogo e um baixo repertório emocional e linguístico, que contribui para o distanciamento afetivo e cognitivo do mundo.
As particularidades do estado se manifestam nas desigualdades sociais. “Infelizmente, é um estado pobre, com muitas desigualdades sociais, e esse contraste enfatiza como precisamos que todos tenham acesso na proporção em que têm dificuldade de conseguir um emprego, uma consulta e uma vaga na faculdade”, pontua.
Em vez de apenas enxergar esses indivíduos como o futuro, é preciso que o presente seja cuidado, acolhido e incentivado. Para pais, educadores e gestores, a mensagem da psiquiatra é um apelo ao cuidado com o presente. “Ser adolescente, ser jovem é um grande desafio quando se pensa em quantas coisas são demandadas. Experimentem dar voz e considerar o que há de importante e, então, direcionem investimentos financeiros e, principalmente, de afeto”, conclui a Dra. Sofia.
Importa continuar o trabalho iniciado pelas famílias na construção de pessoas que olham para o próximo e para o mundo com amor e responsabilidade
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Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/10/saude-mental-jovem-o-desafio-das-telas-e-da-produtividade/