
Desde que nasci, vivo no bairro do São Cristóvão. Ou melhor, passei vinte anos acreditando nisso. Descobri na semana passada que, na verdade, moro no Tirirical, que ganhou esse nome devido ao excesso de tiriricas – planta daninha hostil e de rápida dispersão.
A linha que divide essas duas realidades se chama Avenida Guajajaras, repleta de mecânicas, tendas de lanche e supermercados. Do lado de lá, o terminal do São Cristóvão, a Universidade Estadual do Maranhão, a igreja matriz e as casas planejadas. Do lado de cá, o quê?
Desse bairro do qual pouco se fala, pouco se vê e, talvez, parcamente exista para o restante da cidade, não tenho muito o que dizer. Sei que nele existe a casa dos meus avós que morreram e levaram um pouco do natal consigo, a loja de DVD’s com os melhores lançamentos da semana passada e alguns CD’s arranhados, o Campo do Estrela em que meu pai jogou bola por muitos anos, o posto de saúde em que me vacino até hoje, a minha casa em que enxergo os caminhos mesmo quando está escuro, a rua ao lado dela em que brinquei muito quando criança e depois nunca mais, uma quitanda, uma lanchonete, uma loja que meu tio perdeu, uma borracharia, o centro comercial, o posto de gasolina, um pouco de luz e de esperança… Nesse último ponto reside um pouco do dia a dia da Feira, além da história de alguns de seus feirantes: Jhennifer, Euda e Neto.
Jhennifer Viana Almeida, 38, nasceu na cidade de Bacabal e veio para São Luís aos 17 anos. Casou-se, teve filhos e largou o emprego para ficar integralmente em casa, decisão essa que não durou muito e foi sucedida pelo desejo de abrir um pequeno negócio em parceria com o marido. Proprietária da Casa do Coco, buscou empreender com o elemento que faltava na região: a água de coco.
Com origem na região da Pindoba, o trabalho cansativo de buscar os cocos, conservá-los e cortá-los por conta própria não para por aí; barulho, calor e fumaça de automóveis são algumas complicações que Jhennifer tem de enfrentar. O trabalho duro, contudo, é recompensado pela grande diversidade de “clientes jovens e idosos que vêm aqui com frequência e que, além de beberem água de coco, também sentam e batem um papo com a gente. É muito legal”, afirmou Almeida.
Francisco Lopes Cardoso, 59, mais conhecido como Neto, também relembrou um pouco da sua história: “Tenho meu segundo grau completo, sou eletrotécnico formado pelo Bacelar Portela e já fui mecânico industrial. Trabalhei muitos anos fora daqui, em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, e em outros estados brasileiros. Mas, desde 1999, eu fundei aqui na Feira do Tirirical uma loja de descartáveis. Eu escolhi essa linha porque eu vi que eu teria um produto que não tivesse muita perda e não dependesse de muita gente para trabalhar. São copos, caixas de isopor, quentinhas descartáveis, sacolas, sacos, plástico para mesa e entre outros… Eu já possuí quatro lojas, hoje eu só me encontro com uma, mas graças a Deus é com ela que eu estou sobrevivendo, estou aqui já há um bom tempo, assim como os meus colegas aqui da área. É a vida da gente, é o nosso cotidiano, todos os dias nós estamos aqui desde seis horas da manhã até às seis e meia da tarde de segunda a sábado, além dos domingos”, contou Neto.

Euda Maria, 55, é conhecida como Loira e possui um mercadinho na parte exterior da feira e trabalha lá há 24 anos. “A gente luta muito, acorda cedo, dorme tarde e trabalha direto de segunda a segunda, a gente não tem nenhum dia de lazer, é só na batalha”, explica. Loira veio de Anajatuba aos oito anos, e desde essa idade já trabalhava para que pudesse montar seu negócio. À época, foi a única oportunidade que teve, mas, hoje em dia, Euda se identifica muito mais com a feira e com as pessoas que por lá passam diariamente. “Acho que eu sou uma pessoa para lidar com o povo”, diz.
Antes da entrevista Euda mencionou que dispunha de pouco tempo antes de ir para o próximo trabalho; ao ser questionada, ela afirmou que tem “várias funções… eu lavo, eu passo, eu gomo. E agora eu vou sair da feira para ser um pouquinho de doméstica, na minha casa. A gente tem que insistir, tem que lutar, não tem que desistir na primeira dificuldade, porque dificuldades vêm muitas. E a gente tem que estar na luta, né? A luta é uma conquista, é um trabalho em que a cada dia você vai conquistando seus clientes, e é isso aí, a gente tem que persistir naquilo que a gente quer”, finalizou.
Mas por que o texto se chama “Sombra da Mangueira”? De acordo com algumas histórias passadas de geração em geração por aquele circuito, a Feira do Tirirical foi toda construída ao redor de um pé de mangueira. Por quê? Não sei… Mas gosto de pensar que era para que todos pudessem aproveitar a sombra e os frutos daquela árvore juntos, durante um dia de trabalho.
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Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/03/sombra-da-mangueira-a-historia-que-movimenta-a-feira-do-tirirical/