9 de setembro de 2025
Universitários em dificuldade financeira: dívidas sufocam mais 35% dos estudantes
Compartilhe:

Mais de um terço dos universitários enfrenta dificuldades financeiras para manter os estudos. Segundo levantamento da Serasa, em parceria com a plataforma de pesquisa de mercado MindMiners, 35% dos estudantes têm dívidas em aberto com instituições de ensino. Entre os principais motivos, o desemprego aparece como o maior vilão (22%), seguido por problemas pessoais ou familiares (13%) e redução de renda (9%).

Outro estudo, realizado pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), aponta que 34% dos jovens brasileiros entre 18 e 35 anos (cerca de 986 mil pessoas) adiaram o início de um curso superior devido a gastos em bets (apostas on-line, como o jogo do tigrinho), em 2025.

Segundo o levantamento, essa porcentagem tem um significativo aumento nas famílias que pertencem às classes D e E — com renda média de R$ 1 mil por pessoa. Nesse cenário, cerca de 41% dos jovens adiaram o plano de cursar uma faculdade ou universidade. O Nordeste despontou como a região onde mais jovens adiaram a graduação: 44%. O Sudeste, região que vem logo em seguida, teve um índice de 41%.

A pesquisa Serasa/MindMiners ouviu 410 pessoas, entre 12 de junho e 1º de julho, em todo o país. De acordo com o resultado, entre os alunos endividados, 34% acumulam débitos que ultrapassam o valor de cinco mensalidades e 32% convivem com pendências há mais de dois anos. Além disso, o impacto financeiro vai além das mensalidades. A pesquisa revela que 62,3% dos universitários possuem outras dívidas: 55% com cartões de crédito, 36% com contas básicas e 32% com empréstimos pessoais.

As consequências não se restringem ao bolso. O endividamento pesa no bem-estar emocional: 48% dos estudantes relatam sofrer de ansiedade intensa, insônia ou estresse e quase metade (45%) afirmou ter adiado planos de vida importantes por causa das dívidas. Apenas 6% disseram não ter sentido impacto emocional.

Para a servidora pública Lorrana Pádua, 31 anos, ingressar na faculdade significava alcançar melhores oportunidades de trabalho, salários mais justos e maior autonomia. Filha de mãe solo, a jovem sonhava em garantir bem-estar e estabilidade financeira à família. Mas a felicidade em conquistar o diploma do curso de engenharia civil veio acompanhada da preocupação em pagar o financiamento estudantil, cobrado um ano e meio após o fim da graduação, em 2017. 

“Quando entramos na faculdade por meio do financiamento estudantil, tendemos a acreditar que, ao fim da graduação, estaremos empregados e conseguiremos quitar essa dívida sem problemas. É uma ilusão. Demorei muito para conseguir emprego e começar a pagar as prestações. Não ter dinheiro, na época, afetou bastante a minha saúde emocional, tanto que eu ficava angustiada e perdia o sono quando o prazo do vencimento dos boletos se aproximava”, desabafa. 

Por ter ficado um tempo sem conseguir pagar a despesa, a jovem passou a dever ao banco. “Solicitei o refinanciamento com os juros nas alturas e, ainda hoje, pago as prestações, cujo prazo médio para quitá-las é de 15 anos”, conta. 

Psicológico afetado

Medo do futuro, vergonha da própria condição e até sensação de incapacidade são alguns dos sentimentos que podem acometer universitários que passam por dificuldades financeiras, conforme destaca a psicóloga Kenia Ramos, do grupo Mantevida. “Esse cenário favorece a insegurança, a autocrítica excessiva e pode levar ao estresse crônico, comprometendo tanto o bem-estar quanto a motivação para os estudos.” 

Na avaliação da psicóloga, a insegurança financeira compromete diretamente a vida acadêmica. “Consome energia mental e reduz a capacidade de concentração. Muitos estudantes precisam faltar aulas para trabalhar mais horas, reduzem o engajamento em atividades e até cogitam abandonar o curso. Isso cria um ciclo de estresse e prejuízos no desempenho e na permanência universitária”, analisa.

O trancamento do curso, muitas vezes associado ao fracasso, pode ser ressignificado. “Muitos interpretam como incapacidade ou derrota, mas o trancamento pode ser uma decisão estratégica para proteger a saúde mental e reorganizar prioridades. Trabalhar a autocompaixão e buscar suporte emocional permite transformar esse período em oportunidade de amadurecimento”, explica.

No caso da assistente administrativa Larissa Rezende, 30, o trancamento do curso de publicidade e propaganda, em 2015, se deu quando ela estava prestes a ir para o quinto semestre. Na época, o valor da mensalidade era maior do que o salário recebido pela jovem e a família passava por dificuldades financeiras. “Ficou inviável permanecer na graduação. Para realizar o trancamento, era necessário pagar as parcelas em atraso e não consegui. Então, a dívida acumulou e chegou a cerca de R$ 6 mil. Ainda hoje não consegui quitá-la”, lamenta. 

Segundo Larissa, a situação é compartilhada por outros jovens do seu meio. “Infelizmente, a universidade não é uma realidade para muitos. Mesmo a pública, cujo acesso não é fácil. Não ter finalizado o curso me despertou muita ansiedade e, principalmente, frustração. Se tivesse condições, retornaria à faculdade, talvez em outro curso, mas essa é uma realidade ainda distante”, acrescenta. 

Preparo financeiro

Para o especialista em finanças Matheus Oka, uma das principais razões para o endividamento estudantil é a falta de preparo financeiro entre jovens que estão começando a vida adulta. “Muitos têm acesso facilitado a crédito, mas não possuem educação financeira para lidar com conceitos básicos. Além disso, há hábitos de consumo impulsivos, muito incentivados pelas redes sociais e influenciadores, somados à pressão social por independência financeira precoce. Tudo isso cria um cenário propício ao endividamento”, avalia.

Entre as medidas práticas para evitar dívidas, Oka recomenda que os estudantes aprendam a poupar e investir. “Hoje, bancos digitais e corretoras oferecem opções gratuitas que rendem ao menos 100% do CDI, com prazos de resgate compatíveis com a dívida assumida. Além disso, é fundamental avaliar como o curso pode gerar estratégias de aumento de renda no futuro, como retorno do investimento”, orienta.

No caso da servidora pública Lorrana Pádua, a falta de orientações do banco quanto ao refinanciamento da dívida contribuiu para o adiamento do acordo com a instituição e, consequentemente, para o aumento das despesas. 

Mesmo com as dificuldades, a engenheira diz não se arrepender de ter cursado o ensino superior. “Foi uma realização pessoal muito grande. Quando a situação melhorou, tive condições de comprar um carro, alugar um apartamento em um bom lugar e ajudar minha mãe, principalmente garantindo a ela um plano de saúde e a levando para passear”, relata. 

Desafios à formação

Para o presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Juliano Griebeler, a evasão é um desafio tanto nas instituições públicas quanto nas particulares. “As Instituições de Ensino Superior (IES) adotam diversas estratégias para garantir a permanência dos alunos, como a participação em programas governamentais (ProUni e Fies), a concessão de bolsas próprias para estudantes com engajamento e bom desempenho acadêmico e a flexibilização de dívidas, com revisão de multas, juros e taxas para alunos em dificuldade de manter a adimplência”, detalha.

De acordo com Griebeler, os estudantes que desejam cursar o ensino superior querem melhorar a própria renda e a realidade da família. “Os dados apontam que 90% dos estudantes das IES particulares pertencem às classes C, D e E e que os custos estão entre os maiores obstáculos à permanência. Em muitos casos, os próprios alunos são os responsáveis pelo custeio, especialmente na modalidade de Educação a Distância”, assinala. 

“Alunos beneficiados com programas governamentais apresentam taxas de evasão menores do que aqueles que não têm bolsas”, acrescenta o presidente da Anup. Ele destaca que uma tendência em discussão é conceder microcertificações para permitir ao aluno comprovar etapas do aprendizado ao longo do curso e, assim, ampliar as oportunidades profissionais.

Hora de negociar

Apesar do cenário desafiador, a confiança em regularizar a situação é alta. De acordo com o levantamento da Serasa, 64% dos entrevistados acreditam que conseguirão negociar as pendências nos próximos dois anos. Para nove em cada 10, quitar a dívida com a universidade ainda é uma prioridade.

Thiago Ramos, especialista em educação financeira da Serasa, lembra que muitos jovens estão no início da carreira, “com salários menores e enfrentando os primeiros grandes gastos com moradia e contas básicas”. A pressão aumenta porque “88% arcam sozinhos com as despesas universitárias”, além de, em muitos casos, ajudarem nas despesas de casa e tentarem equilibrar lazer. 

Mesmo assim, ele vê sinais de maturidade: “A faixa de 18 a 25 anos é a que mais busca negociar dívidas. De janeiro para cá, os jovens dessa idade negociaram 49% a mais do que no mesmo período do ano passado. No DF, o aumento foi de 38%”.

Para Ramos, o comportamento tem raiz geracional: “Mais da metade dos jovens (57%) diz ter aprendido a correr atrás de estabilidade por ter crescido em ambiente instável — isso reforça a importância da educação financeira desde a infância”.

E quando a mensalidade já não cabe no orçamento? “Muitas faculdades oferecem refinanciamento ou parcelamento. Mas, antes de assinar, avalie se você conseguirá cumprir as novas parcelas, para não criar outro problema”, alerta.

Para quem já está inadimplente, ele sugere um roteiro: “Levante todas as dívidas — a Serasa disponibiliza gratuitamente uma tabela financeira para ajudar; negocie com os credores, buscando parcelas que caibam no orçamento; priorize despesas essenciais (água, luz, alimentação); e controle gastos com um plano claro, evitando compras impulsivas”.

Fonte: * Correio Braziliense

Fonte: https://oimparcial.com.br/noticias/2025/09/universitarios-em-dificuldade-financeira-dividas-sufocam-mais-35-dos-estudantes/