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* Paulo Baía
O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva atravessa um momento delicado, marcado por uma crise de popularidade que reflete um descontentamento profundo da população. Pesquisas recentes indicam que a desaprovação ao governo ultrapassou a aprovação pela primeira vez desde o início deste ciclo. Em janeiro de 2025, um levantamento da Genial/Quaest revelou que 49% dos entrevistados desaprovavam a gestão de Lula, enquanto 47% a aprovavam, representando uma inversão preocupante em relação aos dados anteriores (reuters.com).
Diferente do que algumas análises indicam, essa crise não é um problema de comunicação social ou publicitária. A questão central que afeta o governo não é a forma como as mensagens são transmitidas à população, mas sim a maneira como os brasileiros estão se sentindo. Há um mal-estar difuso, uma espécie de desalento coletivo que impede qualquer narrativa governamental de surtir efeito positivo. A insatisfação não se deve à falta de informações sobre as políticas públicas, mas à ausência de um sentimento de esperança e pertencimento.
Fatores emocionais e psicológicos
O Brasil atravessa um período de esgotamento emocional. A polarização política não é apenas ideológica, mas afetiva e psicológica. O embate permanente entre grupos antagônicos corroeu o tecido social e gerou uma sociedade exausta, desconfiada e ressentida. O governo Lula, ao assumir com a promessa de reconstrução, encontrou um país emocionalmente fraturado, e esse esgotamento se reflete na dificuldade de gerar entusiasmo popular.
Pesquisas mostram que muitos brasileiros não se sentem representados ou acolhidos por nenhuma liderança política. O governo é visto por parcela significativa da população como distante, inerte ou incapaz de promover mudanças perceptíveis no cotidiano. Essa percepção não decorre da ausência de políticas públicas concretas, mas de um sentimento de desânimo que impede a valorização dos avanços econômicos e sociais promovidos pela gestão federal.
A economia e o desconforto popular
Embora o PIB tenha crescido acima de 3% em 2024 e o desemprego esteja em baixa histórica, a população não sente os benefícios dessas conquistas no dia a dia. A inflação, especialmente sobre os alimentos, tem pressionado o orçamento familiar, alimentando um sentimento de insegurança. Uma pesquisa revelou que 61% dos entrevistados sentiram uma diminuição no seu poder de compra, mesmo que os índices econômicos mostrem um cenário tecnicamente estável (elpais.com). O custo crescente de itens básicos, como o café, contribui para a frustração popular (ft.com).
O problema não está na falta de divulgação dos indicadores econômicos positivos, mas na forma como as pessoas os experimentam. Não basta dizer que a economia está melhorando; é preciso que a população sinta essa melhoria. E esse sentimento, profundamente subjetivo, não é suscetível a campanhas publicitárias ou discursos institucionais. A questão não é a comunicação do governo, mas a desconexão emocional entre o Estado e os cidadãos.
A crise de confiança e a polarização afetiva
O Brasil vive um momento de desconfiança generalizada. As instituições, os partidos políticos e até mesmo lideranças tradicionais perderam a capacidade de mobilizar emoções positivas. A sensação de pertencimento, que Lula conseguiu gerar em seus primeiros mandatos, parece cada vez mais distante. A base eleitoral que historicamente apoiou o PT já não se sente plenamente representada, enquanto setores mais conservadores continuam alimentando um discurso de negação do governo.
No Nordeste, região que sempre foi um bastião petista, a popularidade de Lula começa a apresentar fissuras. Fatores como a crescente influência de lideranças evangélicas, a sensação de abandono em algumas comunidades e a piora da segurança pública têm levado parte do eleitorado a repensar seu apoio ao governo (elpais.com).
A polarização afetiva, que transforma divergências políticas em ressentimentos profundos, dificulta a reconstrução da confiança no governo. Não se trata apenas de convencer a população de que as políticas públicas são bem-sucedidas, mas de restaurar um vínculo emocional que foi rompido ao longo dos anos. A propaganda institucional não é suficiente para reverter esse quadro; é necessário um trabalho de reconstrução do imaginário coletivo, algo que exige tempo e um esforço político consistente.
Conclusão
A crise de popularidade do governo Lula não se explica por falhas na comunicação social. O problema é mais profundo e está enraizado na dimensão emocional e psicológica da sociedade brasileira. A população está cansada, sem esperança e emocionalmente esgotada após anos de crises políticas e econômicas. Os avanços do governo, por mais concretos que sejam, não geram entusiasmo porque o país vive uma espécie de depressão coletiva.
Para reverter esse quadro, não basta melhorar o marketing institucional ou reforçar a publicidade governamental. É preciso reconstruir a conexão emocional com o povo, resgatar a esperança e criar um ambiente onde as pessoas se sintam parte de um projeto coletivo de futuro. Sem essa mudança, qualquer esforço comunicacional será inócuo diante do sentimento dominante de desalento e desconfiança que assola o Brasil.
* Sociólogo, cientista político e professor da UFRJ.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/a-crise-de-popularidade-do-governo-lula-uma-questao-emocional-nao-de-comunicacao/