20 de setembro de 2024
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Noelza Soares, 56 anos, é uma cabeleireira, manicure e depiladora que atende clientes em um salão localizado no bairro de Pirajá, periferia de Salvador. Com uma tornozeleira eletrônica fixada ao tornozelo, ela cumpre medidas cautelares impostas pela Justiça devido aos ataques golpistas ocorridos em 8 de janeiro de 2023 em Brasília, promovidos por apoiadores dE Jair Bolsonaro (PL). Noelza fecha seu salão antes das 19h para garantir que esteja em casa na hora estipulada.

Apesar dessas restrições, Noelza está concorrendo à Câmara Municipal de Salvador pelo PL, apresentando um discurso que questiona a integridade das urnas eletrônicas. Ela caracteriza sua candidatura como um “desafio pessoal”, algo que vê como uma prova de fé: “Para você ver como é contraditório, né? Mas minha candidatura é um desafio para mim mesma, é algo particular entre mim e Deus.”

Segundo levantamento da Folha, ao menos 48 dos 1.406 indivíduos detidos por envolvimento em atos de terrorismo e destruição de prédios públicos no 8 de janeiro estão concorrendo nas eleições municipais de 2024. Esses candidatos fazem parte do grupo que foi preso em Brasília após os ataques ao Congresso Nacional, Palácio do Planalto e STF (Supremo Tribunal Federal). O grupo inclui dois candidatos a prefeito, um a vice-prefeito e 45 a vagas nas Câmaras Municipais em 44 cidades brasileiras. Dentre esses candidatos, 14 incorporaram o termo “patriota” em seus nomes eleitorais, com um deles se apresentando como “patriota preso”.

Entre os candidatos, 16 concorrem pelo PL de Bolsonaro, enquanto os demais estão distribuídos em partidos de direita como Republicanos, PP e Novo, assim como em legendas menores como DC, PMB e Mobiliza, além de algumas siglas da base do governo Lula (PT), como União Brasil e MDB.

Os candidatos ainda não foram julgados ou condenados pelo STF, o que significa que não enfrentam restrições legais para participar das eleições. João Marcos Pedra, advogado e secretário-geral da Comissão de Direito Eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), observa que a presença de presos preventivos como candidatos é uma situação inédita que pode gerar discussões. Ele destaca que, se eleitos, a perda de mandato não é automática em caso de condenação futura; a decisão deve passar pelo Poder Legislativo, conforme a Constituição. Diferentemente da Lei da Ficha Limpa, que impede candidatos condenados por crimes contra a administração pública já em segunda instância, os presos do 8 de janeiro só perderão seus direitos políticos após sentença definitiva e irrecorrível.

São Paulo é o estado com o maior número de candidatos entre os presos de 8 de janeiro, totalizando nove. Entre eles está Sheila Mantovanni (Mobiliza), que disputa a Prefeitura de Mogi das Cruzes, localizada a 48 km da capital. Sheila se define como conservadora, católica e defensora do armamento, embora afirme que não advogou pela intervenção militar. Ela participou dos eventos de 8 de janeiro para questionar o Exército sobre o processo eleitoral. Após quatro meses na Penitenciária Feminina do Distrito Federal e onze meses usando tornozeleira, Sheila foi liberada das acusações de incitação ao crime e associação criminosa após assinar um acordo de não persecução penal, que mantém sua condição de réu primário. Apesar de ter os bens bloqueados pela Justiça, ela decidiu candidatar-se à Prefeitura de Mogi, criticando a candidata anterior do PL e questionando o posicionamento do partido em relação ao PT.

Fabiano Silva (DC), outro candidato, concorre à Prefeitura de Itajaí, em Santa Catarina, e não se manifestou sobre sua candidatura. Noelza Soares, que também concorre pelo PL em Salvador, passou duas semanas no presídio da Colmeia e, apesar de afirmar não ter participado da depredação dos prédios em Brasília, admitiu que defendeu uma intervenção militar após a eleição de Lula em 2022. Ela considera a viagem a Brasília como uma “aventura” e enxerga a candidatura como um desafio pessoal.

Três candidatos, incluindo Vandinho Patriota, do Novo, disputam cargos em Cuiabá. Vandinho, que também participou do acampamento golpista em Brasília, está concorrendo a vereador e faz campanha de porta em porta devido às restrições impostas, temendo uma possível volta à prisão. Entre os outros candidatos estão Marinaldo Adriano (DC), concorrendo em João Pessoa, e Bete Patriota, em Maceió pelo MDB. Ambos refletem a polarização política e o impacto contínuo dos eventos de 8 de janeiro nas eleições municipais.

Com informações da Folha de S. Paulo.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/ao-menos-48-detidos-por-envolvimento-em-atos-do-8-de-janeiro-estao-concorrendo-nas-eleicoes-municipais/