30 de outubro de 2025
A escalada bélica do crime com táticas de guerra contra
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Em meio às cenas que se compararam a uma guerra civil durante a megaoperação das forças de segurança do Rio de Janeiro contra a facção criminosa Comando Vermelho (CV) nas favelas do Complexo da Penha e do Complexo do Alemão, uma das que mais chamou a atenção foi a do uso de drones por parte dos criminosos para atacar a polícia com bombas lançadas do alto. O confronto deixou pelo menos 121 mortos, incluindo quatro policiais, na capital fluminense na terça-feira (28).

Em imagens que correram o país, é possível ver um drone que sobrevoa a chegada de policiais da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil do Rio de Janeiro no Complexo da Penha, e lança uma espécie de bomba sobre o grupo. A bomba aparenta estar acesa e pronta para explodir. Não é possível ver o que acontece em solo logo depois de o artefato ser lançado.

Quem assistisse desavisado às cenas sem som poderia pensar que as imagens passavam-se na guerra entre Ucrânia e Rússia ou mesmo fossem uma reprise do ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, no dia 7 de outubro de 2023, quando os terroristas utilizaram drones para jogar bombas sobre grupos de soldados e filmar as ações, que deixaram 1.665 mortos.

O amplo uso de drones de porte caseiro como armas letais de guerra ganhou evidência na guerra da Ucrânia, que se arrasta desde a invasão russa em 2022, e tem se espalhado pelo mundo. Por lá, com menor número de soldados e menos equipamentos pesados convencionais, as forças armadas ucranianas inovaram e transformaram drones simples, baratos e muitas vezes de fabricação caseira em armas letais.

“O que nós estamos vendo no Rio de Janeiro é algo inspirado no que nós vimos lá na guerra da Ucrânia com a Rússia, onde os drones de pequeno porte com explosivos são muito utilizados, principalmente pelos ucranianos”, afirma Paulo Storani, ex-capitão do Bope da Polícia Militar do Rio de Janeiro e especialista em segurança pública, à Gazeta do Povo.

Para o especialista, o que estamos vendo é uma evolução natural da facilidade de compra de armamentos usados em guerras convencionais, especialmente os rifles de assalto de diversos fabricantes, de origens distintas mundo afora, para outras tecnologias de guerra moderna. “É a realidade desses conflitos modernos, que hoje chega com facilidade nas mãos dos traficantes: eles têm recursos financeiros para isso”, evidencia Storani.

Recursos que não são provenientes tão somente do comércio de drogas, como também resultado do “domínio e exploração econômica das comunidades controladas nos territórios por esses narcotraficantes e também milicianos”, afirma Storani.

Ex-capitão do Bope critica tolerância e condescendência da legislação de execução penal

O ex-capitão do Bope do Rio de Janeiro também vê um problema grave e bem menos discutido na atual crise: a condescendência, tolerância e permissibilidade da nossa legislação de execução penal.

“O criminoso é identificado, preso, e condenado ou não ganha a rua em pouco tempo. Aí vai preso diversas vezes pelos mesmos crimes ou, pior, simplesmente some e vira um foragido após um dos inúmeros benefícios de liberdade provisória ou de progressão de pena”, pontua Storani.

“Se nós não tivermos uma política pública que envolva um conjunto de ações em diversas frentes, em conjunto com todas as esferas do poder público e da sociedade civil, a situação só tende a piorar”, diz.

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Uso de drones pelo Comando Vermelho já estava no radar da polícia

O uso de drones pelo Comando Vermelho já era monitorado pela polícia. Há cerca de um ano, uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, mostrou que um militar da Marinha ajudou a facção a adaptar equipamentos para lançar explosivos, num esquema que unia tecnologia militar e o tráfico de drogas.

Na época, a Polícia Federal (PF) prendeu o cabo envolvido dentro de um quartel em Niterói. Ele foi apontado como responsável por desenvolver dispositivos capazes de acoplar granadas aos drones e por treinar criminosos no uso dos aparelhos durante ataques a grupos rivais.

Segundo as investigações, o militar usava os drones também para monitorar deslocamentos da polícia e repassar informações estratégicas ao Comando Vermelho. Na casa dele, a PF encontrou um bunker subterrâneo preparado para esconderijo e sobrevivência por vários dias.

De acordo com apuração do jornal Estadão, os equipamentos usados pelo crime organizado costumam ser drones comerciais do tipo FPV (First Person View), facilmente adquiridos pela internet por valores entre R$ 3 mil e R$ 10 mil. Apesar de simples, carregam câmeras de alta definição e são capazes de transportar cargas de até meio quilo, o que já é suficiente para levar uma granada de mão.

Existem “rifles” de radiofrequência usados pela PF e algumas polícias estaduais capazes de capturar o comando de um drone até determinada distância e pousá-lo no chão ou trazê-lo para a polícia, mas o equipamento ainda não é amplamente utilizado em operações policiais e seu uso é restrito pela Anatel.

Rio de Janeiro anunciou aquisição de sistema de neutralização de aeronaves não tripuladas

Em agosto, o Gabinete de Segurança Institucional do estado do Rio de Janeiro (GSI-RJ) fez pregão para a compra de 80 sistemas de neutralização de aeronaves não tripuladas, conhecidos como sistemas antidrone. O investimento, de quase R$ 27 milhões, é para equipamentos para as polícias Civil e Militar e para a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap).

A iniciativa temo objetivo de fortalecer a segurança institucional e proteger áreas sensíveis contra o uso indevido de drones em atividades ilícitas, principalmente as áreas do sistema penitenciário do estado. Na divulgação da aquisição, o governo do Rio de Janeiro alegou que a medida é uma resposta do governo ao aumento da utilização desses dispositivos em ações criminosas.

Entre esses usos, são mencionados vigilância ilegal; transporte de objetos proibidos, como armas, drogas e celulares para dentro de complexos prisionais; ameaças a autoridades e agentes de segurança, e até mesmo o lançamento de artefatos explosivos. Na megaoperação desta semana, no entanto, o governo fluminense não informou se houve emprego dos novos equipamentos.

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Operação no Rio de Janeiro demanda ocupação do território, opina prefeito

Para Eduardo Boigues (PL), prefeito de Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo, que também é delegado da Polícia Civil e estudioso do tema, quando a criminalidade possui armamentos e material bélico no geral muito pesados, a polícia também acaba entrando com muita força para conseguir fazer frente ao poderio dos bandidos — e o resultado é sempre muita violência, com resultados colaterais graves para quem vive na região.

“Você ter quatro policiais mortos e vários feridos nessa operação, além da centena de mortos, mostra muito mais a potencialidade lesiva do narcotráfico do que alguma eventual falta ou falha no planejamento da operação. E cada dia é uma novidade: hoje a polícia já está preparada para enfrentar criminosos armados com rifles e, no Rio, muitas vezes até granadas. Mas ataque aéreo com drone desse jeito provavelmente ninguém esperava”, afirma Boigues à Gazeta do Povo.

Ele afirma, porém, que uma operação como a do Rio de Janeiro nesta semana demanda a ocupação do território de forma definitiva pelo poder público, caso contrário, é “enxugar gelo”.

“A gente chega num ponto em que a polícia enfrenta essa situação, e não foi preparada para este tipo de combate cada vez mais militarizado”, afirma à Gazeta do Povo o delegado Edson Pinheiro dos Santos Júnior, diretor do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp). “Teve mais de 100 mortos, dentre os quais quatro policiais altamente treinados, quase 100 fuzis apreendidos, granadas, minas terrestres, ataques aéreos com drones… quer dizer, é uma realidade enfrentada que é muito mais parecida com uma situação de guerra civil ou mesmo de guerra declarada, como no caso da Ucrânia após a invasão da Rússia.”

Na opinião dele, o confronto aberto do tipo adotado no Rio de Janeiro na terça-feira expõe os policiais e a população a mais riscos sem trazer resultados concretos de longo prazo. “O crime organizado tem que ser combatido com inteligência, investigação, asfixia financeira e prisão pontual de lideranças dentro e fora das favelas. A retomada de território tem que acontecer, mas sozinha não muda nada na dinâmica da insegurança pública se não for mantida e sem outras dimensões de ação. Se a polícia sair dessas favelas agora, amanhã está tudo igual lá de novo”, avalia.

Ele alerta que “diversos estados do país estão completamente tomados pelo crime organizado” e, na opinião do delegado, não existe uma política pública de longo prazo de enfrentamento do problema, nem nos estados e nem no âmbito federal. “Enquanto não houver integração nacional, investigação e muito mais inteligência, o país vai seguir perdendo essa guerra contra as facções”, afirma o delegado.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/bombas-drone-comando-vermelho-rio-de-janeiro-escalada-belica-do-crime-taticas-de-guerra-moderna/