5 de novembro de 2024
Deputados da Alerj farão sobrevoo de helicóptero em Imunana-Laranjal
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Quatro dias depois da derrota para Ricardo Nunes (MDB) na campanha pela Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) recebeu a coluna da repórter Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, na casa de praia de sua irmã, em Boiçucanga, no litoral norte de SP. A campanha, diz ele, foi “duríssima, pesada”, bem como seus resultados, em que “a esquerda foi derrotada no país todo”.

Nesta semana, Boulos, 42, retornará a São Paulo disposto a abrir divergência com setores que acreditam que “a esquerda tem que se travestir de centro” para vencer as próximas batalhas eleitorais. Segundo ele, determinados setores têm “um sonho de uma americanização da política brasileira, de democratas contra republicanos, do centro contra a direita. Uma utopia de sociedade sem esquerda”.

E setores do PT, entre outros, estão caindo “nesse canto de sereia”.

“Estão errados. Estão errados”, diz.

Foi a disputa de valores na sociedade por décadas que permitiu, em sua visão, que o PT consolidasse a sua posição e chegasse ao poder para “um ciclo de vitória de cinco eleições presidenciais”.

“Fomos para a defensiva, e agora a extrema direita está ganhando a disputa cultural por W.O.”, afirma.

PRÉVIAS

Qual foi o tamanho da sua frustração quando o resultado das urnas foi anunciado, já que a diferença em favor de Ricardo Nunes foi bem maior do que a esperada?
É lógico que eu fiquei frustrado. A nossa campanha esperava um resultado muito melhor, ainda que eu não ganhasse. Mas eu sabia, desde o início, que essa eleição seria muito difícil, muito dura. E no balanço isso fica muito claro. Eu não perdi a eleição para o Ricardo Nunes. Eu perdi a eleição para um consórcio em torno do projeto [da candidatura presidencial de] Tarcísio [em] 2026.

Eu pude sentir na pele o peso da aliança de setores econômicos, políticos e midiáticos que sonham com essa ideia de um bolsonarismo moderado, capaz de derrotar o Lula e a esquerda. E que viam a eleição de São Paulo como uma prévia para viabilizar esse projeto.

Sofri ataques e mentiras de uma virulência sem precedentes.

Mas já houve eleições igualmente virulentas. Foram ataques sem precedentes, ou era o senhor que não estava preparado para enfrentá-los?
É lógico que estávamos preparados. Agora, no nível… Eu nunca vi, a 48 horas da eleição, [a divulgação de] um laudo falso dizendo que um candidato foi internado por uso de drogas [referindo-se a documento forjado divulgado por Pablo Marçal]. Aliás, para mim, quem decidiu essa eleição foi o Pablo Marçal.

[A postura do ex-coach] Era uma coisa tão bizarra, tão ofensiva, que ele normalizou o Ricardo Nunes, que parecia bonzinho perto dele.

Eu achei curiosíssimo parte de colunistas e de grupos de mídia virem com o ataque de que eu estava [em live] normalizando o Marçal. Espera um pouquinho! Foi isso o que a imprensa fez durante o primeiro turno inteiro

Guilherme Boulos, deputado e candidato derrotado à Prefeitura de SP

Marçal queria antagonizar comigo para disputar a liderança da direita com o [Jair] Bolsonaro, com o Tarcísio, com essa turma. Trouxe o sentimento da eleição para a direita e consolidou a minha rejeição de um jeito que nem mesmo o Ricardo Nunes, com 6 minutos [de programa eleitoral] na televisão, conseguiria.

Ficou difícil reverter isso no segundo turno.

E como ele conseguiu fazer tudo isso?
Por [meio de] uma máquina de rede social fortíssima, e com ataques de todo o tipo. Um fato que, aliás, deve nos trazer o debate da importância que a regulamentação das grandes plataformas tem para a democracia brasileira.

Mesmo depois que o perfil dele foi suspenso [por decisão da Justiça Eleitoral], outras milhares de contas reproduziam as mesmas coisas. Eu enfrentei esses dois lados da direita: o projeto do Tarcísio —com capilaridade de grana, unificação da direita com o centrão, simpatia de setores da mídia— e o Marçal, com seus métodos escatológicos.

MARÇAL E A MÍDIA

E por que, mesmo com tudo isso, o senhor participou de uma live com Marçal?
Vamos lá. Primeiro: eu não fui dialogar com o Marçal. Eu busquei dialogar com os eleitores do Pablo Marçal. E precisava fazer isso. Ninguém que quisesse ganhar essa eleição, já no segundo turno, avançaria sem conversar com os eleitores dele.

Se eu recusasse, seria uma covardia da minha parte, de não tentar ganhar [o pleito].

Mas não há outras formas de se alcançar esse eleitorado?
Pode ser. Mas nós não conseguimos, nem São Paulo nem em várias outras partes do Brasil.

Agora, eu achei curiosíssimo parte de colunistas e de grupos de mídia virem com o ataque de que eu estava normalizando o Marçal. Espera um pouquinho! Foi isso o que a imprensa fez durante o primeiro turno inteiro. Pela lei, nenhum veículo era obrigado a convidar o Marçal para debates. E todos convidaram. O Marçal dava um peido e era o assunto da semana.

Era incontornável, para a imprensa, falar do Marçal.
Pois é. Assim como era incontornável para um candidato que foi para o segundo turno tentar disputar os eleitores do Marçal. Então essa cruz eu não carrego, definitivamente.

VITÓRIA DA EXTREMA DIREITA

Como analisa o resultado geral das eleições no país?
A esquerda foi derrotada no país todo em 2024. E precisamos aprender com as lições dessa derrota. Quem ganhou? Em primeiro lugar, o sequestro do orçamento pelo Centrão. Os deputados mandam [recursos previstos nas] emendas para os prefeitos. O índice de reeleição foi de 82%, o maior desde a redemocratização.

Os prefeitos, fortalecidos com grana, vão agora apoiar a reeleição desses parlamentares [em 2026].Se não houver uma barreira, daqui a dois anos veremos a maior taxa de reeleição do Congresso Nacional.

O outro lado vitorioso foi o da extrema direita.

O PL pulou de duas prefeituras para 16 entre as cidades com mais de 200 mil habitantes. E por quê?

Porque a extrema direita brasileira fez uma disputa cultural e ideológica de valores na base da sociedade, e deixou a esquerda na defensiva.

O que está em jogo, a partir de agora, é o que nós, da esquerda, vamos fazer para que a gente não sofra uma derrota histórica [na campanha à Presidência em 2026] que inauguraria um longo ciclo da extrema direita no poder no Brasil.

Vê risco real de derrota?
Quem salvou o país da extrema direita em 2022, no fio da navalha, foi o Lula, porque ele é a maior liderança popular da história do Brasil. E só quem pode fazer isso novamente em 2026 é ele. Lula é o fator que separa o Brasil do abismo da extrema direita e do fundamentalismo. Quem achou [em 2022, com a vitória de Lula] que o bolsonarismo estava no fim porque perdeu a Presidência fez uma leitura apressada.

Esse fenômeno político com viés fascista, autoritário, fundamentalista, ganhou uma parte expressiva da sociedade. Se agora fizermos a leitura errada da derrota [de 2024], vamos produzir outras derrotas.

E qual é a sua leitura?
Um sonho reúne um segmento que vai do [presidente do PSD, Gilberto] Kassab ao João Campos [prefeito reeleito de Recife pelo PSB], que é o de uma americanização da política brasileira, com democratas contra republicanos [referindo-se aos dois principais partidos dos EUA]. Centro contra a extrema direita. Ou seja, a utopia de uma sociedade sem esquerda.

Setores do PT, bem minoritários, afirmam que a esquerda foi derrotada porque não cedeu o suficiente em suas posições. Não virou centro.

Tiram a lição de que não há mais espaço para a esquerda na sociedade. Acreditam que a esquerda tem que se travestir de centro pois esse seria o único jeito de evitarmos o caos da extrema direita. Estão errados. Estão errados. Se a esquerda, agora, lambendo as feridas da derrota, cair nesse canto de sereia, cometerá um suicídio histórico. A extrema direita está construindo uma hegemonia de pensamento, inclusive em setores populares.

Se não sairmos da defensiva, ela vai se consolidar. A perspectiva é sombria. Precisamos ir para a disputa.

PERSPECTIVA TENEBROSA

E o que a esquerda pode fazer?
Essa visão [de que a esquerda tem que ceder ainda mais] está baseada em dois erros.

O primeiro é acreditar que a conquista de 2022 [da Presidência] foi a vitória de uma frente ampla, desconsiderando o peso do Lula naquela eleição.

É claro que a frente ampla foi necessária, e eu defendo a frente mais ampla possível para reeleger o Lula em 2026.

Mas se fosse qualquer outro candidato em 2022, liderando a mesma frente ampla, Bolsonaro teria conseguido se reeleger.

Um sonho reúne um segmento que vai do Kassab ao João Campos, que é o de uma americanização da política brasileira, com democratas contra republicanos. Ou seja, a utopia de uma sociedade sem esquerda

Guilherme Boulos, deputado e candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo

O outro erro é não enxergar como a extrema direita consolidou. Não foi se tornando centro. Foi disputando posições, valores, ideias na base da sociedade. Isso foi nos levando cada vez mais para a defensiva, para a defensiva, e eles foram ganhando [terreno]. A extrema direita está ganhando a disputa cultural por W.O.

RISCOS

Mas há fartos estudos que mostram que a extrema direita cresce no mundo porque os outros modelos vigentes já não trazem mais a prosperidade de antes, e ela é disruptiva em relação a eles.
Sim. Mas, quando chegou ao poder, a extrema direita tampouco conseguiu oferecer isso. Porque ela tem um discurso supostamente disruptivo, mas não tem nada de antissistema. O governo Bolsonaro foi antissistema? O Paulo Guedes no Ministério da Fazenda foi antissistema? Pelo amor de Deus! Esse é o sistema mais puro e escancarado.

Mas a narrativa pegou. E a esquerda não pode deixar de disputar na sociedade. Não é ser contra a prosperidade. É debater os caminhos para alcançá-la.

O [sociólogo] Jessé de Souza já disse que o risco que a gente vive hoje é o de o Brasil se tornar um Irã, no sentido cultural e social, com o domínio de um fundamentalismo monolítico.

E eu acrescento: a entrada do crime organizado e da milícia [na política] nos leva à possibilidade de um futuro muito difícil, de uma mistura de Irã com México, historicamente marcado pelo crime, por cartéis e por assassinatos.

Por isso essa disputa tem que ser feita agora.

Não falta sonho para a esquerda. O que falta hoje é a disputa desse sonho na sociedade.

Por que essa disputa deixou de ser feita?
O conjunto da esquerda entendeu que governar e oferecer resultados de melhoria de vida, o que particularmente os governos do PT inquestionavelmente fizeram, era suficiente para manter essa base social coesa em torno desse projeto. E isso foi suficiente —até a entrada da extrema direita em cena.

Quando ela passa a disputar visões de mundo, ideologia, e a esquerda não faz o mesmo, o resultado é as pessoas votarem no adversário com medo do comunismo.

É necessário mudar a estratégia e o método. É ir olho no olho, com coragem, em praça pública, fazer o diálogo com as pessoas.

Mas a praça pública hoje é a internet.
A praça pública virtual e a presencial se complementam. É preciso fazer a disputa nas redes e nas ruas.

TABATA AMARAL

Por que a direita parece hoje conseguir uma renovação expressiva de lideranças, ao contrário da esquerda?
Espera um pouquinho. Surgiram lideranças também na esquerda. Fernando Haddad, Flávio Dino. Erika Hilton cresceu e se fortaleceu. Tem um monte de nomes.

E a Tabata Amaral?

Ela se consolida como uma liderança nova. Eu a respeito. Declarou voto em mim no segundo turno. Agora, nós temos projetos diferentes. O projeto da Tabata é reconstruir o campo tucano, desse centro que está muito enfraquecido. O meu é fortalecer a esquerda brasileira na disputa de futuro.

O que será da esquerda quando Lula sair de cena?
Cada dia com a sua agonia. Hoje o Lula não só está vivo e forte como é o presidente do Brasil. E, no que depender do conjunto da esquerda brasileira, será candidato à reeleição em 2026.

Setores do PT fazem críticas à sua candidatura dizendo que ela era a crônica de uma morte anunciada por não dialogar com o centro da sociedade. Como o senhor as recebe?
Engenheiro de obra pronta é o que mais tem no mundo. As pessoas têm que escolher: ou vão fazer disputa politica, ou querem abrir escritório com a mãe Dinah.

Essas pessoas ignoram que eu coloquei um coronel da PM na minha equipe de [programa de] segurança. Que fiz dezenas de reuniões com empresários. Que buscamos diálogo com o centro. Mas isso não foi suficiente para reverter o cenário.

[As críticas] Expressam a diferença de fundo de projeto. O [deputado federal Washington] Quaquá e o [deputado federal] Jilmar Tatto [autores das críticas] entendem que a esquerda, para ser competitiva, tem que se render inteiramente à lógica das emendas e do que virou o sistema político.

Eu não concordo com essa visão. A nossa diferença está aí. Não é pessoal. É de perspectiva.

O senhor sofreu críticas à esquerda também.
Eu vi as críticas, de que foi um erro não ter levantado as bandeiras de esquerda. Jesus! Eu defendi o movimento sem teto a campanha inteira. Defendi a desapropriação de imóveis abandonados no centro para fazer moradia social, a metade do secretariado para mulheres, educação antirracista nas escolas, um SUS modelo em SP. São críticas que muitas vezes vêm de pessoas que se você pedir para ir para M’Boi Mirim [na zona sul de SP] sem GPS vão demorar uns três dias [para chegar].

Engenheiro de obra pronta é o que mais tem no mundo. As pessoas [do PT que criticam sua candidatura] têm que escolher: ou vão fazer disputa politica, ou querem abrir escritório com a mãe Dinah

Guilherme Boulos, deputado e candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo

Não podemos ir nem ao céu nem ao inferno. Houve erros que já admiti. Mas não podemos também ficar com autoflagelo, porque isso não aponta para o futuro.

NOVA PERIFERIA

Por que sua candidatura não conseguiu dialogar com o que o senhor define como nova periferia?
As pesquisas qualitativas [em que se conversa mais demoradamente com grupos de eleitores] mostravam que as pessoas me associavam à defesa dos mais pobres. Mesmo quem era de direita dizia isso.

Mas uma parte delas, mesmo das classes D e E, falava: “Boulos defende o pobre. Mas eu sou empreendedora. Eu não sou pobre”.

É parte dessa mudança na sociedade, nas relações de trabalho, em que mesmo quem fica na moto 12 horas por dia para tirar no fim do mês o que paga de aluguel e contas não se enxerga como uma pessoa pobre.

Nós não conseguimos construir os termos corretos para dialogar com essas pessoas.

E o que vocês têm, afinal, a dizer para elas?
Nós não podemos brigar com o desejo das pessoas de prosperar. Temos é que debater os caminhos e as formas de se prosperar. As pessoas dizem não querer nada do Estado. Mas querem ter o filho em uma boa escola pública. Querem o financiamento do Minha Casa, Minha Vida. Eu fico doente, vou para o SUS.

O discurso [da extrema direita contra o Estado] não para em pé. É preciso defender uma sociedade de direitos contra o cada um por si.

Mas se só tem um lado falando que aquela cadeira [apontando para uma cadeira de praia] é verde, verde, verde, as pessoas vão se convencer de que ela é verde. É preciso que alguém diga: “Acorda! Essa cadeira é azul”.

Entrevista exclusiva à coluna da repórter Mônica Bergamo, na Folha de São Paulo

Fonte: https://agendadopoder.com.br/boulos-diz-que-sera-suicidio-se-esquerda-ouvir-o-canto-da-sereia-e-se-travestir-de-centro-para-ganhar-eleicoes/