2 de dezembro de 2025
Brasil refina cada vez mais cocaína com expansão de facções
Compartilhe:

Em setembro, um homem de 55 anos apontado como líder de uma organização criminosa de Goiás com atuação no tráfico interestadual de drogas foi preso em Lauro de Freitas, na Bahia. O suspeito, que possuía três mandados de prisão em aberto e utilizava documentos falsos, foi localizado em uma residência de alto padrão no bairro de Ipitanga.

As investigações indicam que ele realizava procedimentos estéticos no rosto para dificultar sua identificação. No mesmo mês, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul prendeu outro homem em Eldorado do Sul em uma casa, flagrado com 128 quilos de crack, 21 quilos de cocaína e mais de 300 quilos de maconha. Em março, cinco homens foram presos com quase 1,5 tonelada de cocaína em Salesópolis, na região metropolitana de São Paulo. 

Os exemplos acima seriam apenas notícias aleatórias sobre a prisão de traficantes de drogas, corriqueiras e diárias Brasil afora, não fosse um detalhe: nos três casos, e em diversos outros ocorridos ao longo dos últimos anos, os suspeitos foram presos em locais — geralmente residências, chácaras ou galpões — onde estavam instalados laboratórios para o refino de cocaína. 

Tradicional corredor de passagem para exportação para o mercado internacional, com a expansão das facções criminosas pelo país afora, especialmente para a região amazônica, o Brasil entra agora no mapa dos locais onde é feita a transformação da pasta-base da folha de coca em cocaína — papel antes restrito a países andinos que concentram as plantações de coca, como Peru e Bolívia.

Entre 2019 e junho deste ano, foram descobertos 550 laboratórios para o refino e processamento de cocaína no território brasileiro. É o que revela levantamento do instituto Fogo Cruzado para o estudo “Floresta em Pó”, feito em parceria com a iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas e a Drug Policy Reform & Environmental Justice International Coalition, além de outras instituições.

VEJA TAMBÉM:

  • Dominada por facções, Roraima vive terror imposto por venezuelanos do Tren de Aragua

Refino da cocaína gera lucro extra de R$ 30 bilhões para facções no Brasil 

Segundo o estudo, publicado no final de outubro, o refino da cocaína no Brasil pode ter rendido até R$ 30 bilhões extras em lucros para as facções criminosas no país — em 2024, apenas o tráfico de cocaína movimentou US$ 65,7 bilhões no Brasil, estima o “Floresta em Pó”. Dos 550 laboratórios identificados em território nacional no levantamento, 471 ficavam em áreas urbanas, 63 em zonas rurais e seis em regiões florestais.

“Um dos principais resultados dos esforços de erradicação nas zonas de cultivo de coca e da fragmentação dos grupos armados foi a realocação dos grandes laboratórios e a complexificação da cadeia produtiva da cocaína em países vizinhos”, afirma a análise publicada junto com os números. “Embora o processamento da droga ainda ocorra em regiões de floresta na tríplice fronteira amazônica (Colômbia-Peru-Brasil), e, em menor escala, na Bolívia, Venezuela e Paraguai, o papel do Brasil como hub global de refino e distribuição da cocaína cresceu significativamente nos últimos anos”, alerta o levantamento.

O estudo também se debruça sobre as principais rotas internacionais de transporte da droga em território brasileiro — a Rota Caipira, a Rota do Solimões e a Rota Amazônica — e como a prática criminosa reverbera em áreas como devastação ambiental, violência, saúde pública e economia. De acordo com o instituto Fogo Cruzado, o cultivo de coca na Amazônia permanece essencialmente na Colômbia (66%), no Peru (23%) e na Bolívia (11%). São esses países que fornecem a matéria-prima para o refino em território brasileiro.

A pesquisa foi realizada com base em dados públicos obtidos por meio das forças de segurança estaduais (polícias Militar e Civil) e federais (Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal), além de informações obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI). Para a análise, foi desenvolvido um algoritmo que catalogou os registros de operações policiais e os classificou conforme os termos utilizados nos relatórios, como “processamento de drogas” e “laboratório de refino”. 

O estudo também categorizou os laboratórios de acordo com sua função — refino ou adulteração/engorda — e com a escala de produção: atacado, quando voltado à produção em grande escala, e varejo, para o abastecimento local. 

VEJA TAMBÉM:

  • Polícia do PR encontra dinheiro em fundo falso na casa de chefe que abastecia facções com fuzis

    Rede logística do crime organizado operava em Curitiba para abastecer PCC e CV com fuzis e drogas

Estados são escolhidos de forma estratégica por localização na rota do tráfico

Entre os estados com maior incidência estão Goiás, São Paulo e Minas Gerais, por suas localizações estratégicas dentro das rotas do tráfico. Goiás concentra 125 laboratórios clandestinos de cocaína, tendo o maior número do país. O número é quase 200% maior do registrado pelo Amazonas, estado que ficou em segundo lugar com 42 laboratórios. Ambos os estados ocupam posição geográfica central nas rotas de tráfico de drogas, funcionando como ponto de entroncamento entre regiões produtoras e centros de distribuição internacional e mercados consumidores. 

O estudo “Floresta em Pó” estima que existam pelo menos 5 mil laboratórios de cocaína ativos no país durante o período do levantamento. O cálculo segue uma metodologia internacional amplamente aceita academicamente, que estima que as apreensões de drogas refletem em média de 10% a 20% de toda a droga em circulação todos os anos.

Essa tendência de nacionalização do refino da cocaína também encontra respaldo nas informações sobre o desmantelamento de laboratórios clandestinos no Peru e na Bolívia. Segundo relatórios do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC),de 2022 e 2023, a queda no número de pontos de refino detectada em ambos os países foi de 22% e 48%, respectivamente. Como as apreensões globais só cresceram no mesmo período, isso indica que parte da atividade pode ter migrado para outras regiões como o Brasil.

Apesar dos crescentes indícios de que uma parte da produção de cocaína migrou para o Brasil, prevalece uma escassez de informações consolidadas sobre o tema, concluí o relatório inédito. “Em que pesem os frequentes registros das forças de segurança de identificação de laboratórios, não existem, por exemplo, dados governamentais que permitam traçar um panorama da estrutura de refino no país”, afirma a análise.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/brasil-refina-cada-vez-mais-cocaina-com-expansao-de-faccoes-criminosas/