17 de julho de 2025
Câmara aprova projeto que enfraquece licenciamento ambiental e governo deve
Compartilhe:

A Câmara dos Deputados aprovou, na madrugada desta quinta-feira (17), o projeto de lei que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental no Brasil. A proposta foi aprovada por 267 votos a favor e 116 contra, numa sessão esvaziada e sob críticas de ambientalistas e da própria base governista.

Apesar de ter orientado voto contrário à matéria, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liberou a base para votar como quisesse, o que evidenciou o racha interno sobre o tema. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, liderou os apelos para o texto ser barrado, mas foi ignorada por parte do próprio governo, incluindo ministros como Rui Costa (Casa Civil), Carlos Fávaro (Agricultura), Alexandre Silveira (Portos e Aeroportos) e Renan Filho (Transportes), que apoiaram a medida.

O projeto foi o último a ser analisado antes do recesso parlamentar e foi aprovado às 3h40 da madrugada, depois que todos os destaques — tentativas de alteração no texto — foram rejeitados. A votação ocorreu de forma remota, após o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), liberar os parlamentares.

A proposta agora segue para a sanção ou veto do presidente Lula, mas já é considerada por deputados como um provável caso para o Supremo Tribunal Federal (STF), diante das alegações de inconstitucionalidade levantadas durante a tramitação.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), tentou adiar a votação, sem sucesso. “Faltaram alguns pontos essenciais na negociação política, como descentralização, enfim. Lutei muito para que fizéssemos diálogo e debate, e fosse para primeira quinzena de agosto. (…) Não foi possível, também isso não entendo como sendo o fim do mundo. Parlamento é democrático”, afirmou. “Vamos encaminhar voto contrário ao relatório. Fazemos isso no maior grau de respeito”, completou.

Críticas da base aliada e impactos à imagem internacional

A ministra Marina Silva afirmou que a votação do projeto às vésperas da COP30, que será realizada em novembro em Belém (PA), compromete a imagem do Brasil no cenário internacional. “Apresentamos um conjunto de propostas que não foram acatadas [durante a tramitação do projeto]. Queremos o necessário tempo para construir alternativas, as alternativas não se constroem de uma hora para outra”, afirmou.

Ela também criticou o trecho que mantém a possibilidade de estados e municípios emitirem licenças com base em critérios próprios. “Se cada estado determinar o que é risco ambiental de forma diferente na sua unidade da federação, isso vai criar um processo de questionamento jurídico, de judicialização, generalizado. E o rio não muda porque está no Espírito Santo ou em Minas Gerais, os cuidados ambientais têm que continuar sendo os mesmos”, alertou.

Pontos polêmicos do projeto

O texto aprovado manteve todos os dispositivos mais criticados pelos ambientalistas. Entre eles, a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), que permite ao governo federal classificar empreendimentos como “estratégicos” e submetê-los a um licenciamento simplificado, com apenas uma etapa e prazo máximo de um ano — mesmo que envolvam grande impacto ambiental. A medida é apoiada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e pode abrir caminho para projetos como a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, criticada por Marina Silva, mas defendida por setores do governo.

Também foi mantida a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), que dispensa a análise individual de empreendimentos de pequeno e médio porte, desde que os responsáveis se comprometam a cumprir exigências previamente estabelecidas.

Outros pontos incluem:

  • Inclusão da mineração no escopo das novas regras;
  • Incentivo a obras do Novo PAC, como rodovias, que podem impulsionar o desmatamento;
  • Revogação de trechos da Lei da Mata Atlântica;
  • Limitação das áreas protegidas a Terras Indígenas homologadas e Territórios Quilombolas titulados, excluindo territórios em processo de regularização;
  • Criação de uma lista de atividades isentas de licenciamento, como diversas atividades do agronegócio e parte do saneamento básico.

Divisões internas e risco de judicialização

Embora reconheçam a necessidade de atualizar o licenciamento ambiental no Brasil, setores divergem sobre a forma. O agronegócio e parte da indústria defendem o projeto por aumentar a segurança jurídica. Já especialistas e ambientalistas veem riscos de fragilização dos controles e aumento da judicialização, justamente por conceder ampla autonomia a entes federativos para definir critérios de risco.

“Ele divide inclusive o setor produtivo, que cada vez mais está se manifestando sobre a possibilidade de judicialização que este projeto pode causar, porque ele tem várias inconstitucionalidades”, alertou a líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), durante a sessão.

Diante do resultado, o PSOL e outros partidos avaliam recorrer ao Supremo Tribunal Federal para tentar barrar trechos da nova legislação, apelidada por críticos como “PL da Devastação” ou “mãe de todas as boiadas”.

Clima tenso e cenário político desfavorável

A sessão foi marcada por clima tumultuado. Parlamentares de esquerda tentaram obstruir os trabalhos para adiar a votação. Além disso, havia forte reação ao julgamento do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que derrubou parcialmente a lei que revogava o aumento do IOF. O episódio aumentou o atrito entre os Poderes e ampliou a tensão política na Câmara, que parece correr para esvaziar a pauta antes do recesso, mesmo com o plenário vazio e pouca discussão pública.

Com a sanção pendente, a pressão agora recai sobre Lula, que deverá enfrentar o dilema entre acatar os interesses de setores econômicos e manter o compromisso com a agenda ambiental que ajudou a projetar sua imagem no exterior.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/camara-aprova-projeto-que-enfraquece-licenciamento-ambiental-e-governo-deve-ir-ao-stf/