22 de setembro de 2024
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Alçado ao segundo lugar na pesquisa Datafolha divulgada na última quinta-feira (22), o candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) mantém uma fábrica de conteúdos para a sua campanha nas redes sociais a partir da plataforma Discord, muito usada por adeptos de jogos online.

Segundo informa a coluna de Malu Gaspar, no jornal O GLOBO, a comunidade se chama “Cortes do Marçal”, e funciona como um grande grupo de troca de mensagens e conteúdos variados, com 148 mil membros que disputam um concurso de vídeos e outros materiais em troca de prêmios em dinheiro que podem chegar a R$ 22 mil reais.

Até a campanha começar, o esquema de pagamento para multiplicação de vídeos visava promover engajamento principalmente para vídeos que reproduzem trechos de entrevistas, lives, palestras e falas de Marçal em debates.

Agora na mira da Justiça Eleitoral, que avalia se esse pagamento configura abuso de poder econômico – suficiente para cassar uma candidatura –, o canal tem direcionado as competições de vídeos pagos para os sócios do ex-coach. Alguns dos vencedores, porém, são vídeos com os sócios fazendo campanha para o próprio Marçal.

Ao longo de dois dias, quinta (22) e sexta-feira (23), a reportagem monitorou o canal de Marçal no Discord e contabilizou 230 recortes em prol do candidato compartilhados.

Nos diálogos, pessoas de várias partes do país e brasileiros que afirmaram morar em Portugal se oferecem para fazer campanha dia e noite, produzindo vídeos virais em troca de dinheiro. Mas nas respostas, os administradores dizem que deram uma pausa no pagamento dos vídeos de Marçal em cumprimento a lei eleitoral.

Ainda assim, todo o treinamento é feito com vídeos sobre Marçal, utilizando dezenas de tutoriais e recortes – vários deles com a logomarca oficial da campanha, incluindo o nome de Marçal, sua vice, Antônia de Jesus (PRTB), e seu número na urna.

Entre 31 de julho e 18 de agosto, foi feita uma competição paga por recortes que seriam para a rede social de um sócio de Marçal, o empresário Marcos Paulo, que se apresenta como empresário de marketing digital nas redes.

Nessas competições, todos os usuários postam seus vídeos ao longo de um prazo determinado que, no último caso, foi de 19 dias. Após o término da disputa, a relação de vencedores é publicada na comunidade, ao lado dos prêmios correspondentes. Mas, depois disso, os resultados são apagados.

No concurso de recortes do aliado de Marçal, que tem 1 milhão de seguidores, o prêmio para os três melhores colocados foi de 22 mil reais cada – o principal critério é o engajamento das publicações. Quem ficou entre a quarta e a décima posição ganhou R$ 2 mil. Os outros dez ganharam entre R$ 500 e R$ 800, a depender do ranking.

Havia ainda uma segunda categoria de premiados que ganharam pela quantidade de vídeos publicados. Nesse caso, os prêmios foram de R$ 100 e R$ 1,5 mil. Outro prêmio possível pagava para quem tivesse mais visualizações num único dia – aí as remunerações eram menores, de R$ 50 a R$ 200.

Nesta categoria, um dos vídeos vencedores trazia Marcos Paulo prevendo que Marçal venceria a disputa pela prefeitura de São Paulo já no primeiro turno.

Na próxima competição, prevista para a segunda-feira (26), o personagem deve ser Renato Cariani, outro sócio de Marçal. Cariani é réu na Justiça por tráfico de drogas e suspeito de desviar insumos farmacêuticos para a produção de entorpecentes por facções criminosas. Ele e o coach promoveram um curso de autoajuda, encerrado em julho.

Para Maíra Recchia, advogada especialista em direito eleitoral e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), todas essas postagens indicam que o Discord de Marçal descumpre a lei eleitoral.

“Não se pode pagar ou premiar para ter engajamento nas redes que levam o nome do candidato sob pena de haver ilícito eleitoral”, afirma Maíra.

“Inclusive pode-se analisar se a premiação de maneira cruzada para seus sócios induzem o eleitorado a engajar referidos perfis que são serão verdadeiros cabos eleitorais do candidato e estão diretamente ligados à campanha. Condutas assim podem configurar abuso de poder econômico e ter consequência para todos os envolvidos”.

Um ex-ministro do TSE ouvido sob reserva pela equipe da reportagem avalia que a conduta da comunidade de Marçal no Discord pode configurar ainda o uso indevido de meios de comunicação social e violação das regras de financiamento de campanhas.

Outro ex-magistrado pontua que é necessário esclarecer se a remuneração dos participantes é viabilizada ou auxiliada pelos recursos eleitorais de Marçal e vê as premiações como um fator preocupante:

“Ainda que não sejam impulsionamentos, acabam tendo efeitos semelhantes”, opinou este ex-integrante da Corte eleitoral.

Munido desse mesmo entendimento, o Ministério Público Eleitoral entrou com uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) pedindo a suspensão da candidatura por abuso de poder econômico e, nos autos, citou o “ estímulo das redes sociais para replicar sua propaganda eleitoral é financiado, mediante a promessa de pagamentos aos ‘cabos eleitorais’ e ‘simpatizantes’ para que as ideias sejam disseminadas no sentido de apoio eleitoral à sua candidatura”.

Na última quinta-feira, o PSB da candidata à prefeitura Tabata Amaral também acionou a Justiça, pedindo a suspensão do canal e a cassação da candidatura do coach, além de sua inelegibilidade por oito anos, por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação.

Procurado, o jurídico da campanha de Pablo Marçal não retornou até o fechamento da reportagem. O espaço segue aberto.

Troca frenética de mensagens

Nenhuma dessas medidas parece ter desencorajado os participantes da comunidade, que passam o dia numa troca frenética de mensagens e conteúdos, que vira e mexe trata da candidatura de Marçal.

Na quinta-feira, muitos comemoraram o desempenho dele na pesquisa do Datafolha, que trouxe o coach à frente do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), e tecnicamente empatado com o líder da disputa, Guilherme Boulos (PSOL).

“Marçal está empatado com o Boulos nas pesquisas. Bora São Paulo!!!”, escreveu um dos membros.

“As eleições prometem!!! Tá pegando fogo. Bora!!!”, publicou outro integrante, seguido de um emoji de oração.

“Deus abençoe esse homem. Vou ficar na torcida. Pena que não voto em São Paulo”, escreveu uma terceira pessoa, sem especificar sua cidade ou estado.

O ambiente virtual oferece uma série de tutoriais para que os recortes atendam aos critérios de algoritmos das redes sociais para viralizar e atingir o maior público possível, incluindo instruções específicas para monetizar os perfis, ou seja, torná-los virais o suficiente a ponto de serem remunerados pelas plataformas.

Os participantes são encorajados a criar conteúdos para o TikTok, o Instagram e a modalidade Shorts do YouTube, similar ao formato das duas primeiras, a partir de um farto acervo de vídeos de Marçal disponibilizado no próprio Discord.

Na seção de “perguntas frequentes”, ainda acessível até o fechamento desta reportagem, os administradores do canal explicam como os participantes podem ganhar dinheiro divulgando Marçal: “Participando da competição, você pode ganhar as premiações! E através da monetização de suas redes sociais, na qual, deverá ser o seu maior foco. Pois pode virar uma renda passiva ao decorrer do tempo!”.

Em entrevista a um podcast, Marçal disse que a estratégia das competições foi uma ideia sua e resultou em “uma explosão de cortes” na internet.

O histórico de conversas da comunidade do Discord indica também que Marçal retirou “cursos” de cortes em redes sociais da plataforma. Não se sabe se a decisão está atrelada à campanha eleitoral. Atualmente, alguns tutoriais disponíveis gratuitamente são acompanhados de um aviso que diz não haver relação entre as dicas oferecidas e o candidato à prefeitura paulistana, embora sejam ilustrados com uma imagem dele e a legenda “Cortes do Marçal”.

“Comprei um curso de cortes e não sei nem onde foi parar. É um do Pablo Marçal, paguei R$ 9,90”, escreveu um participante.

“Pessoal, comprei um curso do Marçal, o IP12 e um de como fazer cortes, ele ficava na plataforma membros.pablomarcal.blog mas agora não consigo acessar, sabem o que aconteceu?”, reclamou outro.

Cotidiano da comunidade

Durante o período em que a equipe do blog monitorou o cotidiano da comunidade de Marçal, o chat dos 148 mil participantes foi inundado por mensagens de membros recém-integrados ao canal em busca do “segredo” para viralizar os recortes do candidato à prefeitura de São Paulo.

“Boa noite. Não consigo postar meus cortes. Preciso fazer renda urgente”, escreveu um perfil identificado como Sandra.

“Boa noite, povo. Sou nova aqui e queria entender como é esse jogo de cortes do Pablo. Como funciona para ganhar money [dinheiro] com isso?”, perguntou outra integrante do canal, entre centenas de perguntas similares.

(Colaborou Rafael Moraes Moura, de Brasília)

Fonte: https://agendadopoder.com.br/canal-de-marcal-na-rede-discord-vira-fabrica-de-conteudos-pagos-para-impulsionar-sua-campanha/