Enquanto o debate sobre o reajuste nas taxas cobradas pelos cartórios do Paraná mobiliza entidades como a OAB-PR, os representantes dos serviços extrajudiciais se articulam para explicar os motivos que embasam o aumento. Eles afirmam que a medida não se trata de elevação arbitrária de valores, mas de uma recomposição necessária após décadas de defasagem e desatualização normativa.
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O Projeto de Lei nº 1016/2025, enviado pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), prevê uma reforma estrutural na tabela de emolumentos vigente desde 1970. Se aprovado, o teto para alguns serviços pode mais do que dobrar — de R$ 1.194 para até R$ 2.500. No entanto, mesmo com o reajuste, o Paraná continuaria com o menor teto de emolumentos do Brasil.
Defasagem de décadas não contemplaria modernização de serviços
Segundo os cartórios, a atual legislação de custas é a mais antiga do país e já não contempla inúmeros serviços modernos, como atos eletrônicos, retificações administrativas ou regularizações fundiárias extrajudiciais. A última atualização efetiva dos valores ocorreu em 1997.
Desde então, as correções foram limitadas e não acompanharam índices como o IPCA. Um estudo da Secretaria de Finanças do TJ-PR aponta que o valor de referência atual, de R$ 0,277, deveria ser de R$ 0,411, uma defasagem inflacionária superior a 48%.
Essa distorção tem gerado um esvaziamento das serventias. “De janeiro de 2023 até agora, tivemos 124 renúncias, de tabeliões que assumiram cartórios em cidades como Maringá e Curitiba, mas não quiseram mais e preferiram ir para o interior de outros estados. Somados, temos praticamente 200 cartórios vagos, de um total de 960 cartórios do Paraná”, afirma Erika Medeiros Krügel Stocco, diretora de Comunicação do Registro de Imóveis do Brasil – Seção Paraná (RIB-PR).
Para ela, os motivos que levam ao abandono da função vão além da remuneração. “O primeiro ponto é o desconforto de não ter transparência para o usuário sobre as cobranças, tem muitas instruções normativas, é uma colcha de retalhos”, diz. Krügel também destaca que “essas unidades não conseguem financiar atualizações nem investir em equipamentos, mesmo exigindo profissionais aprovados em concursos altamente disputados”.
Reajuste proposto para cartórios no Paraná tem viés social
Uma das principais frentes de defesa do projeto que visa o reajuste dos cartórios no Paraná é seu viés social. O novo modelo adota critérios de capacidade contributiva: imóveis de valor mais alto pagarão mais; para os de menor valor, e para beneficiários de programas habitacionais como o “Minha Casa, Minha Vida”, haverá isenções e descontos.
Além de manter gratuidades em atos como registro de nascimento e falecimento, a proposta prevê redução nos emolumentos de procurações para ações trabalhistas, farmácias populares, e registros ligados a programas habitacionais da COHAB/COHAPAR. Os representantes do setor afirmam que a população mais vulnerável será beneficiada.
A movimentação recente indica ainda uma tentativa de consenso envolvendo os principais setores impactados. O Sindicato da Construção Civil do Paraná (Sinduscon-PR), em diálogo com as entidades representativas dos cartórios, firmou um termo de acordo e deve propor, em conjunto com elas, uma nota oficial à Assembleia Legislativa.
O objetivo é sugerir uma emenda ao projeto para resolver de forma definitiva a faixa de emolumentos aplicável ao programa “Minha Casa, Minha Vida”, minimizando os impactos sobre compradores de imóveis populares. A proposta será apresentada antes da votação do texto em plenário.
Paraná continuará com a menor cobrança do país mesmo após nova legislação
Dados comparativos apresentados no projeto mostram que, mesmo com o reajuste proposto, o teto de R$ 2.500 seria significativamente menor do que os praticados em outros estados. Em São Paulo, por exemplo, o teto para registros pode chegar a R$ 135 mil, enquanto no Rio de Janeiro ultrapassa os R$ 30 mil, dependendo do tipo de ato.
“Hoje o regimento de recursos do Paraná é o pior do Brasil“, afirma Rogério Portugal Bacellar, presidente da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR). “Cartórios em divisas perdem serviço para o Paraná, como Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e São Paulo. É uma desigualdade tremenda e eles estão reclamando muito”, complementa.
Outro ponto destacado é o esforço de simplificação e modernização. A proposta elimina o uso do Valor de Referência de Custas (VRC), passando a expressar os valores diretamente em reais. Isso, segundo os cartórios, aumentará a transparência para os usuários, que muitas vezes não compreendem os critérios atuais.
Além disso, o texto reúne e organiza normas esparsas hoje espalhadas em portarias e circulares. E a atualização da tabela também é vista como essencial para o investimento em tecnologia. De janeiro a agosto de 2025, foram mais de 1,7 milhão de solicitações pelo sistema RI Digital no Paraná.
O parecer favorável do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) endossa a proposta de reajuste dos cartórios no Paraná. O órgão afirmou que o texto vai além de uma simples atualização monetária e representa uma reforma estrutural legítima, que respeita a proporcionalidade, evita abusos e mantém o Paraná entre os estados com as menores tabelas do país.
O projeto também recebeu aprovação unânime do Órgão Especial do TJ-PR, formado por 25 desembargadores.
Desafios na articulação e resistências sociais
Apesar do esforço das entidades representativas dos cartórios para demonstrar a necessidade do projeto, ainda há resistências significativas. O trabalho de articulação junto aos atores sociais deve se intensificar nas próximas semanas.
Entidades que representam os agricultores do Paraná, por exemplo, expressaram preocupação com os possíveis impactos financeiros da proposta sobre a aquisição de créditos rurais, o que pode afetar produtores e cooperativas do setor agropecuário.
Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/cartorios-parana-defendem-reajuste-taxas/
