
O assessor especial da Presidência da República para assuntos internacionais, Celso Amorim, afirmou que o Brasil não deve aceitar a nomeação de um novo embaixador de Israel no país enquanto persistir a atual ofensiva militar na Faixa de Gaza. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Amorim também defendeu que o governo Lula formalize sua participação na ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça, que acusa o Estado israelense de genocídio.
“A posição correta hoje, na minha opinião, é a gente entrar como parte na ação da África do Sul por genocídio; manter as relações [com Israel] em níveis mínimos e ser muito severo no acordo de livre comércio, talvez até suspendê-lo”, declarou Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e nome de confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na política externa.
A declaração reforça a postura crítica do Palácio do Planalto em relação às ações do governo de Binyamin Netanyahu, especialmente após o agravamento da crise humanitária em Gaza. Segundo Amorim, é fundamental distinguir o povo judeu e o direito do Estado de Israel de existir da conduta do atual governo israelense.
“Não tem nenhum radicalismo nisso. É preciso distinguir o povo judeu, que deu imensas contribuições à humanidade; o Estado de Israel, que tem direito de existir e de se defender contra terrorismo ou o que for; e o governo Netanyahu, que está praticando um genocídio”, afirmou.
Críticas ao ataque israelense e cautela diplomática
Ao comentar o agravamento da situação humanitária na região, Amorim classificou como “impensável” o número de vítimas civis, sobretudo mulheres e crianças. “É muito ruim matar 2.000 pessoas, é péssimo, é horrível e condenável. Mas matar 60 mil, 70 mil… mulheres e crianças na fila humanitária, é impensável”, disse.
O assessor lamentou a reação desproporcional de Israel ao ataque do Hamas em outubro de 2023, que motivou a escalada do conflito. Ele explicou que o Brasil optou por manter uma representação diplomática mínima em Tel Aviv, em razão da necessidade de prestar assistência a cidadãos brasileiros tanto em Israel quanto nos territórios palestinos.
Brics, multilateralismo e crítica a Trump
Ao falar sobre a cúpula do Brics, que começa neste domingo (6) no Rio de Janeiro, Amorim lamentou a ausência de líderes como Xi Jinping (China), Vladimir Putin (Rússia) e Abdel Fattah el-Sisi (Egito), mas considerou compreensíveis as circunstâncias. O dirigente chinês, segundo ele, é uma “personalidade de grande importância no mundo”, mas sua ausência não compromete a relação com o Brasil.
“É uma pessoa que tem grande influência. Mas também você tem que respeitar. Nós tivemos duas reuniões [do presidente Lula com ele] em seis meses. Não podemos aqui dizer que estamos ofendidos, nem nada disso. Agora, que ele faz falta, faz”, afirmou.
Amorim também destacou o papel do Brics como defensor do sistema internacional multilateral, que, segundo ele, está sendo corroído por ações unilaterais dos Estados Unidos, especialmente sob a liderança do presidente Donald Trump.
“O multilateralismo de hoje não é idêntico ao multilateralismo de 1945. Nós defendemos o sistema multilateral. É surpreendente que a maior potência do mundo, que criou o sistema multilateral, tenha se afastado e o abandonado”, criticou.
Para o assessor, a imposição de acordos bilaterais e medidas protecionistas nos moldes da política americana representa uma ameaça à paz e à estabilidade global. “Essas ações unilaterais que estão sendo tomadas são a maior ameaça à ordem mundial atual”, alertou.
Repercussões e possíveis sanções dos EUA
Amorim foi questionado sobre como o Brasil deve reagir a eventuais sanções dos EUA contra ministros do Supremo Tribunal Federal, como Alexandre de Moraes. A possibilidade é ventilada por aliados de Trump diante de investigações que atingem figuras próximas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
“É uma coisa totalmente absurda. Qual vai ser a medida concreta que a gente vai tomar, eu não sei. Mas é uma coisa totalmente absurda e inaceitável. Eu não creio que os Estados Unidos chegarão a esse ponto, mas, se isso ocorrer, haverá certamente medidas da nossa parte”, respondeu.
O ex-chanceler também condenou a pressão norte-americana contra países que regulam as big techs, como o Canadá e a União Europeia. Para ele, essas ameaças são incompatíveis com o espírito do multilateralismo e agravam os riscos de instabilidade global.
Histórico diplomático de Celso Amorim
Aos 83 anos, Celso Amorim tem uma trajetória extensa na diplomacia brasileira. Ingressou no Instituto Rio Branco em 1965 e atuou em diversos postos estratégicos, como as representações permanentes do Brasil na ONU, em Genebra e na OEA. Foi ministro das Relações Exteriores nos governos Itamar Franco e Lula, além de ter comandado o Ministério da Defesa durante a gestão de Dilma Rousseff.
Desde 2023, Amorim lidera a assessoria internacional da Presidência da República, sendo responsável por articular posições estratégicas do Brasil em temas sensíveis como o conflito no Oriente Médio, o papel do Brics e a política externa diante de um cenário global em transformação.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/celso-amorim-propoe-acao-contra-israel-por-genocidio-em-gaza-e-diz-que-brasil-nao-deve-aceitar-novo-embaixador/