24 de fevereiro de 2025
Centro de espionagem que monitorou cidadãos na ditadura é mancha
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A atuação do Centro de Informações do Exterior (Ciex), divisão clandestina do Itamaraty dedicada ao monitoramento de milhares de brasileiros exilados no exterior e estrangeiros que faziam parte de suas redes de contato durante boa parte da ditadura militar-empresarial, é até os dias de hoje uma mancha na história da diplomacia brasileira. Segundo infoma Malu Gaspar em sua coluna no jonral O GLOBO, a existência do Ciex jamais foi admitida oficialmente pelo Ministério das Relações Exteriores, mesmo passados 40 anos desde a redemocratização. A portaria que o criou até hoje não foi tornada pública.

Nesse período, ainda que diplomatas aposentados tenham admitido em entrevistas o funcionamento da divisão do Itamaraty e a função de vigiar asilados em outros países da América Latina e até na Europa e na África, o MRE jamais fez uma revisão histórica de seu papel na ditadura.

Um grupo de pesquisadores brasileiros compilou 8.330 telegramas emitidos pela divisão do Itamaraty entre 1966 e 1986. O levantamento mapeou a vigilância de 17 mil pessoas com o objetivo de rastrear a mobilização política dos opositores do regime no exterior. Apenas 30% delas eram brasileiros.

A arapongagem no coração da diplomacia foi revelada em uma série de reportagens do Correio Braziliense em 2007. Então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim declarou ao jornal que não comentaria a existência do Ciex, e se tornou alvo de críticas de familiares de desaparecidos políticos.

Tal postura permaneceu nos governos seguintes e continua agora, no terceiro mandato de Lula. Questionado pela equipe da reportagem sobre o motivo pelo qual nunca reconheceu as atividades de espionagem, o Itamaraty deu uma resposta evasiva.

Se limitou a dizer que, por determinação da então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff em 2006, a pasta encaminhou ao Arquivo Nacional todos os documentos emitidos entre 1965 e 1990, compreendendo o período de exceção e a primeira fase da redemocratização, que tivessem relação com os órgãos que integravam o extinto Sistema Nacional de Informações (SNI). O Ciex era um deles.

“Ao todo, foram enviados ao Arquivo Nacional pelo Itamaraty mais de 4 toneladas de documentos, que passaram a ser da responsabilidade daquela autarquia, inclusive para efeitos de consulta”, afirma a nota.

A reportagem também questionou quantos servidores do MRE integraram o Ciex, sua atribuição formal no governo, os países onde atuou e solicitamos a íntegra da portaria responsável pela sua criação, até hoje não conhecida. Não houve resposta do Itamaraty.

Amorim também foi procurado, mas não respondeu às mensagens da reportagem. Sob condição de anonimato, interlocutores da diplomacia brasileira dizem que o fato de ter aberto todos os documentos do Ciex ao Arquivo Nacional para consulta pública já é, por si, um reconhecimento oficial.

No entanto, passados quase 20 anos desde a disponibilização do imenso acervo, o material foi recolhido e garimpado por pesquisadores e iniciativas como a Comissão Nacional da Verdade (CNV) por conta própria, sem qualquer avaliação por parte dos governos que passaram pelo Palácio do Planalto.

Matias Spektor, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e um dos autores do levantamento, defende a importância do Estado brasileiro encarar o tema de frente para “assegurar que uma história tão nefasta quanto essa” não se repita no futuro.

“É compreensível que o Itamaraty em 2025 tenha dificuldade de lidar com esse passado. Afinal de contas, é uma história que mostra como a chancelaria trabalhou para vitimizar brasileiros, e penas uma minoria minúscula da base de dados é composta por indivíduos ligados à luta armada”, aponta Spektor.

“Esse receio também é esperado porque o MRE violou várias regras internacionais de não ingerência em assuntos externos com processos de repatriação forçada e o monitoramento de políticos estrangeiros. Além disso, muitos dos funcionários que trabalharam na máquina de repressão continuaram suas carreiras como diplomatas no Itamaraty depois de terminada a ditadura”.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/centro-de-espionagem-que-monitorou-cidadaos-na-ditadura-e-mancha-na-historia-da-diplomacia-brasileira-que-nunca-admitiu-sua-existencia/