5 de maio de 2025
Congresso destina R$ 9,7 bilhões a emendas genéricas e ignora
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Pressionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a tornar mais transparentes as emendas parlamentares, o Congresso Nacional tem adotado uma estratégia que dificulta o rastreamento da aplicação desses recursos. Levantamento do O Globo mostra que, só em 2025, R$ 9,7 bilhões foram direcionados a ações genéricas do Orçamento, sem especificação clara sobre como os valores serão usados. A verba representa quase 20% do total previsto em emendas parlamentares neste ano.

Esses recursos estão agrupados em apenas seis das 275 ações orçamentárias com emendas aprovadas. São descritas por termos amplos, como “fomento à agricultura”, “apoio a projetos de infraestrutura turística” e “desenvolvimento de políticas de segurança pública”. Na prática, essas rubricas funcionam como um “caixa geral”, no qual o dinheiro é redirecionado conforme a conveniência política de deputados e senadores, a partir de tratativas diretas com prefeituras e governos estaduais — normalmente formalizadas apenas na fase de execução.

— O número vem caindo porque o parlamentar só precisa definir o destino e o objeto no momento da execução. É possível fazer uma emenda com valor muito maior para ações de perfil extremamente amplo. Obras de pavimentação, que têm grande apelo político e visibilidade, são realizadas por diversos ministérios, como o do Turismo e, até recentemente, o da Defesa — explicou Hélio Tollini, especialista em Orçamento.

De acordo com o estudo de Tollini e do economista Marcos Mendes, publicado no fim do ano passado, o modelo de emendas genéricas tornou-se dominante na última década. Em 2016, os recursos para essas mesmas ações somavam R$ 1 bilhão, em valores corrigidos pela inflação. Em 2025, o valor saltou para quase R$ 10 bilhões.

A principal ação genérica beneficiada em 2025 foi a de “apoio a projetos de desenvolvimento sustentável local integrado”, vinculada ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, que recebeu R$ 3,65 bilhões em emendas — o equivalente a 44% de todo o orçamento da pasta. Além disso, o ministério conta com mais R$ 1,1 bilhão de recursos próprios.

Sob comando de Waldez Góes, indicado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o ministério pode usar a verba para obras viárias, compra de tratores, caminhões e construção de abatedouros, entre outros. Mas a aplicação exata depende de ofícios enviados por parlamentares, que nem sempre são públicos.

O senador Weverton (PDT-MA) foi o autor da maior emenda individual para essa ação, no valor de R$ 23 milhões, a serem investidos no Maranhão. Segundo ele, os recursos serão usados em obras e na aquisição de equipamentos agrícolas:

— Na hora de se tomar a decisão (sobre como o recurso será gasto) é que o deputado ou senador manda um ofício com sua opinião formada. Não vejo problema nenhum, pelo contrário, dá mais condições de atender a demanda de acordo com a realidade de cada município — argumenta.

O problema, segundo especialistas, está justamente na falta de transparência do processo. O envio do ofício, muitas vezes, ocorre longe dos olhos do público e dos órgãos de controle, fazendo com que a destinação só se torne visível depois que o recurso já está em execução.

A ação orçamentária “apoio a projetos de infraestrutura turística”, por exemplo, tem previsão de R$ 1,3 bilhão em 2025 — dos quais R$ 1 bilhão vêm de emendas parlamentares. Quase todo esse valor partiu de apenas duas iniciativas: uma da Comissão de Turismo da Câmara (R$ 500 milhões) e outra da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado (R$ 400 milhões). A verba será pulverizada em centenas de obras em todo o país, cujo detalhamento ocorrerá somente após indicação dos parlamentares.

— Isso compromete a qualidade do gasto público: se praticamente todo o orçamento de um ministério se concentra em uma única ação orçamentária, ela perde o sentido de existir. O ideal seria que houvesse um mínimo de detalhamento — critica Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil.

Ela aponta ainda que a prática compromete o planejamento das políticas públicas, uma vez que nem mesmo o governo sabe previamente onde e como os recursos serão aplicados, dificultando a execução estratégica.

Outro problema apontado por especialistas é a mudança de perfil nas emendas. Estudo da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, feito a pedido da deputada Adriana Ventura (Novo-SP), revela que houve uma queda no volume de recursos destinados a investimentos. Em 2023, 95% das emendas tinham esse fim; neste ano, o índice caiu para 85%, com aumento nos gastos de custeio — voltados à manutenção da máquina pública.

— Existe a justificativa de que são necessárias obras estruturantes, como estradas. Mas, analisando o histórico, vê-se que pouco é feito nesse sentido. Esse mecanismo é utilizado, tanto em emendas de comissão quanto de bancada, para viabilizar depois as chamadas emendas individuais — aponta Adriana.

Diante da falta de transparência, o Supremo Tribunal Federal tem pressionado por mudanças. Há dez dias, o ministro Flávio Dino determinou que a Câmara e o Senado informem como pretendem identificar os autores das emendas de comissão e bancada. Dino também solicitou que a Advocacia-Geral da União (AGU) explique como está sendo usado o Cadastro Integrado de Projetos de Investimento — ferramenta criada justamente para indicar se os recursos estão sendo aplicados em obras estruturantes.

Fonte: https://agendadopoder.com.br/congresso-destina-r-97-bilhoes-a-emendas-genericas-e-ignora-transparencia-exigida-pelo-stf/