1 de novembro de 2025
Crime organizado antecipa 2026 com embate entre Castro e Lula
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A megaoperação das forças de segurança do governo do Rio de Janeiro contra a facção criminosa Comando Vermelho — que deixou pelo menos 121 mortos, entre eles quatro policiais — escancarou a politização do tema da segurança pública e da perda de controle cada vez maior do poder público sobre o crime organizado.

Segurança pública que deve ser central no embate entre direita e esquerda nas eleições presidenciais e para governador em 2026. O governador Cláudio Castro (PL), até agora, é pré-candidato ao Senado, e o presidente Lula (PT) deve tentar a reeleição no ano que vem.

Na tarde da última quarta-feira (29), Castro, com a operação policial nas comunidades do Complexo da Penha e Complexo do Alemão ainda em curso, acusou o governo federal de omissão no apoio ao combate ao crime organizado no Rio. “Esta operação tem muito pouco a ver com segurança pública. Ela é uma operação de defesa. [Porque] esta é uma guerra que está passando os limites que o estado [do Rio de Janeiro] deveria estar defendendo sozinho. Para uma guerra desta, que nada tem a ver com a segurança urbana, deveríamos ter um apoio muito maior. Neste momento, talvez até de Forças Armadas”, afirmou então o governador fluminense.

Segundo Cláudio Castro, a ação desta semana foi planejada ao longo de seis meses, como resultado de mais de um ano de investigações. Contou com o aval do Poder Judiciário e foi acompanhada pelo Ministério Público do estado. Contudo, o governo fluminense não solicitou apoio federal. De acordo com Castro, porque os pedidos de ajuda anteriores foram negados.

“Pedimos os blindados [militares] algumas vezes. E, todas as vezes, os pedidos foram negados. Desta vez, não pedimos por terem negado nas outras três vezes. Falaram que, para isso, tem que [ser decretada uma operação de] Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que tem que ter isso ou aquilo. E como o presidente [da República, Luiz Inácio Lula da Silva] já falou que é contra GLOs, entendemos a realidade. E não vamos ficar chorando pelos cantos”, afirmou o governador.

“Espero que isso sirva de exemplo de que precisamos de mais integração”, enfatizou Cláudio Castro. O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, por sua vez, respondeu pouco depois, e disse que não recebeu nenhum pedido de ajuda do governador para ação na área da segurança pública.

“Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro, enquanto ministro da Justiça e Segurança Pública, para esta operação. Nem ontem, nem hoje, absolutamente nada”, afirmou a jornalistas. Ele acrescentou que nenhum pedido do governador Cláudio Castro foi negado.

Outros integrantes do governo federal também partiram para o ataque. “Eu penso que o governador [do Rio de Janeiro] poderia nos ajudar em relação a isso. O governo do estado do Rio tem feito praticamente nada em relação ao contrabando de combustíveis, que é como você irriga o crime organizado”, afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), no dia seguinte à operação.

“O dinheiro, no caso do Rio de Janeiro, todo mundo sabe que está vindo do contrabando de combustível, da fraude tributária, da simulação de refino, da distribuição de combustível batizado. Penso que o governador deveria acordar para esse problema, que é crônico no Rio de Janeiro, e nos ajudar a combater o andar de cima”, criticou Haddad.

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Não era bem assim 

Depois, o Ministério da Defesa confirmou, por meio de nota, que, em janeiro deste ano, o governo do Rio de Janeiro solicitou que a Marinha fornecesse “apoio logístico” às forças de segurança pública estaduais, com o empréstimo de veículos blindados. Segundo o ministério, o pedido foi submetido à análise da Advocacia-Geral da União (AGU), que indicou que a solicitação só poderia ser atendida com a decretação de uma GLO, o que exigiria um decreto presidencial.

Mais tarde, o diretor-geral da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues, afirmou que a Superintendência do órgão havia, afinal, sido avisada pelo governo do Rio sobre a operação policial, e não quis participar. “”Após análise do planejamento operacional, a equipe da PF concluiu que a ação não se adequava ao modo de atuação da instituição”, afirmou aos jornalistas ao lado do ministro da Justiça, que o interrompeu.

“Operações deste porte, que exigem interferência do governo federal, deveriam ser comunicadas ao presidente de República e ao vice-presidente, ou ao ministro da Justiça, ou ao próprio diretor-geral da PF”, declarou, em um sinal de desconforto.

Farejando o cheiro de queimado na discussão e aproveitando que havia acabado de chegar de viagem para a Ásia, o presidente Lula manteve distância da polêmica. Manifestou-se sobre o caso pela primeira vez mais de 24 horas após Castro acusar o governo federal de omissão, apenas na noite da quarta-feira (26), e quando o fez foi para dizer que determinou apoio do governo federal ao governo fluminense.

Discurso cuidadoso de Lula parece cuidadosamente talhado tendo em vista as eleições do ano que vem.

“Me reuni hoje pela manhã com ministros do meu governo e determinei ao ministro da Justiça e ao diretor-geral da Polícia Federal que fossem ao Rio para encontro com o governador”, declarou no Twitter na noite de quarta. “Não podemos aceitar que o crime organizado continue destruindo famílias, oprimindo moradores e espalhando drogas e violência pelas cidades. Precisamos de um trabalho coordenado que atinja a espinha dorsal do tráfico sem colocar policiais, crianças e famílias inocentes em risco”, escreveu Lula.

“Foi exatamente o que fizemos em agosto na maior operação contra o crime organizado da história do país, que chegou ao coração financeiro de uma grande quadrilha envolvida em venda de drogas, adulteração de combustível e lavagem de dinheiro”, continuou Lula na mensagem. “Com a aprovação da PEC da Segurança, que encaminhamos ao Congresso Nacional, vamos garantir que as diferentes forças policiais atuem de maneira conjunta no enfrentamento às facções criminosas”, finalizou ele. 

O discurso cuidadoso de Lula — que alia apoio ao combate à criminalidade à tentativa de mostrar atitude frente ao problema, junto com o contraste da operação contra o PCC do governo federal e uma cobrança pela PEC da Segurança — parece coisa de profissional da comunicação, cuidadosamente talhado tendo em vista as eleições do ano que vem. A postagem foi fixada no topo do perfil do presidente, e até o final da tarde de quinta-feira (30) o presidente já tinha publicado mais três mensagens sobre o tema.

A precaução e atenção extra de Lula com a nova crise na segurança pública pode ter relação com a fala desastrosa do presidente a jornalistas durante passagem por Jacarta, na Indonésia, no último dia 24. Na ocasião, em uma tentativa de criticar os ataques ordenados pelo presidente dos EUA, Donald Trump, a barcos de supostos narcotraficantes próximos à costa da Venezuela no Mar do Caribe, Lula disse que “os traficantes de drogas também são vítimas dos usuários”. Com a enorme repercussão negativa, o presidente voltou atrás e pediu desculpas pela fala no mesmo dia.

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A violência é a principal preocupação dos brasileiros em relação ao país, segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada neste mês de outubro. De acordo com o levantamento, 31% dos entrevistados apontam a violência como sua maior preocupação, um aumento de três pontos em relação à pesquisa no mês anterior. Ainda de acordo com o levantamento, 70% dos brasileiros veem a violência e o crime organizado como um problema de âmbito nacional.

“Cláudio Castro sabia que o impacto seria nacional”, afirma à Gazeta do Povo o cientista político Samuel Oliveira. “Mirou o governo Lula ao associar a operação à narrativa de ‘abandono do Rio’, criando um confronto simbólico entre quem age e quem hesita.”

Ele avalia que Ronaldo Caiado (União-GO), Ratinho Junior (PSD-PR) e outros governadores pré-presidenciáveis aproveitaram para “surfar” na onda de solidariedade ao Rio, usando o discurso da “soberania dos estados” para criar uma frente simbólica contra Brasília. “Só que essa vitrine tem custo: a politização da política de segurança. A cada operação como essa, o pacto federativo se rompe um pouco mais, e a segurança pública deixa de ser política de Estado para virar estratégia de campanha”, diz Oliveira.

Sem perder tempo, governadores de oposição se reuniram de maneira virtual com Castro no dia seguinte à operação — dentre eles os principais presidenciáveis da direita, como Caiado, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), e Ratinho Junior, além de Romeu Zema (Novo-MG) e Eduardo Leite (PSD-RS) — para prestar apoio político e oferecer apoio operacional de suas polícias, o que foi negado pelo governador do Rio.

No dia seguinte, após uma nova reunião dos governadores de oposição, desta vez presencial, foi anunciada a criação de uma espécie de consórcio interestadual de combate ao crime, sem a participação do governo federal. O consórcio inaugura uma espécie de frente unida dos governadores da oposição, pelo menos por enquanto, contra a tentativa de protagonismo do governo Lula na área de combate à criminalidade.

“Muita gente quer o fim da guerra contra as drogas, do poder desenfreado das facções, do cidadão refém da violência, e há razão: segurança pública só faz sentido quando o Estado está presente, quando há programas de oportunidades econômicas e policiamento que atua com inteligência e respaldo institucional”, afirma o cientista político Samuel Oliveira.

Para ele, o único jeito de o Estado retomar o território definitivamente é com um trabalho integrado de longo prazo entre todos os entes federativo, “para além de qualquer projeto político, de governo ou eleição”, diz.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/crime-organizado-como-alvo-antecipa-2026-embate-castro-governo-lula-seguranca-publica/