18 de dezembro de 2025
Tiririca troca de partido para concorrer em nova eleição
Compartilhe:

Quando Francisco Everardo Oliveira Silva, o Tiririca (PSD), foi eleito deputado federal em 2010 com impressionantes 1.353.820 votos em São Paulo pelo então PR, o Brasil vivia um momento peculiar da democracia, o que gerou o voto de protesto no palhaço, que levava o slogan político “pior que tá não fica”.

A política institucional era vista com desconfiança, o Congresso parecia distante da vida real e boa parte do eleitorado se relacionava com as urnas mais pelo sarcasmo do que pela convicção. Tiririca não foi apenas eleito, mas se tornou um fenômeno eleitoral, puxou votos suficientes para eleger outros parlamentares e passou a simbolizar o protesto silencioso travestido de piada.

Quinze anos depois, o mesmo personagem encerrou a eleição de 2022 com apenas 71.754 votos. Com a baixa popularidade em São Paulo, Tiririca deixou o PL e se prepara para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa do Ceará pelo PSD.

O movimento, longe de ser improvisado, carrega a assinatura de um dos mais experientes operadores do sistema político, o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, que aposta no reposicionamento regional de figuras conhecidas para ampliar a capilaridade e o peso do partido.

VEJA TAMBÉM:

  • Como o voto de protesto se tornou o movimento antissistema e reposicionou os partidos no Brasil

Ascensão e queda de Tiririca acompanham politização do brasileiro

A curva descendente da votação de Tiririca acompanha, quase em sincronia, o despertar político do país. Em 2010, o voto de deboche encontrou terreno fértil em um Brasil pouco envolvido com o debate público.

Em 2014, após as manifestações pelo país durante o governo Dilma Rousseff (PT), o eleitor foi às ruas, passou a discutir política no cotidiano e Tiririca ainda manteve votação expressiva, com 1.016.796 votos.

Em 2018, com a ascensão de Jair Bolsonaro e a cristalização da polarização, a votação do humorista caiu para 453.855. Em 2022, já em um ambiente fortemente ideologizado, a sobrevivência eleitoral só foi possível graças a outros candidatos atrelados a Bolsonaro que puxaram votos para a sigla.

Agora, a saída do PL reflete a transformação interna das legendas. Consolidado como principal abrigo do bolsonarismo, o partido passou a exigir alinhamento explícito à agenda ideológica. Por outro lado, o PSD de Kassab ocupa o espaço oposto: flexível, adaptável e orientado por estratégias de sobrevivência e expansão.

A migração para o PSD e o retorno ao Ceará, onde nasceu, são apresentados pelo próprio deputado como uma escolha afetiva e de oportunidade. “Eu amo São Paulo, mas queria muito representar meu estado querido do Ceará. No PL, não tinha essa chance. O PSD, com Gilberto Kassab e meu querido amigo Domingos Neto, me ofereceu essa oportunidade e eu não pensei duas vezes”, afirmou em entrevista à Gazeta do Povo.

VEJA TAMBÉM:

  • PL suspende apoio a Ciro Gomes após embate na família Bolsonaro

    PL suspende apoio a Ciro Gomes após embate na família Bolsonaro

Pré-candidatura de Tiririca mira aumento da capilaridade do PSD no Ceará

Por trás do discurso afetivo, no entanto, há um cálculo partidário evidente. O PSD opera com pragmatismo no Ceará, onde o cenário eleitoral segue indefinido. O governador Elmano de Freitas (PT) deve tentar a reeleição com apoio do governo federal e do ministro da Educação, Camilo Santana (PT), tendo a máquina federal e estadual como vantagens.

A oposição ainda busca uma composição viável entre diferentes forças políticas e é nesse ambiente fragmentado que nomes conhecidos como o de Tiririca ajudam a dar visibilidade às chapas, formam dobradinhas e ampliando o alcance eleitoral dos partidos. Entre os nomes que podem fazer frente ao candidato petista, está o ex-candidato a presidente e ex-governador cearense Ciro Gomes (PSDB).

Para o cientista político Antonio Lavareda, o caso de Tiririca expõe como o sistema eleitoral brasileiro favoreceu candidaturas midiáticas em um período de baixa politização e, posteriormente, passou a filtrá-las. “O eleitor brasileiro vota através de um sistema proporcional com lista aberta, desorganizado, em grandes distritos. Em São Paulo, o eleitor teve que escolher entre mais de 1.500 candidatos a deputado federal. Isso gera paralisia da escolha”, afirma. Nesse contexto, celebridades funcionaram como atalhos cognitivos. “As pessoas votavam em quem reconheciam. Tiririca foi produto desse sistema.”

O sistema, porém, permaneceu praticamente o mesmo, enquanto o eleitor mudou. Segundo Lavareda, a politização acelerada a partir de 2013, intensificada com a ascensão de Jair Bolsonaro, reduziu drasticamente o espaço para candidaturas sem identidade ideológica clara. “O Bolsonaro, goste-se ou não, teve o papel de ideologizar o eleitor. As pessoas passaram a se reconhecer como de direita ou de esquerda. Isso tornou inviável a permanência de figuras difusas”, ressalta.

A leitura é compartilhada pelo cientista político Ariel Calmon, da BMJ Consultores Associados. Para ele, Tiririca não conseguiu converter o capital simbólico inicial em identidade política duradoura. “O voto de protesto funcionou em um momento específico da sociedade. Quando o eleitor passou a se identificar com campos políticos, o Tiririca não conseguiu se reposicionar. Fez um mandato silencioso, com pouca comunicação e sem protagonismo político”, afirma.

O Ceará e o PSD surgem, assim, como uma tentativa de reinício para Tiririca. Ali, ele aposta na memória afetiva de um eleitor menos exposto à sua atuação parlamentar recente e mais ligado ao personagem midiático de outros tempos.

Mais do que a história de um deputado, a trajetória do humorista ajuda a explicar uma mudança estrutural da democracia brasileira. O personagem que nasceu como piada eleitoral prosperou em um Brasil distante da política. Seu reposicionamento ocorre agora em um país polarizado, ideologizado e mais atento ao jogo político. A curva de votos de Tiririca, do auge ao declínio, é também a curva de amadurecimento de um eleitorado que deixou o riso fácil para trás.

A reportagem tentou contato com o PSD estadual do Ceará, mas não obteve retorno até a publicação. O espaço segue aberto para manifestação.

Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/brasil/de-pior-que-ta-nao-fica-tiririca-psd-eleicoes-2026/