Em ano eleitoral e na despedida de Arthur Lira (PP-AL) à frente de votações na Câmara, os deputados imprimiram um ritmo acelerado e aprovaram número recorde de projetos em plenário desde 2001.
Dados levantados pelo GLOBO, porém, mostram uma redução de sessões para análise das propostas, consequência da limitação do debate legislativo. O quadro é agravado, segundo parlamentares, pelo enfraquecimento e precariedade das comissões temáticas, onde os assuntos deveriam ser discutidos com profundidade.
Essa realidade contrasta com o funcionamento da Casa revisora, o Senado, que manteve números parecidos de produtividade com anos anteriores.
Em diversas ocasiões, senadores rejeitaram ser pautados por textos enviados em cima do prazo pelos deputados. O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), inclusive, se insurgiu em alguns momentos contra parte da agenda e engavetou uma série de iniciativas.
O levantamento contabilizou a aprovação, em plenário, de Projetos de Lei (PL) e Propostas de Emenda à Constituição (PECs), os dois principais instrumentos dos parlamentares para legislar. Outros tipos de iniciativas, como Projetos de Lei Complementar (PLP) e Medidas Provisórias (MP), não foram considerados na análise. Isso porque os dados dessas proposições apresentam divergências em relatórios do Senado e da Câmara, além de organização distinta
Em 2024, Lira e os colegas votaram 156 PLs e PECs, maior número em 23 anos. Já no Senado essa produção se manteve estável: foram 155 propostas aprovadas neste ano; 142 em 2023; 131 em 2022; e 174 em 2021.
Um dos motivos apontados por deputados e especialistas para esse crescimento de aprovações em menos sessões são as mudanças feitas no regimento interno da Câmara, como a redução do chamado “kit obstrução”, em 2021, que limitou os mecanismos usados para atrasar ou inviabilizar a tramitação de matérias.
Mesmo com a produção frenética, a Câmara teve o menor número de sessões deliberativas em plenário desde 2006, quando foram realizadas 76 sessões, segundo dados da Secretaria Geral da Mesa. Neste ano, até o dia 20 de dezembro, foram 85; no ano passado, foram 113.
Já no Senado, foram 89 sessões, quase o mesmo patamar de 90 do ano passado, mas acima das 64 de 2022, ano de disputa presidencial.
O Senado não passou por mudanças regimentais nos últimos anos. Uma crise entre os presidentes Lira e Pacheco também segurou o avanço de medidas entre as Casas. Os parlamentares tiveram divergências ao longo dos quatro anos de seus mandatos consecutivos e chegaram a passar períodos sem se falarem.
Nesse imbróglio, alguns projetos não avançaram, como o novo Código Eleitoral, aprovado pela Câmara em 2021, estacionado no Senado. Já em novembro deste ano, o Senado aprovou a regulamentação da Inteligência Artificial, mas os deputados já deram sinais de que irão aprovar um novo texto.
As comissões mistas que analisam medidas provisórias enviadas pelo governo praticamente não existiram. Os colegiados não funcionaram durante a pandemia e, em 2023, quando deveriam ser retomadas, Lira, à revelia de Pacheco, quis aumentar o número de deputados, o que provocou uma crise e travou os trabalhos.
Já em uma tentativa de acelerar as votações no plenário no ano derradeiro de 2024, Lira suspendeu no dia 12 de dezembro todas as reuniões e debates sobre projetos em comissões temáticas da Casa até o dia 20, para concentrar esforços na aprovação de temas relacionados à segurança pública e econômicos, como a reforma tributária.
— Não é adequada à boa prática do Parlamento uma decisão assim, que nos surpreende a todos— afirmou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) em plenário, após a decisão.
A crítica também é feita por parlamentares de outros pontos do espectro político.
— As comissões foram tratadas sem o apoio devido da Casa, tivemos pouca produtividade — disse o deputado José Rocha (União-BA), presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional.
Procurado, Lira não se manifestou sobre o ritmo acelerado e a diminuição dos debates em comissão e plenário. No dia 12, a Câmara aprovou, por exemplo, um projeto que permite a juízes aplicar a pessoas inimputáveis períodos de 20 anos de internação. O texto não foi votado pelas comissões temáticas.
— Esta Casa não faz debate nas comissões e projetos dessa natureza vêm em regime de urgência — afirmou a deputada Ana Paula Lima (PT-SC), durante a votação do projeto.
Neste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a principal delas, começou a realizar reuniões apenas em março. No total, foram feitas 679 reuniões de comissões em 2024, abaixo das 967 do ano passado, porém acima das 556 de 2022.
— A baixa quantidade de sessões deliberativas de comissões é algo que observamos ao longo do ano e que mostra a centralização do processo legislativo no plenário. Isso é prejudicial em vários sentidos, pois dificulta a atuação do parlamentar em questões mais setorizadas e diminui a importância da apreciação conclusiva — afirma a cientista política Graziella Testa, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Ao mesmo tempo, 2024 foi o ano também em que a Câmara mais aprovou requerimentos de urgência, mecanismo que pula etapas no processo legislativo e permite a votação diretamente no plenário da Casa. Foram aprovados 215 em plenário, o maior número desde 2001.
O mecanismo foi usado pelo presidente da Câmara para pressionar ou fazer acenos ao governo e à oposição.
— A urgência inibiu e atrofiou o trabalho das comissões temáticas, onde se dá, de fato, o aprofundamento dos temas do ponto de vista técnico — afirmou o deputado Danilo Forte (União-CE).
Com informações de O Globo
Fonte: https://agendadopoder.com.br/em-ano-eleitoral-e-adeus-de-lira-camara-aprova-recorde-de-projetos-em-plenario-desde-2001-mas-com-reducao-de-sessoes/