25 de março de 2025
Em dificuldade com evangélicos, Lula enfrenta ofensiva bolsonarista junto a
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Enquanto tenta enfrentar a resistência dos evangélicos, usualmente mais à direita, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se vê em dificuldade também junto aos católicos, entre os quais sempre manteve popularidade maior. Além da queda de aprovação no segmento, que acompanhou o movimento desfavorável no eleitorado geral e recuou de 42% para 28% na última pesquisa Datafolha, de fevereiro, o petista enfrenta uma ofensiva bolsonarista direcionada a lideranças do catolicismo.

O movimento capitaneado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ficou evidente pela polêmica recente envolvendo Frei Gilson, da Congregação Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo. Fenômeno da internet, onde soma 8,5 milhões de seguidores só no Instagram, o religioso passou a receber críticas de parte da esquerda pelo discurso considerado antifeminista, como quando disse, numa das pregações realizadas diariamente às 4h, que “a mulher nasceu para auxiliar o homem”.

Embora não haja registro de que o frade já tenha encontrado ou mesmo se referido diretamente a Bolsonaro, o ex-presidente aproveitou a ocasião para, em meio às reprimendas, sair em defesa de Gilson:

“Cada vez mais se apresenta como um fenômeno em oração, juntando milhões pela palavra do Criador. Por isso, cada vez mais, vem sendo atacado pela esquerda”, escreveu no X.

É justamente na arena digital, onde já leva vantagem sobre os rivais, que a direita faz seus principais acenos aos católicos. Em janeiro, conteúdos amplamente disseminados nas redes relacionaram Lula, equivocadamente, a uma ação na Justiça movida pelo Ministério Público de São Paulo contra o grupo de mídia Canção Nova. O padre Chrystian Shankar, do Santuário Frei Galvão, em Divinópolis (MG), chegou a fazer uma live ao lado do deputado federal bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG), na qual afirmava que os cristãos estariam sendo perseguidos.

Apesar de evangélico, Nikolas já surgiu ao lado de outros nomes da Igreja Católica, como o padre Antonio Júnior, da Paróquia de Maragogi, em Alagoas, idealizador do movimento Jesus Vive. O deputado também recomendou conteúdos do padre Paulo Ricardo, da Paróquia Cristo Rei, em Várzea Grande (MT).

Com 2,4 milhões de seguidores, Paulo Ricardo é um expoente do catolicismo conservador, tendo posado armado com o guru Olavo de Carvalho em 2015. Ele teria dado aulas ao blogueiro Allan dos Santos no seminário e é o único padre católico que se apresenta como tal seguido por Bolsonaro.

Outros integrantes da bancada do PL têm feito movimentos similares. Na última terça-feira, Bia Kicis (DF) postou vídeo com o padre Eduardo Peters em um memorial da “criança não nascida”. Carla Zambelli (SP), por sua vez, escolheu para celebrar seu casamento, em 2020, o padre Alex Brito, do Arautos do Evangelho, associação autodeclarada tradicionalista. Mesmo antes da cerimônia, a deputada já postava com frequência mensagens do religioso, que adota tom incisivo em temas como o aborto. Em 2022, o bolsonarismo explorou vídeos nos quais Brito afirmava que “a escolha (nas eleições) deveria ser feita pensando em Deus”.

— Minha missão é espiritual, e a Igreja não tem partido político. É bom lembrar que seguimos o mandato do Divino Fundador, Nosso Senhor Jesus Cristo, que disse: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” — afirmou o padre ao GLOBO.

A estratégia bolsonarista mira a capilaridade dessas lideranças católicas. Levantamento da consultoria Bites feito a pedido da reportagem mostra que os sete padres mais acompanhados nas redes alcançam, juntos, 2,4 milhões de pessoas por postagem, em média. E o grupo vem ganhando ainda mais força: eles amealharam 2,5 milhões de novos seguidores só nos últimos dois meses.

Trama golpista

Quatro padres chegaram a ser citados nas investigações da trama golpista que tentou impedir a posse de Lula. O único indiciado pela Polícia Federal foi José Eduardo, da Paróquia São Domingos, em Osasco (SP), que supostamente criou a “oração do golpe”, repassada em aplicativos de mensagens.

Sua defesa sempre negou as acusações, e ele ficou de fora dos indiciamentos da Procuradoria-Geral da República, tendo as medidas cautelares revogadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Há anos, o padre é conhecido pelo tom conservador, acompanhado por mais de 400 mil pessoas na internet.

— As crianças estão desorientadas. Cada vez vão aparecendo modelos estranhos de família e, agora, esta conhecida ideologia de gênero — discursou na Assembleia Legislativa do Rio, ainda em 2014.

O papel dos outros três padres seria secundário, mas rendeu menções no inquérito. Genésio Lamounier, da Diocese de Anápolis (GO), rezou com o então presidente Jair Bolsonaro logo após a derrota nas eleições. Já Frei Gilson e Paulo Ricardo teriam interlocução com José Eduardo.

Uma das principais instituições católicas conservadoras, o Centro Dom Bosco, fundado em 2016, empreende desde então uma ofensiva anticomunismo, classificado como “totalmente incompatível com a religião”. São frequentes as trocas de farpas com o mais importante órgão católico do país, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), chamada de Conferência Nacional dos Bolchevistas pelo Dom Bosco.

Em 2023, a CNBB citou o centro ao tratar de uma espiritualidade “permeável a pregações mais ideológicas”. Procurada, a entidade não respondeu ao contato do GLOBO. Os padres citados, à exceção de Alex Brito, também optaram por não se manifestar.

‘Quebrar estigma’ é desafio

O movimento carismático surgiu na década de 1960, nos Estados Unidos, com a incorporação de elementos do pentecostalismo evangélico. Na mesma época, nasceu a Teologia da Libertação, ligada à luta por direitos sociais. No Brasil, o grupo alcançou grande interlocução com a esquerda e com o próprio Lula, participando da fundação do PT e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Nos últimos anos, porém, com a ascensão conservadora no país, os carismáticos ganharam força.

— O catolicismo começa a perder fiéis nos anos 2000. O movimento de “pentecostalização” dos carismáticos evita a evasão e se une à instrumentalização da religião como estratégia política — avalia Magali Cunha, editora-geral do Coletivo Bereia, agência de fact-checking voltada ao público religioso.

Diante do cenário desfavorável, Lula também tem tentado acenar aos católicos. Na última quarta-feira, em evento no Rio Grande do Norte, o presidente discursou ao lado do ex-arcebispo de Natal Dom Jaime Viera Rocha, chegando a rezar um Pai Nosso no palco.

— Não basta participar de cerimônias, missas, comungar. É preciso ações e políticas públicas que favoreçam a doutrina católica. Assim, certamente terá apoio dos católicos — pondera Miguel Vidigal, presidente da União Brasileira de Juristas Católicos.

A dificuldade é admitida até dentro do PT, onde 38 dos 68 deputados federais se declaram católicos, segundo o Instituto de Estudos da Religião (Iser). Um deles é Padre João, ordenado na Arquidiocese de Mariana (MG):

— O desafio é quebrar o estigma de que o PT defende o aborto. Percebo Lula mudando o discurso, falando de prosperidade, do esforço do trabalho. Agora falta o governo como um todo dar esses sinais.

Com informações de O Globo

Fonte: https://agendadopoder.com.br/em-dificuldade-com-evangelicos-lula-enfrenta-ofensiva-bolsonarista-junto-a-liderancas-catolicas/