
Cinco meses após ser acusado pela ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) de importunação sexual, o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida falou ao portal UOL com exclusividade.
É a primeira vez que ele dá entrevista após a demissão.
À época, a ONG Me Too Brasil também informou ter recebido denúncias de assédio sexual contra o então ministro.
Almeida vai prestar depoimento amanhã (25), na sede da Polícia Federal em Brasília, em inquérito que investiga o caso e está em segredo de Justiça.
UOL – Por que cinco meses em silêncio?
Silvio Almeida – Eu precisava entender o que estava acontecendo, cuidar da família, da saúde, ser abraçado pelos amigos.
Também não havia disposição para que eu fosse ouvido. Criou-se um clima de hostilidade. Minha defesa era lida como forma de desrespeito às supostas vítimas.
E as investigações são sigilosas. Por isso, resolvi me calar naquele momento. Mas chegou a hora de começar a falar.
UOL – Anielle Franco disse à revista Veja que a importunação sexual começou na transição. Como foi a convivência de vocês nesse período?
Silvio Almeida – Não convivemos durante a transição.
Tenho lembrança de ter encontrado Anielle em duas ocasiões. Num jantar, em que minha esposa, grávida, ficou conversando com a ministra.
Depois no dia em que fomos anunciados ministros.
Não tenho lembrança de ter me encontrado com ela durante os trabalhos. Se aconteceu, foi um encontro rápido nos corredores, ou na saída do Centro Cultural Banco do Brasil, sede da transição, e eu estava com assessores.
Fui apenas três vezes à sede. Eu tinha uma série de conferências pré-agendadas na Europa e coordenei o trabalho online.
UOL – O senhor fez sussurros eróticos nos ouvidos da ministra e passou a mão nas pernas dela por baixo da mesa em uma reunião em Brasília?
Silvio Almeida – É óbvio que não.
Imagine uma reunião em que estão dois ministros. Eu, sentado, na lateral da mesa; a ministra sentada na ponta, outras pessoas sentadas, o presidente da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], e logo na minha frente o diretor geral da Polícia Federal.
Eu passaria a mão nas pernas de uma ministra numa reunião na frente do diretor geral da PF? Isso é um descalabro.
UOL – O que houve ali?
Silvio Almeida – Foi uma reunião tensa para falar sobre casos de racismo nos aeroportos.
Surgiu uma divergência entre o que eu propunha e o que a ministra propunha. Visões diferentes de como tratar a questão. Entretanto, ela foi extremamente deselegante.
UOL – O que ela fez?
Silvio Almeida – Comecei a dar opiniões e, em determinado momento, ela pega meu braço e fala mais ou menos assim: “Em todo lugar você quer dar aula. Aqui não é lugar de dar aula”.
Eu me calei. Tinha outro compromisso e saí da reunião. Minha secretária executiva acompanhou o restante.
Depois tive uma conversa com meus assessores sobre como era difícil trabalhar com o Ministério da Igualdade Racial e com a Anielle Franco, como ela foi desrespeitosa comigo.
Ela fingia ter comigo uma intimidade que nunca teve, falando comigo daquele jeito.
Achei inadequado e eu dei uma determinação no ministério: “Só vamos falar de questões relacionadas à política de igualdade racial dentro dos limites da competência do Ministério dos Direitos Humanos. Não vamos nos meter nas políticas de promoção da igualdade racial”.
Isso ainda que eu estivesse sendo chamado a todo momento para participar de eventos e de formulação de políticas que envolvessem igualdade racial.
Mas comecei a recusar, para que não houvesse desconforto.
UOL – Havia ciúmes?
Silvio Almeida – Vieram falar que a ministra se sentia incomodada com o fato de eu ser tido como referência na área atinente ao ministério dela.
Só que eram fofocas. Eu não tinha tempo de lidar com fofoca, o que pode ter sido um erro meu. Não tinha entendido que a política é feita de intriga.
Tem gente especialista, dentro e fora do governo, em criar intriga e vazar para a imprensa.
Tanto eu quanto Anielle Franco fomos enredados nessa imundice.
UOL – A professora Isabel Rodrigues foi às redes sociais dizer que tinha sido apalpada pelo senhor por baixo da mesa. Uma ex-aluna disse ao Fantástico que foi assediada após uma prova. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Silvio Almeida – Sobre Isabel Rodrigues: fiquei surpreso, porque fomos amigos durante anos. Eu a conheci em 2015, 2016, e desde então travamos uma amizade intensa.
Depois fui morar nos Estados Unidos e nos afastamos, mas mantivemos algum contato. De repente, ela aparece candidata [Isabel foi candidata a vereadora em Santo André], se declarando a 15ª vítima, sendo que sequer se sabia qual o número das supostas vítimas.
Achei esquisito. E incongruente em relação às atitudes que teve comigo há pouquíssimo tempo.
UOL – Quais?
Silvio Almeida – Entrou em contato querendo conversar. Falamos rapidamente sobre a candidatura dela, pouco antes de estourar, e quando isso estoura eu apareço como abusador.
UOL – E sobre as alunas?
Silvio Almeida – Quando comecei a dar aula, em 2006, 2007, um amigo disse: “Você é jovem, é um homem negro, se cerque de cuidados”.
Por isso trabalho com assistentes. Pouquíssimas vezes apliquei uma prova.
Dou aula há 20 anos. Tive, aproximadamente, 40 mil alunos. Metade disso são mulheres. Em todas as universidades que passei, isso está dito de maneira oficial, nunca tive nenhum tipo de acusação.
UOL – Por que essas mulheres mentiriam?
Silvio Almeida – Não sei. Não tenho como estar na cabeça delas. O que posso dizer é que não fiz isso. Não sei por que as pessoas mentem. E quem mente tem responsabilidade.
UOL – Anielle Franco não teria muito a perder inventando uma história dessas?
Silvio Almeida – Acho que ela caiu numa armadilha, a falta de compreensão de como funciona a política — a armadilha em que eu caí também.
Não prestei atenção em coisas em que deveria ter prestado mais atenção. Ela, da mesma forma. Ela se perdeu num personagem.
Para tentar me desgastar, ela participou desse espalhamento de fofocas e intrigas sobre mim.
O objetivo talvez fosse minar minha credibilidade, tirar meu espaço em certos círculos da elite carioca, da academia, com pessoas ligadas ao sistema de justiça. Me queimar.
Essa fofoca se tornou objeto de interesse do jornalismo.
Isso se tornou um caso de interesse das autoridades policiais. E foi hipotecada uma crise enorme para o governo. Ela perdeu o controle da narrativa. Diante do tamanho da crise, sobraram para ela duas opções.
UOL – Quais?
Silvio Almeida – Ou ela dizia que não aconteceu; ou dobrava a aposta na história inverídica, destruindo políticas importantes, a minha vida pessoal e da minha família.
Ela escolheu o caminho da destruição.
UOL – Quando o senhor tomou conhecimento dos boatos?
Silvio Almeida – Em setembro de 2023. Amigos contaram que nos círculos da elite carioca e em Brasília estavam comentando esse tipo de coisa.
Fiquei estupefato e falei com assessores. Tomei a decisão de não me movimentar por conta de um boato. Acho uma indignidade.
Eu vou levar para o presidente da República uma fofoca, num país em que pessoas tentaram dar um golpe de Estado?
Aí chego, “presidente, estão fazendo uma fofoca a meu respeito”. Eu acho isso ridículo.
Não liguei para esse boato, nem para o boato de que eu ia ser ministro do STF, senador por São Paulo. Na época, achei que fiz certo. Esqueci que boato se torna arma política.
E como é que se publica uma fofoca dessas? Porque apareceu um elemento que a legitimou, o Me Too.
UOL – O senhor sugere uma orquestração de grupos para prejudicá-lo. Que grupos são esses?
Silvio Almeida – É ingenuidade pensar que cheguei nos lugares aonde cheguei sem angariar adversários, sem que outras pessoas não quisessem estar na minha posição.
Tem pessoas que foram demitidas do ministério e apareceram em profunda ligação com pessoas de organizações. Vamos falar disso no momento certo.
Quando se começa a se falar da possibilidade de eu ocupar cargos no Judiciário, há resistências de grupos que entram em conflito comigo.
E ainda parcelas de grupos do movimento negro, que não é homogêneo. Há disputa de espaço, poder e dinheiro.
UOL – O senhor publicou em rede social que ONGs “suspeitíssimas” faziam pressão junto a instituições de Estado em relação ao seu caso. O senhor se referia ao Me Too Brasil?
Silvio Almeida – Fico preocupado quando causas relevantes são capturadas e manipuladas como forma de acessar poder e dinheiro.
Sobre o Me Too: supostas denúncias contra mim foram levadas diretamente para um jornalista. Isso viola o dever de proteção de dados e de sigilo.
Coloca em risco a vida das mulheres que tiveram a coragem de procurar essas entidades e a de pessoas que podem ser inocentes.
Essas informações não tratadas corretamente e levadas para a imprensa criaram um clima de linchamento e destruição de reputação. Passamos por cima da presunção de inocência.
UOL – O senhor sustenta, como disse antes, que houve uma tentativa de interferência em uma licitação no ministério por parte do Me Too Brasil?
Silvio Almeida – No dia em que os fatos estouraram, me disseram que havia alguma relação do Me Too com o ministério.
Procurei saber qual era o envolvimento. Documentos mostraram que havia uma tentativa de relação.
Mandamos investigar. Mas quem vai decidir sobre isso é a Justiça.
UOL – O senhor tinha alguma relação com a presidente do Me Too Brasil, Marina Ganzarolli?
Silvio Almeida – Conhecia superficialmente. Curiosamente ela me enviou mensagens no ano passado, um pouco antes de acontecer tudo isso, querendo marcar reunião, me encontrar para conversar sobre assuntos do ministério.
Dizia que tinha sido recebida por todos os ministros, menos por mim.
Não respondi. Achei inadequado pedir agenda para o ministro de Estado fora dos canais oficiais para tratar de assuntos de interesse da organização dela.
UOL – De quando são essas mensagens?
Silvio Almeida – Meados do ano passado, mas não sei precisar.
UOL – Após as denúncias, veio a público uma troca de mensagens de WhatsApp em que o senhor fazia elogios ao vestido de Anielle. Considera essas mensagens apropriadas?
Silvio Almeida – Havia um contexto. A mensagem de logo antes tinha uma foto em que nós dois estávamos juntos, abraçados. Isso foi depois da reunião da Anac em que ela disse que passei a mão na perna dela.
Ela me mandou a foto para postarmos juntos. Achei gentil e educado dizer que o vestido estava deslumbrante.
Acho que ela não ficou ofendida, porque não me disse nada a respeito.
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UOL – Há quem ache que o senhor se encantou pela Anielle, deu em cima dela, e essa aproximação foi lida como importunação. O que diz sobre essa teoria?
Silvio Almeida – É uma teoria absurda. A gente se encontrava em eventos oficiais, agendados e com participação de assessores. Não houve circunstância em que isso pudesse acontecer.
UOL – Houve um jantar entre vocês dois em que ela teria pedido ao senhor para parar com a importunação. O que aconteceu ali?
Silvio Almeida – Foi logo depois que voltamos da viagem a Angola. No avião, tivemos uma conversa boa. Decidimos trabalhar em conjunto.
Combinamos decidir como fazer isso num jantar, o que é comum em Brasília. Fomos a um lugar público, a conversa foi agradável e foi o que aconteceu. Nunca existiu isso de pedir para parar.
UOL – Sentia-se isolado no governo?
Silvio Almeida – Eu não fazia parte de nenhum partido ou grupo específico. Talvez esse tenha sido o meu calcanhar de Aquiles quando as intrigas começaram.
UOL – O que o senhor pensa das sugestões de que deveria pedir desculpas às mulheres?
Silvio Almeida – Não vou pedir desculpas se não fiz nada de errado. Não há conforto na injustiça.
Quem sempre foi um norte na minha vida jamais se conformou. Luiz Gama [advogado abolicionista do século 19]. Nelson Mandela [ex-presidente da África do Sul], que ficou 27 anos preso, e o presidente Lula, que foi oferecido a ele usar tornozeleira e não aceitou porque sabia que a acusação que pesava contra ele era falsa.
UOL – O senhor se sentiu decepcionado com Lula por demiti-lo?
Silvio Almeida – Ele foi levado a uma situação incontornável. Não tinha alternativa.
UOL – Como foi sair da posição de intelectual respeitado, celebridade, para ser chamado de estuprador?
Silvio Almeida – Primeiro senti uma desorientação. Quando as pessoas começam a falar de uma coisa que você não é, você passa a se perguntar quais foram suas atitudes na vida para que estejam te xingando desse jeito.
Em relação ao respeito que eu eventualmente tinha, nunca me iludi com o status de celebridade.
E estuprador? Nenhuma das supostas denúncias fala a respeito disso. Isso é coisa de gente má, perversa, canalha.
Foi uma experiência de muito sofrimento. Primeiro vem a tristeza, depois a indignação. Estou indignado. Todas as pessoas que estão se referindo a mim desse jeito vão ser responsabilizadas.
Com informações do UOL.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/em-primeira-entrevista-apos-demissao-silvio-almeida-diz-que-ele-e-anielle-franco-cairam-em-armadilha/