
A Liga Engenharia, empresa com vínculos diretos ao ex-senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), ainda não foi cobrada formalmente pelo superfaturamento identificado em um contrato de pavimentação firmado com a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). A estatal é vinculada ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR) e tem forte influência política da família Coelho em Petrolina (PE), base eleitoral do ex-parlamentar. As informações são da coluna de Natália Portinari no portal UOL.
Entre 2020 e 2022, a Liga Engenharia recebeu R$ 70 milhões por meio de emendas de relator — o chamado “orçamento secreto” — articuladas por Fernando Bezerra, à época líder do governo Jair Bolsonaro no Senado. Em 2020, ele destinou R$ 175 milhões à Codevasf, que foi executora de obras de infraestrutura em sua base política.
Com sede em Pernambuco, a Liga firmou R$ 290 milhões em contratos com a estatal. Um de seus sócios, Pedro Garcez de Souza, pertence a uma família com estreitos laços empresariais com os Coelho. A influência do grupo também se estendeu à direção local da Codevasf: Aurivalter Cordeiro da Silva, ex-assessor de Fernando Bezerra, chefiou a superintendência da empresa em Petrolina durante o governo Bolsonaro.
Irregularidades em contratos e recuo da Codevasf
Em 2019, a Liga venceu um pregão eletrônico realizado em Petrolina para pavimentar ruas com contrato inicial de R$ 27 milhões. A licitação serviu de base para contratos semelhantes em outros municípios, incluindo Juazeiro (BA) e Lagarto (SE). Neste último, em 2023, a Controladoria-Geral da União (CGU) identificou superfaturamento de R$ 1,4 milhão. A auditoria apontou que o asfalto aplicado tinha, em média, 3,43 cm de espessura — abaixo dos 5 cm contratados — e que houve erro no cálculo do transporte, inflando o orçamento.
A CGU alertou que os problemas poderiam afetar todos os cinco contratos derivados do mesmo edital, que juntos somam R$ 48 milhões. Após o alerta, o fiscal do contrato em Petrolina elaborou uma nota técnica calculando que a Liga deveria devolver R$ 2,4 milhões à Codevasf.
Entretanto, a superintendência de Petrolina contrariou o parecer técnico e produziu um novo cálculo, atendendo a pedidos da própria empresa. Segundo esse novo parecer, a Codevasf é que teria uma dívida de R$ 131 mil com a Liga Engenharia. A nota foi assinada por Alessandra Rossin, então chefe de projetos da superintendência. No ano seguinte, Rossin foi indicada pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para o cargo de diretora de irrigação da Codevasf em Brasília, que ocupa até hoje.
Apesar da resistência dos fiscais, os processos sobre os demais contratos permaneceram parados entre outubro de 2023 e junho deste ano. Procurada pelo UOL, a Codevasf afirmou que, em 30 de abril de 2025, notificou a Liga para apresentar defesa após novo relatório da CGU, que reduziu o valor do superfaturamento em Lagarto para R$ 1,1 milhão.
A estatal alegou ainda que não abriu processos semelhantes em outros contratos porque, em seu entendimento, o cálculo do transporte — um dos pontos contestados pela CGU — estaria correto.
TCU aponta formação de cartel em Petrolina
Além dos indícios de superfaturamento, uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada em 2022, identificou que a Liga Engenharia atuava em cartel com outras três empresas: Sanjuan Engenharia, CBS (Construtora Bahiana de Saneamento) e Engefort. Segundo o relatório, os grupos simulavam concorrência entre si em licitações da Codevasf em Petrolina, se revezando em propostas fictícias.
Essas mesmas empresas participaram do pregão de 2019 que resultou nos contratos sob suspeita. O TCU concluiu que havia uma estratégia coordenada para fraudar os certames e beneficiar o grupo, infringindo princípios da competitividade e isonomia.
Questionada pelo UOL sobre a apuração dessas possíveis fraudes, a Codevasf afirmou que não possui competência legal para investigar cartel, mas que coopera com os órgãos competentes e cumpre “rigorosamente as disposições da legislação em vigor” em suas contratações.
A Engefort respondeu que “não mantém e jamais manteve quaisquer vínculos societários, operacionais ou contratuais com as empresas mencionadas (Liga Engenharia, CBS – Construtora Bahiana de Saneamento)” e que “eventuais coincidências em processos licitatórios são decorrência natural da ampla participação de empresas em certames públicos, e não configuram qualquer tipo de conluio”.
A reportagem também procurou a Liga Engenharia, a Sanjuan Engenharia, a CBS e o ex-senador Fernando Bezerra Coelho, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Fonte: https://agendadopoder.com.br/empresa-ligada-a-ex-senador-que-foi-lider-do-governo-bolsonaro-escapa-de-cobranca-por-superfaturamento-em-contrato-com-a-codevasf/